[Conto] Relação
O homem sentado na beirada da cama de casal apanhou a camisa amassada no chão e a alisou, desejando que não estivesse tão amarrotada. Era embaraçoso construir mentiras para explicar o estado da camisa. Ele pedia para o homem mais novo que o acompanhava para ser mais cuidadosos com suas roupas, no entanto, não surtia efeito.
Escutou o som do lençol e evitou tremer quando sentiu as mãos do amante em seus ombros e o toque carinhoso. Precisava ir embora. Quando ele sentia que cederia, bastava lembrar das outras e novas coisas. Mesmo que ficar com aquele homem fosse algo que ele não pudesse controlar, não precisava destruir tudo o que havia construído e a vida das pessoas que dependiam dele.
— Fica comigo… — Lucas murmurou em seu ouvido e ele fechou os olhos. Deus, aquilo ainda ia matá-lo. A mão de William saiu do tecido da camisa e tocou o braço que o envolvia de forma possessiva. Ele olhou as contas amarradas ao pulso do jovem.
— Eu não posso.
William Martins murmurou. Era sua resposta padrão. Lucas não poderia entender como ele se sentia mal por ter aquele caso, mas não era como se Lucas se importasse, porque se dependesse dele, não estaria naquela situação também. A verdade era que nenhum deles podia evitar e era isso que estragava tudo.
Sentiu Lucas farejando seu pescoço e ficou feliz por estar de costas, assim os olhos ferinos do mais novo não veriam como ficava afetado com aquele movimento.
— Eu amo seu cheiro. — Lucas murmurou, seus dentes arranhando a pele do pescoço. William apenas inclinou a cabeça e deixou que ele fizesse o que quisesse, sua mente ficando branca por um momento, entregue a sensação que eles dois sentiam. — Vamos Willy, vamos ficar juntos. — A proposta fez com que William acordasse do que quer que fosse aquela sensação e fitasse eles dois pelo espelho lateral do quarto do motel.
— Eu preciso voltar. — Ele desviou os olhos do espelho e as palavras trouxeram culpa. Era fácil lidar com a culpa, ela o enchia de coragem e ele podia confrontar Lucas. — Você sabe disso, então não torne as coisas difíceis.
— Eu estou fazendo isso? Quem não quer ficar é você!
— Eu não posso ficar. Pare de me pedir isso.
Cheio de culpa, William levantou-se e livrou-se do abraço de Lucas. Era tão vazio sem os braços dele em torno do seu corpo. Ele caminhou para o outro lado do quarto e vestiu a camisa, ignorando o olhar cheio de raiva do jovem.
— Conte a ela. — Lucas cruzou as pernas sem tirar os olhos dele. — Conte que você tem outra pessoa, que não pode mais ficar com ela. Eu já disse que te ajudaria.
— Você acha mesmo isso? — William perguntou e pegou a calça. — Por que sempre temos que discutir?
— Porque eu não vou desistir de você, velho teimoso.
Era um misto de sentimentos no peito de William. Ele tratou de vestir a calça, sabendo que assim ganharia tempo para responder. Quando se virou para responder, as palavras quase morreram em sua boca. Como é que ele podia ser tão bonito? Ele não precisava de roupas para ser a coisa mais linda que William já vira, e nem mesmo as tatuagens pelo corpo definido, ou as cicatrizes no peito e no abdômen, ou a marca de mordida de lobo conseguiam fazer com que William não aprovasse aquela beleza. Os olhos eram como ouro derretido. O cabelo preto chegava aos ombros e estava desarrumado, uma massa negra de cachos em torno do rosto sério. Lucas tinha 22 anos e não parecia mais velho nem mesmo quando vestia ternos ou roupas mais sofisticadas que suas camisetas pretas e calças rasgadas. William amava o estilo roqueiro, como da primeira vez que o viu, com aquele casaco surrado de couro, com acessórios nos braços, pescoço e orelhas, os coturnos que já viram dias melhores e uma calça com um rasgo proposital na coxa.
Perto de William, o jovem era um contraste formidável. William já passou dos 40 anos, usava ternos e roupas esportes-sociais na maior parte do tempo. Ele sempre estava com o cabelo castanho curto, com a barba em dia, com os dois únicos acessórios que ele nunca dispensava: a aliança dourada e algum de seus relógios caros no pulso. Eles eram diferentes, embora William gostasse de rock, ele frequentava a Sala São Paulo e adorava ir à Igreja aos domingos. Ele era alguém em sua idade, tinha os estudos completos, amigos tão velhos quanto ele, opiniões politicas fortes, temperamento controlado, conhecia sobre vinhos e lugares ótimos para jantar, falava três línguas.
Mas não era isso que os separava e sim a vida construída de William com Lydia e as bodas de porcelana comemoradas no começo do ano, as duas filhas e a uma terceira a caminho que ele não anunciou ao amante. Ele tinha que voltar para casa, Lydia estava com uma gravidez de risco e ele não queria prejudicar a esposa num momento tão vulnerável.
— Eu devia morder você! — Lucas resmungou enquanto William calçava os sapatos caros. — Era isso que eu deveria fazer! E toda essa história ia acabar.
— E eu jamais o perdoaria por isso.
Tinha se vestido o mais rápido que pode. Quanto mais tempo demorasse, mais sua vontade era de tirar a roupa recém-posta e voltar aos braços de Lucas. Ele tinha que ser forte, tudo ficaria bem enquanto soubesse o que deveria fazer. Pegou o casaco e tirou a carteira do bolso interno, puxou as notas que pagariam pelo quarto e deixou em cima da mesa pequena.
Ele sempre pagava o quarto porque não sabia como Lucas podia viver com o emprego miserável que possuía, além do mais, William gostava daqueles quartos mais caros e possuía dinheiro para pagar por eles.
— Eu vou acabar mordendo você se isso continuar… — Lucas disse quando William estava na porta. A ameaça vinha do lado sobrenatural dele.
— Não fique bravo — William murmurou, jogando o casaco nas costas. — Vou dar um jeito de corrigir isso, só preciso de mais tempo. — Ele olhou para trás, para o jovem sentado na cama que estava furioso. — Por favor… Tente entender…
— Vá embora! Vá embora, seu maldito egoísta, antes que eu morda você.
William o olhou nos olhos que agora não estavam mais dourados. Aquela força de Lucas o atraia também, apesar de jovem, ele possuía um espirito de guerreiro e de líder. William reconhecia isso e estava feliz por seu companheiro ser alguém tão poderoso. Sabia que deveria ir embora porque Lucas estava prestes a pular em cima dele e, apesar de ser o que desejava, não seria bom para nenhum deles.
Saiu do quarto de uma vez e sem saber como, caminhou para onde estava seu carro no estacionamento. Ele olhou para a moto de Lucas e suspirou. Era a sensação de estar preso no fundo de um poço. Aquilo acabaria muito mal ainda.