Correndo contra o tempo

  • “Hey, todos correm contra você!” Penso, enquanto abro a janela nesta manhã.

Falo ao tempo.

  • “Eu também, às vezes, mas sabe, há alguns anos, comecei a desacelerar e a tentar seguir meu próprio ritmo. Nem sempre consigo e sempre me pergunto se vale a pena tanto desgaste”. Continuo minha conversa interior com o tempo.

Com os cotovelos apoiados no parapeito e sentindo o vento do fim de outono acariciar meu rosto e mexer no meu cabelo, lembrei-me de uma conversa que tive esta semana com o rapaz que dirigia o uber, enquanto falávamos sobre a mania da pressa coletiva.

  • “Você já parou para pensar que quando a gente quer que o dia passe mais rápido estamos encurtando nosso tempo de vida?” Disse ele.
  • Sim, já havia pensado nisso, e ao ouvi-lo falar, senti que esta ideia veio com mais lucidez à minha mente: “É mesmo! Respondi.” Que coisa, não? “O mundo anda sempre correndo! Se as pessoas pensassem nisso, talvez começassem a diminuir o ritmo”.

Quando desci do carro, depois de agradecê-lo, nossa conversa ainda perambulava em minha mente enquanto eu caminhava em direção ao meu prédio. Imaginei uma grande roda do tempo e nós dentro dela, fazendo-a girar, como hamsters em suas rodas de girar, dentro de suas gaiolas em alguma loja de venda.

  • “Estamos presos em uma gaiola do tempo!”. A frase saltou do meu pensamento ao mesmo tempo em que me imaginava como uma hamster que aproveitava a distração do vendedor em deixar a porta da prisão aberta para escapulir.

Sorri, enquanto olhava para o céu novamente, ao pensar nesta possibilidade de se poder fugir da gaiola do tempo.

O azul do outono resgatou-me da lembrança e me trouxe de volta à janela.

Em plena pandemia (ainda?) que já dura quase um ano e meio, minha janela tem sido, na maioria das vezes, meu olhar para o mundo.

As janelas têm o poder de atrair meus olhos.

Sempre gostei de olhar através da perspectiva dessas figuras geométricas, normalmente retangulares, que nos conectam com o mundo exterior.

Das janelas dos carros, dos ônibus da cidade ou daqueles que me levam a outro Estado.

A velocidade das paisagens que correm por trás das janelas dos metrôs, fazem meus olhos quererem, inutilmente, acompanhá-la e deixam em minhas retinas um gosto de passado.

Um ronco de motor me desperta para o presente novamente. Viro a cabeça para a direita de onde tenho uma visão parcial da lateral da rua.

Vejo carros apressados correndo contra o tempo. Agora, outros motores se juntam ao primeiro numa sinfonia atonal, cujos instrumentistas são os pedais pressionados por pés incomodados por terem permanecido no farol.

Indiferente à pressa, a luz verde do semáforo rege aquela sinfonia de carros, pés, pedais, motores e roncos.

Os carros passam.

Luz amarela.

Luz vermelha.

A sinfonia faz uma pausa melódica.

Desviei meu olhar para o azul outonal e perguntei ao tempo:

  • “E se hoje fosse seu último dia na terra, como acha que as pessoas viveriam este dia?”

Em meu interlóquio imaginário ele me respondeu às gargalhadas:

  • “Acho que elas se arrastariam sobre mim como tartarugas e me fariam cócegas!”

Olhei para os carros novamente, a sinfonia da pressa havia recomeçado, pensei em tartarugas.

--

--