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O buraco

Sim, ela já esteve lá algumas vezes!

Sempre que embarcava em uma ideia completamente diferente daquela que lhe colocavam como as escolhas certas a serem seguidas. Seu lado curioso e aventureiro dissolvia-se no vinho azedo do julgamento alheio, que vem sempre acompanhado de um apontar de dedos e de um destilar amargo de palavras, que saem das bocas daqueles que preferem se precaver das aventuras: eu não disse?

Quando dava por si estava caindo, caindo, caindo, como a Alice, em um buraco que parecia não ter fim.

Sempre que caía, observava com olhos de Alice, todas as belezas de um mundo novo e inventado para si própria ao mesmo tempo que se reprimia pelo impulso que os outros chamavam de imprudência e que ela chamava de coragem.

Quando tocava o fundo, procurava as maravilhas com que havia sonhado.

Não encontrava a Alice dentro de si! Sentia-se consumida pela culpa que lhe haviam apontado antes da queda.

Quem vai parar lá é porque desacreditou de si mesma ou deixou-se desacreditar.

Pior, é quem mutilou as próprias asas antes que pudesse sonhar um vôo mais alto.

Não, não é um lugar agradável de se estar, ela o sabe.

Um lugar sombrio, frio, que parece não haver saída. Eram suas primeiras impressões sempre que seu corpo tocava o solo.

Deixava-se ficar ali, por algum tempo, inerte, porque não sabia o que fazer. Sentia-se punida por ter escolhido descumprir a regra e seguir um caminho diferente daquele a que fora condicionada.

E por ter estado lá algumas vezes, a única coisa que sabia é que este fundo do poço era um lugar de transformações, porque sempre que voltava de lá, como Alice que acorda do sonho, voltava diferente.

Cansada, a inércia a empurrava para um ponto de partida, porque quando começava lentamente a andar era quando encontrava os personagens da sua Alice interior.

O coelho branco, com o relógio na mão, lembrava que ela havia quebrado a ordem do tempo.

Trocara o tédio do mundo real para dar asas aos seus sonhos.

E enquanto ela diminuía e crescia ao beber e comer dos ingredientes mágicos, perdia-se e encontrava a si mesma várias vezes, ao mesmo tempo que procurava encontrar algum traço de memória que pudesse lembrar-se de como era, antes de despencar.

Mas era quando a lagarta soltava suas baforadas “narguiléticas” em sua direção, que descobria porque tinha ido parar ali. Tinha medo de virar borboleta e descobrir que era bem mais do que havia imaginado.

Só então percebia que o poço sem fundo era também um espaço de liberdade para viver sua própria vida. Mas ainda não sabia como fazer a alquimia e virar borboleta.

Bom, não havia outra saída a não ser encontrar uma. E foi nessas andanças, nas vezes em que esteve no buraco, que encontrou os outros personagens de sua Alice interna. O sorriso malicioso do gato a instigava a ir em frente, mas os soldados de cartas pintavam suas culpas de vermelho, e era quando encontrava a rainha de copas bem dentro da sua mente, que ela paralisava. O veredito era sempre o mesmo: culpada!

E voltava para o início do buraco sombrio, sentindo pena de si mesma.

Mas a vida não deixa ninguém ficar no fundo do poço por muito tempo!

Era esse lampejo de consciência que a fazia seguir seu roteiro aventureiro de Alice, decidida a aceitar o caminho que havia escolhido.

E teimava em seguir em frente, até conseguir sentar na mesa com o chapeleiro maluco e tomar um gole da mistura do chá com gosto proibido de abandono das regras sociais.

Então, deixava-se embriagar pela aventura. Era quando vencia a rainha de copas dentro da sua mente e derrubava as cartas-soldados que corriam atrás dela.

Por fim, saía do buraco, cheia de arranhões e com a pele tatuada de histórias!

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