E se você não precisasse ser você?
Dois exercícios poderosos para viver melhor.
Um dos temas mais recorrentes nas minhas leituras budistas é o apego ao ego, à ideia de que somos esse corpo, essas ideias, esses prazeres e essas dores que experimentamos. Quando nos apegamos a quem achamos que somos, isso implica em uma série de problemas, incluindo a crença de que nossos problemas são unicamente nossos.
É fácil, dessa perspectiva apegada (da qual também partilho, pelo menos enquanto não estou oferecendo conselhos não solicitados para meus amigos), se agarrar aos nossos próprios problemas como se eles fossem únicos e gigantescos.
Por que isso aconteceu comigo?
Essa pergunta nos persegue e, quanto mais nos identificamos com ela, mais colamos à nossa ideia de nós mesmos coisas como “não consigo”, “não sou bom”, não sou isso, não tenho aquilo.
Eu tenho uma regra pessoal sobre como lidar com crenças: só acredito naquilo que me faz bem. Por isso, sempre que começo a pensar no quanto sou insuficiente, incapaz, inapto, procuro me lembrar que isso não me faz bem e volta atrás.
Porém, como às vezes é difícil fazer isso quando sou atacado por esses pensamentos daninhos, passei a utilizar dois exercícios básicos que me auxiliam na vida.
Exercício 1 — eu falaria isso para minha melhor amiga?
Sempre que me percebo julgando minhas ações, imediatamente procuro acionar essa pergunta: eu falaria isso para minha melhor amiga? Ela é uma pessoa que eu amo e quero bem e eu sei que certas falas jamais seriam úteis para que ela viva melhor.
“Isso está uma merda!” provavelmente a faria paralisar e chorar. Eu não quero que ela paralise.
“Você não presta para ser escritora!” a faria me olhar com raiva e se afastar de mim. Eu não quero que ela se afaste.
Ainda assim, por alguma razão obscura, pareceu-me tolerável dizer essas coisas para mim mesmo ao longo de muitos anos.
Você não é um bom escritor. Você não é bonito. Você não tem coragem. Você não sabe chegar nas pessoas. Você não sabe dançar. Você não é suficiente.
Se é para me identificar com meu ego, que pelo menos eu faça isso direito. Eu sou o meu melhor amigo, passo a vida comigo, não quero causar sofrimento para quem amo e eu me amo.
Desde que lembrei que não quero trazer dor para quem amo, ficou mais fácil exercitar essa autocompaixão. Ainda tropeço de vez em quando? É claro! Mas em tantas outras vezes eu lembro que está tudo bem, e digo para mim mesmo o que diria para minha melhor amiga: continue tentando, continue vivendo.
Exercício 2 — o que a raposa faria?
Em 2006, comecei um blog chamado Raposa Antropomórfica. Durante anos, foi o meu espaço de reflexões, partilhas e experimentos com a escrita. A figura da raposa representava para mim uma criatura ousada, poderosa, capaz de ir atrás do que quisesse. Em diversos textos, eu a contrastava com um outro lado meu, chamado de “o canceriano”, minha personalidade tímida, medrosa, reticente.
Graças a essa divisão de personalidade, eu conseguia imaginar como uma pessoa (ou raposa) desprovida dos medos e travas que tanto me paralisavam agiria nas situações em que eu me colocava. De forma prática, isso me sugeria cursos de ação possíveis.
Mais recentemente, como escritor, passei a me debater com a ideia de ter alguns de meus escritos reconhecidos por outras pessoas. Para ser mais específico, estou escrevendo uma novela com teor erótico e fiquei com vergonha de escrever sobre sexo. Foi quando decidi experimentar um pseudônimo. Com essa ideia, não é o Tales que será lido e julgado e avaliado, mas outra pessoa.
Essa outra pessoa é corajosa, do tipo que vai e faz. Essa outra pessoa diz sim para todas as situações que eu diria não. Essa outra pessoa é a raposa de outrora, agora com nome de gente. Protegido pela personalidade desta criatura mágica que só existe na minha imaginação, eu consigo agir.
E sabe o que é mais louco?
Meu medo de ser julgado e avaliado também existe só na minha imaginação, então estou enfrentando-o com a mesma ferramenta que o produz, fogo com fogo, ilusão com ilusão.
Esses exercícios demandam certa dose de fantasia e desprendimento. Se eu estiver muito preocupado em ser normal, é provável que os desconsidere, que ache que são bobagens, que pense que não vale a pena perder tempo com isso.
Meu convite aqui é que esqueçamos a normalidade e abracemos tudo aquilo que possa funcionar para criar vidas mais maravilhosas.
Vamos? ❤
Assinado: Tales, a raposa.