Escrevendo na Prática Parte 8: Planejando a Trama

Nano Fregonese
Ninho de Escritores
6 min readOct 27, 2016

Esse post faz parte da série “Escrevendo na Prática”. Clique aqui para ler o post anterior.

Com os personagens centrais da história criados e afinados com o tema, finalmente havia chegado a hora de arregaçar as mangas e planejar a minha trama.

Na minha opinião, essa é uma das etapas mais divertidas — mas também uma das mais complexas — de todo o processo de escrita.

Veja bem, se você conseguir realizar um planejamento bem completo, redondinho, com as arestas aparadas e que parece fluir naturalmente, depois fica muito mais fácil escrever. Praticamente basta preencher as lacunas.

Por outro lado, se o planejamento da estrutura for falho, você terá que fazer mudanças, remendos, edições. Terá que mudar capítulos de lugar, deletar cenas inteiras e reescrever outras.

Como eu tinha me dado um prazo curto para escrever Mortos-Vivos & Dragões, a última coisa que eu queria era me ver prezo em uma espiral de reescrita eterna. Então tive uma preocupação bem grande com essa etapa.

Vou explicar para você exatamente como eu fiz para, em pouco tempo, ter o rascunho da trama.

Antes de mais nada, vale ressaltar que os jogos-testes no cenário da história foram uma excelente ajuda. Eles me deram muitas ideias de caminhos narrativos, conflitos e dilemas que pude usar no livro. Sendo assim, eu já estava em certa vantagem.

Com certeza eu teria demorado mais tempo para concluir o projeto se não tivesse me dado aquela etapa de preparação.

Mas vamos ao planejamento de trama.

Caderno de rascunhos
Caderno de rascunhos

Eu começo dividindo a história em 3 Atos e, logo depois, determino os Pontos Principais da trama. Se você leu Como Escrever Um Livro: Personagem e Trama, então sabe bem do que estou falando.

Coloco esses pontos em uma grande linha do tempo geral, que diz respeito à história como um todo. Mas eu também crio uma linha do tempo para cada personagem principal, para conseguir visualizar a trajetória de cada um deles e ter certeza de que os acontecimentos estão conectados.

Gosto de fazer isso manualmente, no papel. Uso cadernos, folhas soltas ou então post its que colo na parede. Porém, sei que muitos outros autores preferem recursos tecnológicos, como o Scrivener e o Evernote.

Nada contra a tecnologia, muito pelo contrário. É que, pra mim, trabalhar com lápis, caneta e papel ajuda a soltar a criatividade. Passo para o computador um pouquinho mais adiante no processo.

Certo, Nano, mas diz pra mim quais foram os pontos de trama que você criou para a história.

Beleza. Vou tentar fazer isso sem dar (muitos) spoilers:

InícioMortos-Vivos & Dragões começa pouco antes da praga zumbi. Coloquei todos os personagens dentro de um mesmo cenário — a cidade de Martuk, capital do Reinado –, mas os personagens ainda não estão juntos como grupo. Eu achei que seria bacana mostrar um pouquinho de suas individualidades antes de uni-los. Detalhe: embora eu não cite zumbis logo no começo, o leitor consegue notar indícios de que algo estranho está acontecendo.

Incidente Incitante — Aqui já temos o problema aparecendo e acabando com o status quo daquele mundo. Os personagens são confrontados com a praga zumbi de diferentes maneiras e são obrigados a reagir.

Ponto Sem Retorno — Neste ponto é importante forçar os personagens adiante na trama. Eles não têm como voltar atrás. Como eu fiz isso em Mortos-Vivos & Dragões? Simples. Eu destruí o mundo deles. Se eles cruzassem os braços e se recusassem a seguir adiante eles morreriam. Havia zumbis esfomeados por todos os lados, as chamas tomavam Martuk, as pessoas se matavam nas ruas. O mundo que os personagens conheciam tinha acabado de ir pelo ralo… não dá pra não ser proativo em uma situação como essas. Foi aqui, nesse ponto, que o objetivo central ficou claro: sobreviver.

Note que cada personagem também tem uma necessidade, além do objetivo. Manara precisava sobreviver para compreender a praga, Gawrghonite precisava sobreviver para vencer a praga e Valentin precisava sobreviver para lidar com aquele novo mundo e achar seu papel nele.

Reviravolta — Acontece mais ou menos na metade da trama. Usei a reviravolta para estabelecer um fato novo que mudava a direção da história. Em uma visão mais geral, dá pra simplificar a reviravolta em Mortos-Vivos & Dragões como o momento em que o grupo de personagens se separa. Um olhar mais específico, no entanto, mostra que houve uma mudança diferente para cada personagem… para um deles, então, essa mudança foi absurdamente gigantesca.

Comprometimento com o Clímax — Aqui acontece o encaminhamento para o ato final. Os personagens precisaram tomar decisões, assumir compromissos e aceitar as consequências das decisões. É realmente difícil falar desse ponto da história sem dar um mega spoiler, mas dá pra dizer que cada personagem fez a decisão de ir para um local determinado (a Necrópole e a Ilha Draconar) para buscar o seu objetivo — e cada um deles sofreu um bocado por causa dessas decisões. Sofreu a ponto de acreditarmos que tudo estava perdido.

Clímax — Gosto de usar o Clímax bem pro final da história, para aumentar a tensão. Afinal, esse é o momento em que vamos descobrir se o personagem consegue o que quer. Em Mortos-Vivos & Dragões, cada um dos personagens teve direito ao seu próprio Clímax.

Este é outro ponto complicado, já que é necessário dar ao leitor aquilo que ele quer, mas nunca da maneira como ele espera.

Aqui o leitor deve ser capaz de olhar para trás e enxergar a trama como uma série de acontecimentos interconectados. Tudo o que rolou deve ter contribuído para esse momento específico (quando você chegar aqui no seu planejamento, encare como uma ótima oportunidade para rever toda a estrutura e conferir se ela faz sentido).

Final — Um último momento de respiro antes de encerrar o livro. O final serviu para mostrar o novo status quo do mundo e dar pistas do que os personagens fariam com suas vidas. Escolhi terminar Mortos-Vivos & Dragões com um capítulo do Valentin pois ele era quem melhor encarnava toda a essência da história.

E é isso.

Foi a partir desses rabiscos e de algumas linhas do tempo que desenvolvi o resto da trama. Uma vez que os pontos principais estavam determinados, tudo o que precisei fazer foi pensar nos capítulos que ligavam um ponto ao outro.

rabiscos para Mortos-Vivos & Dragões
Rabiscos para Mortos-Vivos & Dragões

O truque é pensar em um passo de cada vez.

Se você tentar imaginar todos os capítulos que levarão do Incidente Incitante ao Clímax, você vai surtar. Mas pensar em alguns capítulos que levam do Incidente ao Ponto Sem Retorno é muito mais fácil.

Lembre-se: escrever um livro é uma maratona.

Com esse pensamento em mente eu criei pequenos resumos para todos os capítulos do livro. Não foram todos de uma vez. Comecei com os capítulos do Ato I, depois revi tudo e criei os resumos dos capítulos da primeira parte do Ato II, depois fiz o mesmo com a segunda parte, até chegar ao final do livro.

É trabalhoso e exige foco. Mas é totalmente possível.

Quando finalmente concluí o planejamento, com todos os Pontos e todos os resumos de capítulos, aí sim foi hora de começar a escrever pra valer.

Mas isso fica pro próximo post! ;)

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Nano Fregonese
Ninho de Escritores

Escritor e Instrutor best-seller com + de 10 mil alunos. Falo sobre escrita, histórias e poder pessoal para criativos.