Escrita criativa (7): para escrever bem, escreva com intenção

Tales Gubes
Ninho de Escritores
5 min readJul 21, 2014

Eu sempre tive facilidade para escrever. Para um escritor, esse talvez seja o pior talento com o qual se possa nascer.

Ué, mas não é coisa boa sentar e escrever rios com a mesma leveza com que dormimos?

Não, não é, e sabe por quê? Porque o texto que sai fácil é um texto sobre o qual não gastamos nossas energias para torná-lo melhor, mais claro, mais conciso. Quando escrever é fácil, nos contentamos com os primeiros resultados porque eles já são acima da média.

Eu posso sentar agora e escrever por quinze minutos: tenho certeza que o meu texto sairá melhor do que o de uma larga parcela da população. Escrever com facilidade cria a ilusão de que isso é suficiente. Só que não é. A inspiração pode guiar bons textos de vez em quando, mas ela é limitada porque nem sempre estamos inspirados.

O artista não é aquele que produz uma obra excelente no calor do impulso, mas sim aquele que segue produzindo obras cujo nível de excelência é cada vez maior.

Como alguém que senta e escreve, produzo textos muito bons e textos muito ruins, geralmente sem conseguir distinguir a diferença. A prática aumenta o número de textos bons, é verdade, mas sentar e escrever não ajuda a aumentar o número de textos excelentes.

Para mudar isso, o jeito é escrever com intenção. Cada palavra deve ser escolhida porque ela é a melhor para dizer o que queremos expressar e para tocar quem desejamos alcançar.

É como em uma conversa: muitas vezes falamos e falamos sem acrescentar ao diálogo, apenas pelo desejo de colocar para fora ideias e sensações que estão nos consumindo. Isso costuma ser um sinal de desrespeito com quem está nos ouvindo. Afinal, se falamos sem parar e sem ordenar nossas ideias, é de se supor que o ouvinte é que deve perder tempo digerindo as informações. Ou seja, verborragias significam que nós achamos o nosso tempo (que gastaríamos organizando melhor as palavras) mais importante do que o tempo de quem nos ouve (a pessoa que se vire escolhendo o que é importante).

O mesmo vale para um texto. Precisaríamos de incontáveis vidas para ler tudo o que já foi escrito. Quando publicamos um texto confuso ou mal escrito, estamos roubando dos leitores a oportunidade de ler algo melhor.

Como oferecer a melhor experiência possível aos leitores? Escrevendo com intenção, o que acontece a partir de alguns cuidados.

O primeiro deles é saber quem é o leitor. “Ah, mas isso não é possível, escrevo para milhões de pessoas”. Novidade: nenhum texto e nenhuma fala atinge duas pessoas da mesma maneira. Cada pessoa tem um repertório cultural e uma habilidade diferente para entender o que está sendo lido.

Esperto é Stephen King, que escreve para a esposa. Enquanto cria, ele pensa “o que ela acharia desta cena?”. Se acredita que ela não gostaria, ele limpa. Ele pode perder leitores que sejam radicalmente diferentes dela? Pode, mas isso é melhor do que criar um Frankenstein que não se dirige a ninguém.

Cada leitor tem suas preocupações e interesses particulares. Um bom texto se dirigirá a atendê-los da melhor forma possível, mas isso jamais acontecerá se não sabermos a qual leitor estamos nos dirigindo.

Não sabe quem é o seu leitor? Gaste meia hora pensando nisso. Eu ontem à noite descobri para quem escrevo neste site: para mim mesmo, oito anos atrás, quando entrei no limbo da escrita. Escrevo para mim porque acredito que tenho tanto a aprender, e tinha tanto mais há oito anos, que outras pessoas também poderão achar úteis essas aprendizagens. Talvez outras pessoas não achem, e tudo bem, pois, como mencionei, um texto não tem como atender a todas as pessoas.

Agora que sabemos quem é nosso leitor ideal, precisamos decidir qual é o objetivo do texto. Um texto é uma unidade, algo pequeno e pontual, então convém que ele tenha um objetivo claro e definido. Se o leitor perceber esse objetivo desde o início, tanto melhor (não é por nada que a primeira dica para blogueiros é escrever uma introdução clara e cativante).

Quer escrever sobre muitas coisas? Faça um livro. Ainda assim, cada capítulo tratará de um aspecto específico, mesmo que todos referentes ao mesmo tema. Ou faça uma série de textos, um blog, as opções são infinitas. O que não pode, pelo bem do leitor, é escrever um texto monstrinho que tenta abraçar tudo sem conseguir tratar de nada.

O objetivo deste texto é discutir a importância de o escritor saber o que e por que está escrevendo. O leitor concordar ou não comigo é secundário: me interessa plantar uma pulguinha, sugerir uma questão. Se o leitor concordar comigo, legal. Se discordar, podemos conversar. O que não pode é passar indiferente, achar que “tanto faz”. Esse é o meu objetivo: provocar uma tomada de posição frente a uma questão.

Conhecido o leitor e decidido o objetivo, devemos nos perguntar se é importante o que temos a escrever. Às vezes é algo que não fará a menor diferença na vida de ninguém, daí cabe a dúvida: temos que convidar o leitor a perder tempo com nosso texto?

Como escritores, nós negociamos algo muito importante para todo mundo: o tempo. Ao escrever e publicar um texto, estamos dizendo que acreditamos que esse pedaço de arte vale o esforço da leitura. Do contrário, teríamos guardado em uma gaveta.

Um leitor, ao pegar um livro ou abrir um post em um blog, oferece seu tempo para ler, interpretar e pensar sobre algo. Como leitor, eu estou apaixonado pelo escritor Ian McEwan, que já conseguiu me prender do início ao fim em dois livros. Leio ele de novo porque ele tem um saldo positivo. O mesmo vale para os sites que acompanho na internet.

Porém, se os próximos dois ou três livros ou posts que eu ler forem ruins, vou repensar o investimento de tempo nestes escritores.

Como escritor de blog, já postei inúmeras vezes apenas para manter um ritmo de produção. Nesses casos, teria sido melhor o silêncio do que gastar o tempo dos leitores oferecendo algo sem valor.

Então sabemos para quem estamos escrevendo, decidimos sobre o que escrever e acreditamos que é importante. O próximo passo é planejar. Uma mesma ideia pode ser apresentada de infinitas formas.

Se é parte de nossa intenção escrever de maneira clara, devemos primeiro organizar as ideias, imaginar tudo o que gostaríamos de escrever a respeito, mapear o assunto a ser tratado. O mesmo vale para a escrita de ficção, em que pensamos as cenas e suas decorrências para entender o todo.

O trabalho de decifrar um texto deve ser facilitado ao máximo para o leitor. Isso implica em construir uma lógica para a leitura, em fornecer ao leitor um caminho que ele possa seguir enquanto atravessa o texto. Esse caminho não deve ser tomado por obstáculos, mas sim auxiliado.

Nesse ponto, conhecer o leitor para o qual escrevemos ajuda a antecipar as dúvidas e os questionamentos que podem surgir na leitura.

Quando finalmente começamos a escrever, já temos um esqueleto do que o texto se tornará. Isso auxilia a nos mantermos dentro do que queremos dizer e a evitar construções textuais que não favoreçam a compreensão do leitor.

Escrever com intenção é, acima de tudo, um ato de respeito com o leitor.

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Gostou? Tem algum tema sobre o qual gostaria de ler ou conversar? Comente, pergunte, se envolva.

Obrigado!

Originally published at talesgubes.com on July 21, 2014.

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Tales Gubes
Ninho de Escritores

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.