Maria do socorro Vieira Freire
Ninho de Escritores
5 min readOct 25, 2020

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GALOCHA AMARELA.

O clarão dos raios cortava o céu feito uma tira fina de luz, assustando-me completamente, o vento ecoava lá fora fazendo um barulho retumbante nos galhos das arvores, sacudindo o frágil telhado levantando as beiradas, dando a impressão que a qualquer momento ele saia voando e isso me apavorava, trovões estrondosos tiravam meu sossego dentro da pequena cabana improvisada no meio do nada, no meio da mata virgem onde ninguém podia imaginar que alguém pudesse chegar ali, uma tempestade avassaladora começou a cair sem precedentes no fim da tarde, justamente nesse fim de tarde, que nós nos encontraríamos, em nosso esconderijo secreto.

Fugir mesmo que por poucas horas, desses fatigantes casamentos era preciso para nós dois, que culpa teríamos se nos apaixonamos perdidamente?

Cada minuto que passava meu coração se comprimia. __. Cadê você? __O que aconteceu? __. Será se conseguiria chegar? Essas eram as perguntas que minha mente castigada, culpada fazia toda hora, com esse aguaceiro todo, enxurradas levando tudo embora varrendo o mundo, só não conseguia varrer meu amor por você, isso já parecia doentio, tinha que te ver. Através das brechas da minúscula janela olhava o mundo lá fora, a lama descia ladeira abaixo com força violenta dominando tudo que estivesse à sua frente. __. Será que você ia conseguir chegar? Andei de um lado para outro dentro do pequeno e quadrado espaço, sentia-me sufocado.

Mais uma vez olhei no visor do celular o sinal se fora, agora só restava esperar, e rezar para que nada de muito ruim tivesse acontecido com Laura, minha Laura, que não era somente minha, mas…. Um dia quem sabe…

Em círculo fiquei andando de um lado para outro, esperando que a tempestade diminuísse, mais parece que ela ouvia o desejo do meu coração e a cada minuto aumentava, os pingos caindo no telhado mais pareciam uma enxurrada caindo do céu. Deve ter rasgado alguma corrente de agua lá em cima justamente aqui em na minha cabana, pensei comigo e ri do meu próprio pensamento infantil.

__Laura cadê você! Gritei dentro de mim. __ como vou saber onde você está? Os segundos se arrastavam parecendo horas, voltei no passado lembrando do dia que conheci Laura a garota mais bonita da faculdade, nós dois estávamos de casamentos marcados, Laura com Rony um playboy dos infernos rico mentido a grã-fino e eu com Mônica minha namorada desde meus quinze anos, talvez tivéssemos contados para os dois o que haveria acontecido desde o nosso primeiro e maravilhoso encontro, mais não tivemos coragem, fomos levando empurrando com a barriga. Com a ideia e as terras do seu pai, Laura me ajudou a construir nosso esconderijo dos fins de tarde, mais precisamente as sextas feiras quando o nosso expediente termina mais cedo, e temos um tempo não tão grande para ficarmos juntos, mais o suficiente para matar nossa saudade da semana toda. Lembrei-me do dia que me casei com Mônica e isso me arrancou arrepios, Laura estava lá na igreja, sendo minha madrinha de cerimonia, estava linda em seu vestido verde floresta, tive que fazer um grande esforço para dizer sim, em vez de não, e sair dali correndo, carregando Laura comigo. Quando ela se casou também não foi diferente, estava eu lá de padrinho, e ouvi ela dizer sim para aquele catita do Rony, dias terríveis, não mais pior do que agora, essa agonia no meu peito, essa aflição, Laura não chega, nosso tempo se acaba e quando vou poder te ver de novo? No canto do meu mudinho quadrado a única coisa que me resta, além da nossa cama feita de edredons acolchoados forrados no chão, é a galocha amarela que eu ando por porto da cabana sempre que chego antes de Laura e fico a sua espera, calço esta dando voltas por fora, aproveitando esses minutos para varrer em volta do nosso ninho de amor. Depois que ela chega a única coisa que temos tempo de fazer é de saciar nossos desejos reprimidos.

Mais uma vez olhei a tempestade lá fora, o vento continuava assoviando, cantando música sombria, o mundo estava todo cinzento. __. Não dava mais… __. Vou te encontrar Laura, esteja onde estiver.

Calcei a galocha amarela e sai para fora enfrentando a forte chuva, de carro não tinha como subir o morro, tinha que ser andando mesmo, lembrei-me do guarda-chuva gigante que eu carrego dentro do porta mala, e fui pegar, mais até aí, já estava todo encharcado, minha galocha já não estava tão amarela, tinha cor de lama, mais eu ia encontrar Laura, tinha certeza que ela estava por perto, meu coração não mentia para mim…. Não hoje…

Enfrentando a enxurrada, vindo ao meu encontro, descendo violentamente, subi a ladeira andando pela trilha feita a força por nós, com nossos carros, fazendo uma estradinha que somente um veículo circulava por vez, dois seriam impossíveis. A água caindo do céu fazia um barulho forte nas abas do meu protetor, era aterrorizante, mais não maior do que o medo de perder meu grande amor, minha paixão doentia, reprimida, contida, vagabunda, minha alegria dos fins de semana.

Meus pensamentos se misturavam entre medo e ansiedade, tinha que te encontrar, a cada relâmpago e cada trovão meu coração pulava, chegando pertinho da boca, pronto para pular no chão e descer junto com a enxurrada, mais eu respirava fundo tentando colocar –lo no seu devido lugar. Era mais de uma hora de caminhada até chegar a BR, até lá teria que encontrar Laura. Aliviei-me quando de longe avistei seu carro parado no meio do lamaçal, graças…. Aumentei o passo, agora era só mais alguns minutos para encontrar-te. De longe já pude perceber o pneu atolado em uma cratera feita pela descida forte da água.

__Laura! Laura! Gritei assim que cheguei perto do carro, tudo embaçado não via o que tinha lá dentro, toquei no vidro, toc, toc, não houve nem um sinal, bati de novo com mais força então vi a flanela passado por dentro limpando o vidro turvo.

Abre! Falei, lá de fora fazendo gesto.

Laura destravou as portas, tirei a galocha amarela, enlameada, deixando-a no meio da lama e cai nos braços dela, beijando-a, apalpando-a, acalmando meu coração.

Laura estava ali, sequei suas lagrimas, massageei seu corpo, e nos entregamos ao nosso momento. __ O que seria de nós…Só Deus sabe…

Socorro Freire

25/10/2020

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