Lady Supernova

Paola
Ninho de Escritores
4 min readOct 20, 2020

[Nível de oxigênio Normal: 87%]

Miriad fazia as checagens de rotina no sistema da nave. Rota estabilizada. Sistemas online. Comunicação estável.

Já estava viajando sozinha há 4 dias terrestres, mas que pareciam uma eternidade, tamanha sua ansiedade de chegar a EEE 101N (Estação Espacial de Eventos 101N) e poder realizar seu sonho de toda sua adolescência, ir a um show da cantora mais icônica da galáxia: Lady Supernova!

Passava o tempo dentro da nave assistindo os holoclipes da cantora e relendo tudo sobre ela, embora já soubesse de todos os detalhes de sua ídola, como por exemplo: Seu primeiro show foi em um festival de rock em Marte, sobre sua coleção de guitarras antigas do século 80 e que as cores escolhidas para seus cabelos em razão do grande show, foram o rosa com púrpura e dourado.

Faltavam mais 2 dias para chegar, e todas as suas unhas já estavam roídas.

[Nível de oxigênio Irregular: 75%]

Aviso vermelho piscando. Apreensão.

Em segundos o rosto irritado de sua mãe e o semblante impassível do pai apareceram no monitor.

- Eu sabia que eu estava certa! Eu disse para seu pai que não era uma boa ideia deixar você viajar sozinha!

- Depois nós conversamos Gliese, agora não é hora. Miriad, me manda o diagnóstico do computador de bordo, vou dar uma olhada. Enquanto isso, sua mãe vai tentar encontrar uma nave de manutenção por perto, ok?

- Tá bom pai, não deve ser nada muito complicado.

- Isso, fica calma filha. Vai dar tudo certo.

- Eu tô calma pai!

Ela realmente estava calma. A excitação de finalmente poder conhecer a Lady Supernova era maior do que qualquer contratempo.

[Nível de oxigênio Baixo: 40%]

Miriad começou a pensar na possibilidade de o problema ser maior do que pensava. Mas se sentiu aliviada quando seus pais a chamaram novamente pelo monitor.

- Filha, não encontramos nenhuma nave de manutenção por perto. A mais próxima havia ido atender outro chamado.

- E agora?!

Quando pensava que não poderia ficar pior, sua mãe surge no monitor.

- E agora?! Eu te disse que essa rota era muito isolada! Mas você e seu pai me ouviram? Claro que não!

- Eu cuido disso Gliese.

- Pai, não daria tempo de chegar à EEE antes que o nível fique crítico?

- Não — uma gota de suor escorregou na testa — Fiz os cálculos e não daria tempo de chegar até lá, e nem para voltar. Por isso precisamos resolver isso o mais rápido possível, filha. Você vai ter que ir lá fora!

Miriad empalideceu. Ela não tinha medo nem dos ratos de 4 olhos que moravam nos encanamentos da antiga Estação Espacial de treinamento. Mas ela tinha pavor de caminhadas espaciais.

Desde quando tirara sua licença para pilotar naves domésticas, entrava em pânico durante os treinamentos de atividades extra-veiculares. Pensava em tudo que poderia dar errado, e em como qualquer pequeno erro poderia ser fatal. Sua pele arrepiava apenas de pensar.

Coração disparado. Garganta seca.

- Não tem outra solução pai?

- Infelizmente não, o problema está no módulo 03. Ele apresenta uma falha no filtro de oxigênio e isso compromete toda a distribuição da nave. Você vai precisar selar a escotilha do módulo e desconectá-lo da nave, mas isso só pode ser feito por fora. Com isso o sistema de oxigênio volta a operar dentro do normal e vai dar tempo de chegar à EEE antes que caia mais. Depois damos um jeito.

- Mas minhas malas estão no módulo 03!

Pelo silêncio reprovador que seu pai fez, ela preferiu esquecer das malas.

- Mas você precisa fazer isso agora! Estou te mandando tudo que você precisa fazer, é bem simples. Você consegue filha, eu sei que consegue!

- Tá…tá bom.

Ela desligou e ficou olhando para o arquivo de procedimento que apareceu no monitor. Realmente parecia algo simples. Mas o que não era tão simples, seria a coragem que ela precisava encontrar para sair da nave. Mesmo diante da urgência da situação, ela se sentia congelada pelo medo.

[Nível de oxigênio Crítico: 18%]

Desespero.

Chegou a conclusão de que não tinha escolha. Poderia morrer lá fora ou sufocada e sozinha ali dentro da nave. E nunca veria um show da Lady Supernova. Precisava arriscar.

Vestiu o traje espacial com dificuldades devido ao tremor de suas mãos, passou pela despressurização e travou o gancho do cabo de segurança. Após conferir todos os procedimentos, saiu da nave. Foi se agarrando aos pequenos suportes externos, até que encontrou o pequeno painel onde continha os controles manuais dos módulos. Colocou sua senha, e ao abrir, um curto circuito a assustou e a repeliu.

Silêncio.

Aflita, se deu conta de que estava se afastando da nave. E logo parou com um tranco, quando chegou ao limite da extensão do cabo de segurança. Tentou recuperar o controle sobre si, e começou a se puxar de volta. Porém, para seu desespero, percebeu que a porta da escotilha estava fechando sozinha, talvez devido ao curto circuito, e com isso, o cabo se rompeu. Por segundos, nada passou pela sua cabeça.

Apenas a certeza de que iria morrer.

O oxigênio do traje, bem limitado, também estava acabando. Mas ela não conseguia evitar a respiração carregada enquanto via a nave ficando cada vez mais longe.

Flutuando na escuridão.

Um sono acolhedor tomando conta de seus olhos.

E as estrelas ficando cada vez mais opacas, até se apagarem.

- Ei, você está bem?!

Ela ouvia vozes indistintas e confusas.

Conseguia sentir mãos desconhecidas retirando seu capacete e colocando um respirador em seu rosto.

Seus pulmões tinham ar novamente.

- Você teve sorte garota! Se nós não estivéssemos passando por perto exatamente neste momento…

Ela conseguiu, aos poucos, abrir os olhos.

Achou que estava sonhando quando vislumbrou alguém ao seu lado com cabelos coloridos.

Rosa com púrpura e dourado.

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