Medo de assombração

Luciana Torreão
Ninho de Escritores
2 min readMay 27, 2021
Foto: Unplash

Faltava meia hora para meia-noite. Era sexta-feira, noite de superlua, que estava escondida por entre o nevoeiro. Ele vinha andando a passos largos. Estava sozinho, ainda faltavam alguns quilômetros pra chegar em casa. Havia saído apressado da taverna. Perdeu a hora e a última condução. As ruas estavam escuras. Postes com pouca iluminação.

Estava passando perto do antigo cemitério, quando olhou para trás, e sentiu um cheiro incompreensível de queimado, era como se alguém estivesse lhe seguindo. Não viu ninguém, acelerou o passo. Tinha medo de assombração. Atravessou a encruzilhada, avistou velas e oferendas. Ofegante, sentiu calafrios. De supetão, levou um susto, um gato preto atravessou seu caminho. Saiu correndo, tinha pouco tempo para chegar.

No caminho, cães olharam para ele e dispararam. As mãos começaram a doer, muita tensão. O suor lavava seu rosto. Precisava chegar ao casarão enquanto era tempo. Já estava pálido. Olhou para trás de novo, pensou ter visto alguém com um sobretudo escuro. Tentava andar mais rápido, não conseguia, o corpo começava a lutar contra o tempo.

Diziam que era perigoso andar pelas ruas da cidade em noite de Lua Cheia. Ouvia-se muitas lendas. Continuou, apressadamente. Perdera a hora. Era dia de chegar mais cedo. Não tinha muito tempo. Lá ao longe, viu um homem vestindo paletó e chapéu branco, achou estranho, pois não havia um pé de pessoa na rua, somente aquele homem com olhar matreiro. Seu rosto estava lívido. No outro quarteirão, passou por ele um negro velho fumando cachimbo e o fitou com olhar sinistro. Seu corpo tremia cada vez mais.

Chegando perto de casa, saiu por entre as árvores uma mulher de longas madeixas e flores no cabelo, apavorou-se. Não entendia o que estava acontecendo. Estaria alucinando? Coração acelerado, corria estropiado. Alcançou o portão de casa, trancou as portas, subiu as escadas, foi para o sótão. Fechou a grade, passou as correntes e o cadeado, faltavam cinco minutos para meia noite.

Por uma brecha na parede um lume da Lua atravessara o ambiente. Chegou a tempo, que sufoco! Um lufar de vento fechou as janelas ao longe, fortuitamente. Por trás das grades, suas roupas rasgaram-se, as dores nas articulações foram aumentando, curvou-se, caiu de quatro, deu um grito… A Lua saiu majestosa.

Houve um apagar de luzes quase que simultâneo na vizinhança… Joelhos ao chão, velas acessas, mãos se cruzaram e as rezas começaram pelo vilarejo. O medo tomou conta dos aldeões. Um uivo estarrecedor ecoou noite adentro. Os cães começaram a ladrar e uivar em uníssono.

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Luciana Torreão
Ninho de Escritores

Jornalista, escritora recifense. Coautora da coletânea “Gradiente” e integrante do @vozesdaescrita. Taurina genuína, misturo sabores e palavras em prosa e verso