O expurgo

Acordou de sobressalto no meio da noite.

Assustado, não reconheceu seu quarto. Seu quarto estava diferente. Parecia menor.

A sensação que veio depois foi ainda mais devastadora, uma sensação de sufocamento. Olhou para as paredes e elas pareciam estar encolhendo. Apertou os olhos com força e os abriu de supetão.

Não, não estava sonhando!

Sentiu os pés para fora da cama. Ah, não! A cama também estava encolhendo!

O ar começou-lhe a faltar!

Tumtumtumtumtumtum…o coração engatou um ritmo desenfreado, que juntou-se àquela sinfonia de paredes encolhendo…tarátarátará e pés da cama se arrastando num som irritante, o móvel se contraía como se quisesse expulsar um feto.

A cama encolheu um pouco mais e agora, toda a parte abaixo do joelho ficava para fora dela. As paredes quase coladas à cama.

A falta de ar agora gritava!

Olhou para a porta. Era a única parte do quarto que permanecia imóvel. Estava entreaberta e deixava escapar para dentro do ambiente um pequeno facho de luz vindo de fora. Do pavor dos olhos dele escapava um grito mudo que não o deixava mover um músculo sequer. Continuou deitado esperando o inevitável. Seria engolido por aquele ambiente. Foi quando todo o quarto estremeceu ao solavanco de mais uma aproximação das paredes e o pequeno quadro, com motivos de margaridas, que ficava pendurado na parede acima da cabeceira da cama, caiu em sua cabeça. Sentiu um pequeno corte acima da sobrancelha direita. Um filete de sangue embaçou-lhe a visão.

“Saia daí!”, uma voz despejou em sua mente uma ordem de sobrevivência.

Num ímpeto de coragem, rolou na cama, jogou-se no chão e, apavorado, começou a se arrastar para a saída, no mínimo espaço entre a sua cama e a parede do lado esquerdo do quarto, em direção à luz que vinha do lado de fora… Um arrastar-tartaruga quase paralisante, era o mais rápido que o pavor que invadia seu corpo permitia levá-lo em sua odisseia para fora do ambiente que o expulsava numa explosão frenética de sons e emoções.

Num esforço enorme, arrastando-se pelos cotovelos, conseguiu chegar até a porta. A claridade agora já iluminava seu rosto.

Já tinha atravessado mais da metade do corpo quando deu uma última olhada para o seu quarto, que junto com os móveis pressionados pelas paredes parecia um objeto amorfo.

Num esforço sobre-humano conseguiu agarrar-se nas laterais da porta e colocar seu corpo de pé.

Foi então que teve a consciência de que estava sentado na cama. Olhou em volta e tudo estava calmo: a cama, a mesa-de-cabeceira do lado direito, o quadro com motivos de margaridas pendurado na parede colada à cabeceira da cama, não estava nem um milímetro para a direita ou para a esquerda, seguia em em sua imobilidade retilínea junto à parede, cumprindo sua estética.

Silêncio!

Naquele momento percebeu, que o medo que o acompanhara há anos, havia sumido pelo facho de luz que vinha da porta entreaberta de seu quarto.

--

--