O Fundo do Poço

— Então foi pra isso que pediu para que eu viesse, Soraia? Você acha mesmo que vai dar certo, minha irmã? Acha mesmo que não está se precipitando?

Nanda não escondia o quanto estava preocupada com a irmã, já não tinha mais unhas de tanto que roía, enquanto atentamente escutava, bebericava o chá de maçã com canela que a irmã servira.

Soraia, pensativa, ajeitou os longos cabelos atrás da orelha enquanto encontrava as palavras certa para convencer a irmã (que sempre foi fiel ao casamento) à ajuda-la.

‒Ele ainda não saiu de casa. Pra todos os efeitos você ainda é uma mulher casada. Entre com um advogado e faça tudo pelos caminhos legais. Não tem porquê Elton forçá-la a viver com ele.

–Ele não saiu ainda porque não quis, cansei de fazer as malas, não quero mais viver com esse bêbado. –disse Soraia, enquanto uma lágrima teimava em rolar.

Preciso aproveitar que as crianças estão passando as férias na chácara da avó. É difícil pra mim tomar essa atitude quando as crianças estão em casa.

E Carlos…ah, Carlos! Estou tão apaixonada! Ele é o oposto de Elton. Se você soubesse o quanto ele é carinhoso, o quanto ele me mima. Entenda, que não estou fazendo uma troca, e sim uma escolha. Escolho Carlos e viveremos felizes pra sempre.

–Você vai largar o pai dos teus filhos pra ir embora com um homem casado. Não faça isso! Você não vê que não passa apenas de uma amante? Sabe-se lá quantas outras como você ele já não teve ou ainda tem? Como pode acreditar que é a única? ‒Nanda argumentava. Estava achando-a uma adolescente apaixonada, inconsequente.

‒Não fale assim! Nada lhe dá o direito de me rotular como amante. Eu e Carlos nos amamos e eu sei que ele não é feliz com aquela mulherzinha. Eu não estou feliz com Elton e nem ele com ela. Tudo está a nosso favor! Só preciso me livrar desse bêbado na minha vida.

‒Você me chamou aqui, então vou te falar o que acho. Você está cega, isso sim! Quanto tempo faz que está saindo com Carlos? Quase dois anos, não é? Você realmente acha que ele quer ou irá largar a família pra ficar com você? Como pode ser tão imatura! O que o amor não faz, não é mesmo!

E o que pretende, caso ele resolva mesmo recomeçar a vida com você, vai largar tudo? ‒Nanda tentou se acalmar. Afinal, foi chamada para ajudar a irmã e não a julgar –pensava, enquanto tomava o último gole de chá e beliscava umas torradas.

‒Que tudo é esse que você está falando? Não tenho nada, e também não exijo nada de Carlos. Como disse a ele, basta um cômodo com uma cama para nos amarmos e um fogão pra eu fazer comidinhas gostosas pra ele, do resto posso ir me ajeitando. Mesmo sabendo que ele é um empresário de sucesso, nada do que é dele me interessa. Sei que pra ele pode não ser tão simples ou fácil largar a família, mas não importa. Espero um pouco mais pra que fique inteiro só pra mim.

Até que esse casamento durou bastante. Dez anos! Já deu o que tinha que dar. Há quatro anos que tento me livrar dele. Pra mim, chega!

Só preciso de uma semana pra procurar um lugar digno de viver com meu amor e aproveitar que as crianças não estão. Vão acostumar com essa separação.

Por favor, minha irmã, procure Carlos. Disse que não o importunaria, mas ele não atende minhas ligações! Já faz cinco dias que não consigo falar com ele, nunca ficamos tanto tempo assim sem nos ver. Sei onde ele mora e o endereço da empresa. Procure-o. Use de sua verve para dizer que o espero no lugar de sempre, só dizer o horário.

Você não notou como Elton anda diferente, Nanda? Certamente está desconfiado, e eu já não sei mais o que faço. Não quero que ele descubra antes de nos separarmos, não sei do que ele seria capaz. No mínimo tiraria a paz que me resta.

‒Vou fazer o que está me pedindo e aproveito para conhecer esse cara que mexeu tanto com seu juízo. Amanhã mesmo ao final do dia lhe trago notícias. Esse casamento já se desgastou mesmo. Se tiver alguma coisa que eu possa fazer por você, certamente farei.

Soraia acompanhou Nanda até o portão e despediram-se carinhosamente, entrando em seguida direto no banheiro para refrescar-se com uma ducha e depois prepara o jantar simples para o marido, pois, já não tinha vontade em agradá-lo em nada.

Não demorou muito, até que Elton entrasse chutando a porta e quebrando tudo!

Soraia não quis discutir com ele naquela noite. Sabia que faltava pouco pra se ver livre daquele casamento insuportável e foi dormir no quarto das crianças, levando consigo o celular a espera de um sinal de Carlos.

As 23:45 min recebeu uma mensagem. Era Nanda. Suas palavras a cegaram. Precisou limpar os olhos para ter certeza do que lia.

“Minha irmã! Como eu suspeitava! Homens são todos iguais. Não aguentei em esperar até amanhã e dei um jeito de sair e procurar seu querido Carlos! Não foi tão difícil! Mas sei porque você tentou e não conseguiu. Essas foram as palavras dele: disse que não largaria a família dele por ninguém, e que nunca lhe prometeu nada, mas que certamente você é uma mulher maravilhosa que ele tem muito carinho. A esposa, está inquieta e desconfiada, por isso ele resolveu dar um tempo com você, mas assim que puder poderá reencontrá-la para conversarem.”

Pela manhã, estranhando a ausência da esposa, apressada, preparando o café, que sempre fazia antes de sair ao trabalho, tentou chama-la, arrebentou a porta do quarto em que ela dormia e o susto! Comprimidos espalhados pelo chão e Soraia caída no fundo do poço.