Quando a tormenta amansa

Rene Spoladore
Ninho de Escritores
3 min readFeb 16, 2021
Foto por Pixabay

A tormenta desapareceu da mesma forma que surgiu. Não demorou muito até as nuvens se dissiparem e um arco-íris traçar seu desenho pelo céu limpo. O redemoinho perdia sua força, mas ainda assim era feroz. O mar e o arco-íris pareciam zombar dela.

Odessa, a capitã do navio, guardou aquela imagem em seus últimos momentos e por mais que fosse a última imagem que veria, sentiu no peito uma espécie de felicidade. Não sabia o motivo daquela sensação, mas era agradável. Não havia sinal da besta alada e sua tripulação aceitara bem o que o destino lhes reservou. Com orgulho nos olhos ela viu seu navio, o Flecha dos Mares, correr cada vez mais rápido para o epicentro do redemoinho. Ele não perderia força até engoli-los por inteiro, disso ela tinha certeza.

Odessa guardou seu sabre na bainha e recolheu seu chapéu do chão. Caminhou calmamente até o leme, que fora avariado durante o embate. Sentia o calor dos canhões e o cheiro de sangue, suor e brasas. Seus pés a levavam por aquele caminho tão conhecido através do convés, a capitã tocou o ombro de um marujo apoiado na borda-falsa e ele devolveu o sorriso enquanto limpava a tez suada. Aquelas pessoas eram mais valentes do que aparentavam e provaram à ela que não temiam nem mesmo a morte certa.

Os degraus da escada que levavam até seu posto rangeram e em frente ao leme Odessa viu Wylie, seu imediato.

- Fizemos o que era certo, capitã?

- Sinto que sim — sua voz era distante, Odessa pensava apenas em guardar os rostos de cada uma daquelas pessoas que a serviram com tanta dedicação e lealdade.

- Acha que o povo verá o dragão de novo?

- Não sei, mas roubamos a gema que lhe concedia poder, agora ela afundará conosco — Odessa tirou a pequena gema azul de seu colete e olhou o céu através daquele belo cristal.

Wylie conseguia entender a calma que Odessa trazia, por mais que fossem piratas ela sempre carregava um senso de justiça inabalável e fora esse senso que a fez aceitar a missão que o rei lhe dera. Ganharam o perdão da corte e não fariam uso dele, mas havia a redenção de uma vida de assassinatos e pilhagem.

O mundo não passaria por mais uma era draconiana e respiraria um pouco mais aliviado e ela sabia que seus tripulantes foram os responsáveis, isso a enchia de orgulho.

Odessa segurou o leme e observou seus companheiros pela última vez. Sacou a espada e a ergueu em um grito de vitória. Todos responderam em uníssono. Um único grito dado por dezenas de valentes pessoas, pessoas as quais Odessa não trocaria nem por todo o ouro do mundo. O grito ecoou pela vastidão que mais se assemelhava a um enorme tecido de seda cor de cobalto.

O mar e o arco-íris assistiram ao Flecha dos Mares sumir aos poucos. O adorno de proa, um arqueiro com o arco e a flecha em riste, mergulhando primeiro e então o navio fora engolido pela água sendo despedaçado à medida que tocava o centro do redemoinho. Antes de sumir para sempre, Odessa viu o dragão emergindo das profundas águas do mar leste e a felicidade que carregava se destroçou junto com o navio e seu coração ficou apertado no peito. A capitã apertou a gema no punho e lágrimas riscaram suas bochechas. Ao menos não tem seu poder, pensou melancólica.

O mar e o arco-íris zombavam dela e de sua tripulação.

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