Quatro noites

Ana Paula Vilela
Ninho de Escritores
2 min readOct 3, 2020
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-Hoje não.

Ah, esfriou de repente, dia de ficar em casa com um livro. Tô cansada, não tô com cabeça. Já que volta a esquentar e aí vamos, tá?

-Oi! Não, não, hoje não vou, me desculpa. Eu sei, tá 29 graus, tô morrendo de calor aqui também. Mas até por isso, ruim ir assim. Me deixa hoje, por favor Amélia. Tive um dia difícil.

-Bom dia! Hoje vai hem. Trouxe a roupa, saio daqui e nos encontramos lá, ok?

Ai, você não acredita. Pessoal me chamou aqui, vai rolar uma cervejinha. Eu sei, eu sei, mas preciso socializar um pouco também né, Amélia? Amanhã, prometo.

-Você não sabe, hoje trouxe tudinho, nem tirei da mochila né, que já ficou de ontem. Sim, sim, tô de ressaca, mas não é isso não. Fui me trocar agora e a meia, Amélia, a meia tá furada.

E daí? Como assim e daí? Como eu vou sair daqui com a meia furada? Eu sei, eu sei, dentro do tênis, ninguém vai ver e se ver também, ninguém tem nada com a minha vida. Mas eu vou saber, eu vou sentir o buraco em cada pisada, não vou ficar em paz. E você sabe, para correr precisa de paz, Amélia. Clima bom, roupa certa, playlist criada, tênis ajustado e, claro, uma meia decente. Sim, também o ideal é que a lua seja crescente e mercúrio esteja alinhado. Boba, não tô enrolando, juro. Nem para te ver, nem para correr. Mas é que, sabe? Amanhã vai dar certo, eu prometo.

-Besta, recebi. Previsão do tempo, calendário lunar, horóscopo do dia e a meia. Nildinha da portaria deixou aqui hoje cedo. Você não existe. Tá bom, a gente se encontra. Tô com saudade.

Cadê você? Como assim já foi? Mas eu só atrasei uma horinha, poxa, custava me esperar… deu problema no trabalho.

Sim Oli, custava. Quatro noites, quatro ligações, quatro desculpas e dez reais em uma meia. Sem furo.

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