Seis passos para começar o hábito da escrita

Tales Gubes
Ninho de Escritores
7 min readFeb 4, 2017

Os dois maiores desafios enfrentados por escritores são achar tempo para escrever e ter disciplina para escrever, de acordo com uma pesquisa contínua realizada com assinantes da newsletter do Ninho de Escritores.

As duas demandas passam pela mesma pergunta: como criar o hábito da escrita?

Tenho empreendido essa investigação desde que criei o Ninho. Afinal, todas as pessoas que passaram pelos encontros, cursos e consultorias comigo indicaram essa mesma dificuldade. Elas querem escrever, têm muitas ideias, mas no dia a dia terminam sempre se enrolando e deixando a arte para depois.

Acredito que a maior parte dos escritores que alcançam sucesso não o fazem por qualidade de escrita, mas sim porque de fato escreveram alguma coisa e persistiram escrevendo, mostrando às pessoas seu trabalho, colhendo impressões e escrevendo ainda mais.

Ou seja: o tal do hábito é um fator importante para quem quer ser profissional ou busca reconhecimento.

O poder do hábito

Em julho de 2015, publiquei Como criar o hábito da escrita, onde reuni o que havia testado e aprendido no Ninho de Escritores com relação ao desenvolvimento da prática contínua da escrita.

No início de 2017, li O poder do hábito, por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios, de Charles Duhigg. Neste livro, o autor diz que somos criaturas de hábito e que, para economizar energia, elaboramos padrões inconscientes de reações a determinadas situações. Esses padrões evitam que precisemos reavaliar situações familiares o tempo inteiro.

Esses padrões são nossos hábitos.

O ciclo do hábito é composto por três etapas: deixa, rotina e recompensa.

Vou usar meu hábito de banho para explicar como esse modelo funciona. Entro no banheiro com a roupa que vou vestir depois, fico nu, entro no box, abro o chuveiro, molho todo o corpo, incluindo o cabelo, passo shampoo, enxáguo a cabeça, passo condicionador, passo sabonete, enxáguo a cabeça e o corpo, termino o banho.

A deixa é o que me leva a iniciar essa sequência programada de ações. Em geral, há três situações que me levam direto para o banho: quando vou sair de casa e ainda não me lavei, antes de almoçar e quando me sinto sujo. Qualquer uma dessas situações vai me levar ao banho, durante o qual não preciso pensar no que estou fazendo. É o oposto da atenção plena (ou mindfulness, para quem curte inglês). Simplesmente entro no banheiro e já sigo todos os passos automaticamente. A rotina é a sequência de ações propriamente dita. No caso do banho, cada ação serve de deixa para a ação seguinte. Enxaguar o shampoo é a deixa para passar o condicionador, que só então é a deixa para passar o sabonete. A recompensa é o que eu ganho com todo esse processo: a sensação de que meu corpo está limpo, cheiroso e pronto pro mundo lá fora.

Todo hábito possui uma deixa, aquilo que o ativa.

Todo hábito é formado por uma rotina, aquilo que nós fazemos convencionalmente.

Todo hábito resulta em uma recompensa, aquilo que justifica o processo inteiro.

O poder do hábito me ofereceu uma matriz apropriada para pensar a estrutura dos hábitos. Agora eu consigo quebrar o hábito em suas três partes e refletir sobre como alterá-las.

No meu banho, por exemplo, decidi acrescentar uma rotina de limpeza facial. O primeiro passo foi localizar uma recompensa apropriada: eu me sinto ainda mais limpo quando lavo o rosto. Excelente, com a motivação definida, passei a procurar um momento na rotina onde pudesse encaixar o sabonete facial. Limpar o rosto implica ficar sem enxergar até o enxágue, então decidi colocar a lavagem do rosto próxima ao enxágue final. Condicionador, corpo, e agora rosto. Terminar de passar o sabonete ou gel de banho passou a ser a deixa para lavar o rosto.

Repare que não criei um hábito novo. O que fiz foi trabalhar sobre um hábito já existente. A grande verdade é que não temos como criar hábitos do zero.

É impossível abrir um espaço na agenda para escrever sem tirar esse tempo de outra rotina.

Nossos dias têm as mesmas 24 horas desde que nascemos e é uma aposta segura dizer que essas horas já estão bastante preenchidas por hábitos. Afinal, seguimos a vida aprendendo os melhores modos de estarmos vivos e somos incrivelmente eficientes nisso.

Seis passos para começar o hábito da escrita

Baseado no Poder do hábito, penso que a criação do hábito da escrita passa por seis etapas.

1. Descobrir sua motivação

Por que você quer escrever? Esta é a primeira pergunta que você deve se fazer. Mudar os hábitos que já estão enraizados em nossa programação diária é um desafio considerável e só teremos sucesso nessa empreitada se tivermos clareza do que nos motiva.

Porque desistir é fácil. Voltar aos hábitos usuais é fácil. Ceder à procrastinação (um hábito de recompensa imediata) é fácil.

O que te motiva a escrever? O que você quer alcançar por meio das palavras, das ideias e das histórias compartilhadas?

Quanto mais clareza você tiver sobre a resposta dessas perguntas, mais força terá para enfrentar o desafio da mudança.

2. Estudar seus hábitos atuais

Autoconhecimento é a base deste trabalho, especialmente porque estamos falando em mudar a nós mesmos. Realize um estudo consciente de tudo o que você faz durante os seus dias. Tudo mesmo, sem exceção. Se facilitar, recrie o dia anterior e vá listando tudo o que fez.

Desta forma, você começará a enxergar o desenho geral de seus hábitos. O próximo passo é inseri-los no modelo deixa-rotina-recompensa. O que dispara as suas ações? Como você geralmente as empreende? O que ganha com elas?

(Acabei de passar no meu quarto para fechar a janela, pois parece que vai chover. Vi a cama desarrumada. Sem nem perceber, já estava ajeitando o lençol. No meio da escrita do texto, logo após ir ao quarto para fechar a janela. Esse é o poder do hábito.)

3. Decidir o que você deixará de lado

Uma das minhas propostas no livro Como criar o hábito da escrita é que comecemos pequeno, com 11 minutos por dia. O número é arbitrário, mas útil porque é ao mesmo tempo insignificante em nossa agenda — todo mundo consegue tirar 11 minutos de algum lugar — e potente em termos de resultados. Com 11 minutos por dia, enxergamos textos surgindo e isso já vai funcionando como recompensa, o que retroalimenta o processo.

O que eu falhei em perceber em 2015 é que esses 11 minutos estão saindo de algum lugar. Às vezes, é do tempo que ficaríamos usando o celular na fila do ônibus ou aguardando o metrô. Às vezes, é do nosso sono. Ou do almoço. Mas de algum lugar esse tempo vai sair.

Então que tal fazermos disso uma ação consciente?

O que você faz no seu dia a dia que pode ser substituído por escrever? A maior parte das pessoas investe tempo procrastinando em redes sociais como o Facebook. Desde que bloqueei meu feed de notícias do Facebook, ganhei vários minutos para destinar a novos hábitos.

O que você deixará de lado para escrever?

4. Reconhecer a recompensa

Motivação e recompensa são coisas diferentes. Uma é o que te move a agir, a outra é o que você ganha quando completa uma rotina. Tudo o que fazemos é para suprir alguma necessidade, então convém investigarmos quais necessidades estamos atendendo com os nossos hábitos atuais. Às vezes, elas podem estar alinhadas. Com frequência, são distintas entre si.

O que você ganha com a escrita?

O que você ganha com o hábito que vai tirar de cena?

Há dois cenários possíveis aqui para facilitar a transição de um hábito para o outro: ou você ganhará algo melhor com a escrita ou você ganhará a mesma coisa com um hábito que faça mais sentido para você.

Qualquer que seja o caso, estar ciente disso trabalhará a seu favor.

5. Procurar a melhor deixa possível

Nossos hábitos são disparados por deixas, gatilhos que acionam nossas rotinas. É o que me aconteceu quando arrumei a cama durante a escrita deste texto.

O segredo aqui é perceber que a maior parte das nossas deixas já existem e podem ser aproveitadas para modificar os comportamentos que temos. Em vez de criar novas deixas, o que é difícil e mantém intactas as já existentes (ou seja, elas ficam guardadas esperando o momento de retornarem), podemos aproveitar as existentes.

Deste modo, poupamos esforços e garantimos uma mudança mais duradoura porque colocaremos o hábito da escrita dentro de um sistema que já existe.

6. Modificar a rotina

Um hábito que venho tentando modificar é o de comprar donuts de frutas vermelhas no mercado. São docinhos, macios e têm um recheio super delícia. Toda vez que estou no mercado e os vejo, acabo comprando um. Para mudar isso, passei a observar minha deixa: enxergar os donuts. Em geral, vou ao mercado quando estou com fome, o que significa que ver o donut se associa à vontade de comer ou ao desejo de ter açúcar circulando no meu corpo.

Para mudar isso, precisei tomar consciência do hábito. Ciente, passei a fazer algumas alterações. Tenho me programado para ir ao mercado antes de estar com fome, de modo que faço menos compras por impulso. Reconhecendo a recompensa do açúcar e da explosão de energia que vem com ele, passei a comprar frutas, que posso comer quando sinto necessidade de me animar ou de morder algo. Além disso tudo, acho o donut caro e meu lado econômico entra em ação porque as alternativas de consumo, como as frutas, são mais acessíveis e recompensadoras.

Modificar a rotina é um processo difícil, sejamos honestos. Mas tudo bem, porque você não precisa estar sozinho nessa jornada.

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O Ninho de Escritores é uma escola de experimentação literária e acolhimento para quem quer escrever. Durante nossos encontros, cursos e consultorias, trabalhamos para estimular a percepção sobre nossa própria escrita e sobre nosso papel como pessoas que escrevem.

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Tales Gubes
Ninho de Escritores

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.