“Verde! Da cor dos olhos do seu irmão.”

Roberta Moraes
Ninho de Escritores
2 min readDec 10, 2020

Da cor dos olhos do meu irmão! Pouco me importava se meu irmão tinha olhos, imagina qual a cor deles.

Naquele momento eu só queria ficar sozinho e continuar apertando aquela bola. Mas eles decidiram que seria importante me falar que ela era verde. Da cor dos olhos do meu irmão.

Eles insistiam, dia após dia, em tentar me fazer igual aos outros. Queriam a qualquer custo que eu voltasse a ser como era.

Repetiam a todo momento o formato das coisas, como se tentassem ser meus olhos. Descreviam cada cena em detalhes, da roupa que eu usava ao calibre da gota de chuva que batia na folha da árvore. Perguntavam incansavelmente se eu me recordava do azul do céu. Se eu conseguia lembrar como eram bonitas as luzes de Natal na casa da vovó. Se eu ainda preferia vestir preto.

Sim. Preto. Desde aquele dia só tinha vestido preto. Ou pelo menos acreditei que vestia, já que não podia conferir.

Não, eu não me lembrava. Não lembrava dos olhos do meu irmão. Muito menos da casa da vovó. Não lembrava de nada além do vermelho que tingia o castanho.

Voltávamos do trabalho assim como fazíamos todos os dias há quatro anos. Eu dirigia enquanto ela reclamava mais uma vez do trânsito. Chovia pesado e o céu era cinza escuro. Os semáforos, por conta das quedas constantes de energia, piscavam feito as luzes da árvore de Natal da vovó.

Talvez fossem as luzes, ou a força da água. Talvez o cansaço misturado com a irritação de escutar mais uma vez que o trânsito não andava. Só me recordo de abrir os olhos e ver o sangue deslizando sobre seu cabelo. O vermelho que tingia o castanho.

Naquele momento toda cor que existia foi tomada pelo cinza escuro do céu. Os semáforos, agora sem cor, piscavam loucamente enquanto luzes e sirenes confundiam meus sentidos. Aos poucos, o que tinha se transformado em tons de cinza, perdia a clareza e ficava cada vez menos visível. Senti que fechava os olhos enquanto ainda estavam abertos.

No instante em que o dia perdeu sua cor, eu perdi muito mais que a capacidade de ver o mundo. Perdi a dona dos cabelos castanhos que, antes de dizer adeus, os teve tingidos de vermelho. Perdi a oportunidade de dizer que eram lindos seus olhos quando refletiam as luzes da árvore de Natal da vovó. Que aquele dia cinza e chuvoso me fazia ter saudade de deitar na grama e olhar o céu azul enquanto ela lia um livro ao meu lado. Que meus dias pouco teriam sentido sem suas reclamações sobre o trânsito.

Não. Eu não me importo com a cor do céu. Nem com a cor dos olhos do meu irmão. Me importo menos ainda com as luzes da árvore de Natal da casa da vovó.

Naquele o dia em que o vermelho tingiu o castanho, eu deixei de me importar.

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