Você está disposto a dedicar 1% de sua vida para a escrita?
É mais fácil fazermos escolhas quando temos clareza do que elas significam.
Pergunto para meus alunos o porquê deles terem escolhido meu curso. São nove adolescentes no ensino médio em uma escola privada na zona nobre de São Paulo que, entre diversos outros cursos optativos, decidiram passar um semestre comigo investigando como nascem as histórias.
Eles trocam olhares indecisos e inseguros, típicos de quem ainda acredita que eles são as palavras que proferem e que por isso precisam ter o mais absoluto cuidado para não cometerem erros que os definirão para todo o sempre.
Vou perguntar diferente, eu digo. Vocês estão dispostos a dedicar 1% de suas vidas à escrita? Vocês se comprometem a entregar esse tanto à prática, a pegar a caneta e escrever, a pensar e produzir suas histórias, a encarar o papel, a imprimir palavras? Porque se não estiverem dispostos a isso, há muito pouco a ser feito no meu curso.
Na verdade, é perda de tempo estar no meu curso se a escrita não valer nem 1% da vida de vocês.
Não estou falando de escrever oito horas todos os dias. Legal se for, mas trabalho com uma perspectiva de utopia pragmática. Ninguém começa com oito horas por dia se não for uma exceção na vida e meu trabalho é ajudar pessoas a começarem.
Proponho começarmos com 1% da vida.
É pouco, mas esse pouquinho vai acumulando ao longo do tempo e o tempo é nosso aliado.
(Também é nosso algoz, mas estou tentando fazer um discurso de convencimento aqui, então segura a descrença e segue comigo.)
Ah, mas quanto tempo vou levar pra aprender, quanto tempo vou levar pra concluir um livro?
O mesmo tempo que se você não escrever.
O tempo passa igual, quer a gente aproveite, quer a gente deixe pra depois. Como o depois não existe, deixar para quando estamos melhores, mais preparados, mais inteligentes, com mais tempo etc-etc-etc. é falácia.
A ideia do 1% é oferecer uma medida manejável.
Nem falo em 1% de um dia (14,5 minutos) porque um dia é uma unidade muito rápida e muito variável, tem dias impossíveis e o sofrimento é garantido se a nossa métrica estiver tão fora de controle. Quero escrever todos os dias, mas se falho um ou dois, pronto, fim de mundo.
Pensar em um mês também é muita coisa (1% são 7,2 horas). Se a primeira semana não deu certo, ainda estou tranquilo porque tem mais três. Daí a segunda enrola e eu já acho que está apertado demais pra começar agora e decido esperar o próximo mês para “começar direito”. Sou muito bom (e você também, tenho certeza) em inventar desculpas para não fazer as coisas que mais me importam.
Entra então a semana. Sete dias, alguma estabilidade mesmo para as pessoas mais instáveis e nômades. Uma semana é um tempo suficiente de ciclo, longo o bastante para importar, curto o suficiente para caber na cabeça. Escrever 1% da semana é escrever 100 minutos, número redondinho, fácil de articular.
Pode ser tudo de uma vez, pode ser um pouquinho por dia.
Se chegar perto do fim e ainda não tiver alcançado a meta, posso me dedicar mais no domingo. E se não der certo, tudo bem, o ano tem mais 51 semanas, 51 chances para tentar de novo.
Se você escreve 10 palavras por minuto (eu escrevo 19, em média, para ficção, e ainda mais se estou nesse fluxo intenso de textos opinativos-internetenses), em um ano terá escrito 52 mil palavras. Os 100 minutinhos da semana se transformam em algo bem maior quando olhamos para o longo prazo.
Se você escrever pelos próximos 50 anos terá ainda 2.600 semanas para produzir. Se dedicar 1% da vida para a escrita, isso significará um total de 2.607.000 palavras. Li por aí que o primeiro livro de Harry Potter tem 76.944 palavras, então dá pra escrever uns 33 bons livros nos próximos 50 anos.
Isso tudo com 1% da vida.
Dizem que para atingir a maestria em alguma coisa, precisamos de 10 mil horas de prática. Com 1% da vida escrevendo, você alcança essa marca em 22 anos e meio. Eu pretendo estar vivo nos próximos 22 anos e meio, então por que não estar vivo e escrevendo mais e melhor?
Quando decido escrever cem minutos por semana, estou decidindo escrever milhões de palavras ao longo de uma vida. É melhor se escrever mais, mas também é melhor do que escrever menos.
Isso, claro, se você quiser escrever. Se não quiser, largue a caneta e vá dedicar sua vida a outras coisas que façam mais sentido, está tudo bem, de verdade. E se quiser hoje e amanhã mudar de ideia, está tudo bem também.
Depois de todos esses cálculos, meus alunos se reduzem a olhos arregalados e bocas abertas. É mais fácil fazermos escolhas quando temos clareza do que elas significam.
Na prática, a minha pergunta é menos sobre porcentagens e palavras e mais sobre compromisso.
Então repito: vocês estão dispostos a se comprometerem com pelo menos 1% de suas vidas para algo que vocês acreditam?
Você está?