Seremos todos ciborgues?

Patrícia Scherer Bassani
Nisia
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4 min readApr 27, 2020
Créditos da Imagem: hbr.org

Para começar, gostaria de pontuar algumas diferenças entre os termos robô, androide e ciborgue. Robô é uma máquina criada por humanos e é totalmente artificial; um androide tem forma humana, pode ser extremamente semelhante a um humano, mas também é um ser totalmente artificial; um ciborgue é normalmente um humano modificado e aprimorado, uma mistura de orgânico e cibernético.

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Aqui nesse post da Editora Aleph você encontra um maior detalhamento e alguns exemplos:

Na ficção científica, seja em filmes ou livros, encontramos exemplos de humanos aprimorados, sob diferentes perspectivas, desde o Robocop, o policial do futuro, até diferentes personagens do famoso livro Neuromancer, de William Gibson. No universo de Neuromancer, os personagens têm diferentes aprimoramentos a partir de uma fusão entre o sintético com o orgânico, como mostram alguns pequenos textos do livro:

- “Os olhos eram transplantes Nikon verde-água cultivados em tanque” (p. 44);

- “Estava acompanhado por seus ajudantes, um de cada lado, jovens quase idênticos, os braços e ombros estourando com músculos enxertados” (p. 45);

- “Ele percebeu que as lentes eram implantadas cirurgicamente[…] as lentes de prata pareciam brotar da pele” (p. 48);

- “[…] você é bioquimicamente incapaz de ficar doidão com anfetaminas ou cocaína” (p. 60).

Na perspectiva acadêmica, o pesquisador André Lemos dedica um capítulo do livro Cibercultura à reflexão sobre corpo & tecnologia. Conforme Lemos (2007, p. 163), “o corpo funde-se gradualmente com as novas tecnologias. O corpo torna-se um híbrido, campo de intervenções artificiais como a cirurgia plástica, a engenharia genética, as nanotecnologias”.

Assim, cada vez mais, vamos colonizando nossos corpos orgânicos com artefatos sintéticos e eletrônicos.

Essa discussão é interessante não apenas do ponto de vista individual de corpo biológico, mas do ponto de vista social também, uma vez que as possibilidades de aprimoramento individual podem moldar novas formas de vida na sociedade.

Você já leu Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley? A história mostra como a engenharia genética pode moldar a estrutura da sociedade. Vale a pena a leitura!

Max Tegmark, pesquisador no MIT nas áreas de física e inteligência artificial, publicou em 2017 um livro chamado Life 3.0. No livro, Max Tegmark classifica as formas de vida em três níveis de sofisticação:

a) vida 1.0: biológica;

b) vida 2.0: cultural

c) vida 3.0 tecnológica (ainda não existe na Terra).

Bom, para começar, Tagmark conceitua vida como um sistema de processamento de informações auto-replicante cuja informação (software) determina o comportamento e os blueprints (desenho técnico) do seu hardware.

TEGMARK, Max. Life 3.0: Being Human in the Age of Artificial Intelligence. NY: Alfred A. Knop, 2017.

A vida 1.0 caracteriza-se quando o hardware e o software têm base evolutiva e não resultado de design. Como exemplo, as bactérias.

A vida 2.0 caracteriza-se quando o hardware é resultado de evolução, mas o software é resultado de design. O software é aprimorado/desenvolvido por meio da forma como vivemos e aprendemos ao longo da vida.

A diferença essencial entre as formas de vida 1.0 e 2.0 é a capacidade de ser flexível. Por exemplo, se o ambiente muda, as formas de vida 1.0 podem se adaptar mediante uma lenta evolução ao longo de gerações. Por outro lado, formas de vida 2.0 podem se adaptar quase instantaneamente (aqui poderíamos fazer um link com toda a adaptação que estamos vivenciando nesse momento em função da pandemia….).

Apesar de toda a tecnologia que temos disponível hoje em dia, todas as formas de vida que conhecemos ainda são limitadas pelo hardware. Podemos, entretanto, aprimorar nosso hardware, por meio de implantes de artefatos variados, o que nos levaria a formas de vida 2.1 (e outras?), mas ainda assim as mudanças são limitadas.

Tagmark afirma que a vida 3.0 será o nosso upgrade final, onde será possível projetar tanto nosso hardware quanto nosso software.

E, assim, “life 3.0 is the master of its own destiny, finally fully free from its evolutionary shackless”. Traduzindo: vida 3.0 é o mestre de seu próprio destino, finalmente totalmente livre dos grilhões da evolução”.

Que tal isso, heim? ;-)

Resumindo…conforme Tagmark (2017) podemos dividir o desenvolvimento da vida em 3 estágios, que se diferenciam pela habilidade da vida de se auto-projetar (design itself):

a) estágio biológico, vida 1.0: hardware e software com base evolutiva;

b) estágio cultural, vida 2.0: hardware de base evolutiva, projeta grande parte do seu software;

c) estágio tecnológico, vida 3.0: projeta seu hardware e software.

A vida 3.0 é/será possível por meio do desenvolvimento das tecnologias digitais, principalmente da capacidade de processamento e da inteligência artificial. E isso pode nos levar à imortalidade (será??)…. Vamos falar sobre isso no próximo texto ;-)

Referências:

GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2008.

LEMOS, André. Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2007.

TEGMARK, Max. Life 3.0: Being Human in the Age of Artificial Intelligence. NY: Alfred A. Knop, 2017.

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Patrícia Scherer Bassani
Nisia
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Professora do PPG em em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale. Abordo temas e dilemas da vida digital :-) https://linktr.ee/patriciab