A Estrela

Nitro
Nitro - Histórias Visuais
6 min readMay 2, 2015

Das grades para o mundo.

A primeira revista brasileira com conteúdo produzido exclusivamente por homens privados de liberdade.

A revista A Estrela surge como um projeto que realiza oficinas de fotografia, vídeo e texto para que os detentos tenham ferramentas para se expressar. Para que eles possam contar suas realidades e ficções, e até mesmo os detalhes de um cotidiano escondido dos olhos do mundo.

[Natália Martino] Eu conheci a Nitro através do João Marcos Rosa, pois já tinha feito algumas pautas com ele em São Paulo. Quando voltei pra Belo Horizonte queria muito fazer uma pauta na APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) e consegui a liberação para passar uns dias lá dentro. Como eu ia precisar de um fotógrafo entrei em contato com o João que me indicou o Leo, pois a pauta era a cara dele.

[Leo Drumond] Sempre digo que uma coisa puxa a outra. Fui fazer matérias no presídio novo PPP, uma semana antes da inauguração e outra um ano depois. Conheci algumas pessoas lá e propus desenvolver uma ND lá dentro, totalmente feita pelos presos. A princípio eles adoraram, mas o projeto não foi pra frente.Nesse meio tempo conheci a jornalista Natália Martino, fazendo uma pauta na APAC de Itaúna.

"Foi uma experiência incrível, ficar o dia todo com os presos e até dormir lá.
Tudo isso consolidou muito minha relação com ela. Então a convidei
para ser parceira na idéia de fazer a ND em um presídio."
Leo Drumond

[Natália Martino] Eu comprei a idéia e começamos a conversar, mas logo vimos que teria que ser uma outra coisa. Até porque o formato da ND é votado pra pessoas que já tenham algum conhecimento na área de comunicação ou audiovisual. Então fomos conversando sobre a ideia e tentando conseguir autorização para fazer o projeto em algum presídio de Minas Gerais.

"Durante esse tempo eu estava lendo um livro da autora Bruna Angotti, que foi onde descobri que existiu um periódico da década de 40 feito em um presídio do Distrito Federal que se chamou "A Estrela". Contei pro Leo e na hora rebatizamos o projeto que inicialmente se chamava Voz."
Natália Martino

Leo Drumond e Natália Martino durante aula prática da oficina de fotografia

[Leo Drumond] Em relação ao financiamento, surgiu mais ou menos como a ND, tivemos que investir no início, mas ao mesmo tempo o projeto já nasceu bem robusto, e com parceiros importantes como a Nikon.

[Natália Martino] Quando o Leo conseguiu o apoio da Nikon tivemos que mudar a estratégia de negociação com os presídios, pois a condição de empréstimo das câmeras era que devolvêssemos em um mês. Então como já tinhamos o contato da APAC apresentamos o projeto e conseguimos produzir em tempo recorde.

Na sala de aula

"Eu tive uma insegurança no início, pois fiquei responsável pela oficina de texto, que bem diferente da oficina de fotografia com todo o glamour da câmera, remete aquela professora de texto velha e chata [risos]."
Natália Martino

[Natália Martino] Então o grande desafio foi tirar esse medo, pra isso levei textos escritos por crianças e cartas de presidiários, como exemplos, pra discutir que o conteúdo era mais importante que a forma.

Também expliquei que em um sistema de redação de revista ou jornal tem sempre um editor, um revisor, que fazem esse trabalho de finalização do texto. E funcionou, no fim conseguimos uma diversidade de textos, com relatos leves e outros mais duros, deixando a pauta bem equilibrada.

“Mas algo que deixamos claro desde o início é que não estávamos indo lá para formar fotógrafos, jornalistas ou videomakers. Sempre defendemos que o que apresentamos no projeto são conhecimentos úteis pra vida, que estamos passando noções de comunicação, dando ferramentas para que eles usem no seu cotidiano, lá dentro e depois que saírem também.”
Leo Drumond

Imagem produzida pelos detentos durante a oficina

Entre a liberdade e autocensura

[Leo Drumond] Em termos práticos, achamos que o fato deles terem apenas um mundo restrito para produzir as fotos, bem diferente do contexto em que realizamos os workshops da ND por exemplo, seria um complicador. Mas para nossa surpresa eles conseguiram se expressar e fazer um trabalho incrível com essa limitação.

“Sempre que eu mostro a revista pronta de A Estrela, eu tenho que ficar explicando e reforçando que todas as fotos foram feitas pelos detentos, ninguém acredita de primeira.”
Leo Drumond

Em relação a produção das histórias, ficamos um pouco surpresos. Apesar da proposta ser dar liberdade e voz pra eles, e mesmo sem ninguém da APAC pressionando, eles mostraram grande autocensura.”
Natália Martino

[Natália Martino] Percebemos que eles já estão acostumados a viver em um sistema com liberdade extremamente restrita, sobretudo de pensamento, então as vezes agente propunha alguns temas que eles não queriam falar. Com isso tivemos que buscar soluções pra falar de alguns assuntos mais delicados e outros simplesmente foram cortados porque não era nosso objetivo pressionar dessa maneira.

Foram 5 dias de oficinas de texto, foto e vídeo. Depois disso os presos produziram o material sozinhos, que foi passado a Nitro para a edição e impressão da revista. Ao final do processo, além dos eventos de lançamento (na sede da Nitro e durante o 5º festival de fotografia de Tiradentes), houve também um leilão de três fotos, com metade da renda revertida para os fotógrafos autores.

Detento fotografando durante a aula prática de fotografia

"Através das suas lentes, o que era corriqueiro teve a chance de se tornar extraordinário. O azul das paredes recebia novos tons com o abrir e fechar do obturador. A rotina mudava enquanto novas possibilidades profissionais se apresentavam. Os rostos de sempre contavam histórias antes desconhecidas."

A Estrela, periódico que na década de 1940 publicava artigos de presos, renasce com as histórias desses homens de Itaúna. A eles, que nos revelaram parte das suas vidas e nos cochicharam segredos guardados entre os muros das prisões ou atrás das armas do tráfico, nosso muito obrigado. Outras Estrelas virão e muitas outras histórias ainda serão contadas.

Trechos de “A Estrela”.

5 anos em uma semana

[Natália Martino] A experiência foi incrível. Pessoalmente foi muito interessante perceber, a medida que eles vão se abrindo, que são pessoas tão iguais a gente, com os mesmos sonhos, desejos, medos, necessidades e dificuldades. As pessoas falam: “eu quero sair daqui, não quero voltar pro crime, mas eu tenho medo, tenho medo de sair, não sei o que vou encontrar la fora”. São os mesmos dilemas: a saudade de casa, a vontade ter feito algo diferente, de estudar, de fazer coisas novas, de querer ser bem sucedido.

"O que ficou pra mim é que não existe um “eu” e “eles” como costumamos ver.
Na verdade somos todos iguais com algumas oportunidades e escolhas diferentes. Por fim foi um grande aprendizado, tanto pessoal quanto profissional, foram 5 anos em uma semana!"
Natália Martino

[Leo Drumond] O processo realmente foi inesquecível, pra mim, pra Natália Martino e pro Gabriel Reis que foi responsável pelos vídeos. Hoje A Estrela é prioridade pra mim. Vamos investir muita energia, e também envolver os outros membros da Nitro. A meta é fazer mais quatro edições esse ano (2015).

Gostou do projeto? Então clique no botão Recommend, logo abaixo. Fazendo isso, mais pessoas podem conhecer essas histórias. Além disso, adquira seu exemplar da revista A Estrela entrando em contato com a gente.

Para ler histórias de outros projetos, clique aqui.

Aproveite para seguir a Nitro no Medium, Instagram, Facebook, Twitter e também acessar o nosso site.

--

--