Ossos e pedras no Vale do Jequitinhonha

Nitro
Nitro - Histórias Visuais
4 min readMay 26, 2015

por Leo Drumond

Operação da PRF na BR 116

Viajei para o Vale do Jequitinhonha, minha região preferida de Minas Gerais, para cobrir uma história tensa: a morte do jornalista Evany Metzker, conhecido como Coruja ou Paulo Coelho. Pauta pra revista Época, conduzida pela jornalista Flávia Tavares.

Ainda no caminho, operação da PRF na BR 116, a maior rodovia do país, já deu o tom do que iríamos encontrar. Rota de gente, drogas, pedras preciosas, prostituição e uma infinidade de problemas característicos do nosso país.

Nos hospedamos em Padre Paraíso, cidade onde Metzker residia nos últimos meses em busca de histórias para seu blog, o Coruja do Vale.

Padre Paraíso (MG), cidade cortada pela Br 116

Padre Paraíso é cortada ao meio pela BR 116, conhecida como Rio-Bahia. Alguns moradores chamam a via de “avenida”, mas tal associação geográfica é longe de ser positiva. Passagem de pessoas e cargas, riquezas e miséria, o fato é que a proximidade com a estrada favorece o comércio local, mas também faz dali ponto conhecido de prostituição infantil e criminalidade alarmante.

Começamos nossa apuração indo ao hotel onde o jornalista morou por 3 meses. O cheiro de cigarro impregnou de tal maneira o quarto que a proprietária não consegue alugar o espaço. Mas ela sentia imensa simpatia por Metzker, que tinha direito a um roteador wi-fi exclusivo para postar seus trabalhos.

Quarto da pousada Elis onde o jornalista morou por quase 3 meses

No dia seguinte, visitamos ao local onde o corpo foi encontrado. Metker foi achado em uma estrada secundária de uma via de terra batida que liga diversos municípios, rota de transporte pra quem ali habita e fuga pra quem ali apronta.

A brutalidade do crime, ainda latente no local, nos impressionou: ele foi encontrado decapitado e com indícios de violência sexual. Sua cabeça foi achada a 30 metros do corpo, praticamente sem carne e com a mandíbula separada. Não foi possível, no período que estivemos lá, entender o que motivou tal barbárie.

Uma equipe vinda especialmente de Belo Horizonte investigava a cena. Chefiada pelo delegado Emerson Morais, o mesmo que conduziu as investigações dos jornalistas mortos em Ipatinga no ano de 2013, os policiais pouco falaram.

Local onde foi encontrado o corpo do jornalista.
Equipe de Polícia civil enviada de Belo Horizonte investiga as proximidades de onde o corpo foi achado.
Identidade do jornalista encontrada no local. Foto: Valseque Bonfim

De lá pegamos a estrada para Medina, local onde reside a viúva de Metzker. Mulher serena de fala doce, triste porém firme. Se emocionou diversas vezes ao longo da entrevista, mas me permitiu fazer seu retrato.

É sempre complicado trabalhar nos momentos de tristeza alheia, mas assim é a vida do fotógrafo: respeito pela dor do outro mas atenção aos detalhes da história.

Ilma Borges, esposa do jornalista Evany Metker

Em Medina fui ao local onde o jornalista foi enterrado. O horário da chegada do corpo e o cheiro que ele exalava não permitiram a realização de um velório. Quando lá estive o corpo ainda não havia sido sepultado, e a cena não poderia ser mais melancólica.

Local onde foi enterrado o jornalista Evany Metker, em Medina (MG)

Durante todo o período em Padre Paraíso tivemos o apoio do parceiro Valseque Bonfim, fotógrafo, videomaker, jornalista e corretor de imóveis, figura de primeira que deu uma força imensa no trabalho. Ele toca sozinho o blog Lente do Vale.

O blogueiro e jornalista Valseque Bonfim

Terminada a apuração da história, fui com Valseque pesquisar um pouco o garimpo feito na região. Não tem como agradecer a ajuda desse companheiro de profissão que trabalha em condições precárias para realizar um jornalismo com o mínimo de independência.

Na região se cavam enormes buracos, grande parte clandestinos, em busca da trilha de minerais onde se extraem águas-marinhas, turmalinas e outras pedras preciosas

O garimpo de pedras preciosas na região é praticado à séculos. Mesmo com intensa fiscalização da polícia e órgãos ambientais, é possível ver indícios de escavação das minas em todos os morros das redondezas, e praticamente todos os habitantes da cidade tem envolvimento direto ou indireto com a atividade. Os principais compradores são os chineses, mas indianos, norte-americanos e ingleses também são frequentes.

Assim é o Vale, contradição que encanta e assusta. Estradas e minas, ossos e pedras, café doce e hospitalidade rara. Apesar da brutalidade encontrada, não vejo a hora de retornar.

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