A História da Eternidade | Crítica

Hugo Schnorrenberger
No Chão da Sala de Edição
3 min readJul 21, 2019

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Várias vezes já me peguei participando de uma discussão que eu odeio e que se afoga em futilidade. A famosa pergunta proferida pela boca mal amada “o que é arte?”. Que perguntinha. Depois de umas conversas que começaram com essa pergunta eu decidi que nunca mais participaria de discussões do tipo, pois elas são condenadas a nascerem estéreis. Sempre me perguntei porque as pessoas não falam sobre o que essa suposta arte as faz sentir. Isso sim me interessaria muito mais. É nesse sentir relacionado à obra artística que, para mim, entra A História da Eternidade (2014) de Camilo Cavalcante.

O filme magistralmente construído, tem uma estrutura de multiplot que acompanha algumas personagens dentro de uma cidadezinha no meio do nada e como elas resistem ao local e às pessoas que ali residem. Isso é tudo que eu estou disposto a falar da história do filme, pois eu gostaria que as pessoas assistissem e vissem o desenrolar disso por elas mesmas. Não vou recomendar esse filme por sua trama — que é muito bem construída e amarrada — ou por sua fotografia maravilhosa, ou pelas atuações impressionantes, ou pela direção muito segura de si; eu vou recomendá-lo pelas cenas construídas quase que para o único propósito de o espectador sentir. Para isso, Camilo confecciona uma peça central para canalizar essas sensações, essa peça é o personagem interpretado por Irandhir Santos: o artista. Algumas vezes, o filme pára, seja literal ou figurativamente, para dar voz ao artista apenas para que ele te faça sentir. Exemplos disso você encontra na cena incrível da performance da música “Fala” de Secos e Molhados, em que o personagem de Irandhir Santos faz uma atuação emocionante em frente de sua casa, ou na cena de tirar o fôlego do mar, com a sobrinha e o tio-artista. O filme é sinestesia pura. Ele transborda poesia.

O artista, no filme — e na vida — , tem esse papel de canalizador de emoções, o que ele faz te causa alguma coisa, seja ela qual for. Quando eu participava das discussões supracitadas, eu costumava definir Arte da seguinte maneira: toda e qualquer manifestação criativa que te cause alguma coisa. O que supunha um ato criador do artista e um ato observador de um terceiro, isto é, para mim, naquela época, a arte, mesmo que eu não percebesse, já era sobre o que ela te faz sentir. No fundo eu estava participando da discussão errada. Pois o cinema que eu aprecio, é o cinema que te faz sentir, seja o que for, não é o cinema bom — ou o ruim — é aquele que é interessante. As críticas poderiam dar mais espaço para o que um filme tem de mais interessante a oferecer. Este filme de Camilo Cavalcante me faz sentir, por exemplo, que o cinema é o familiar que a gente abraça nas crises. O cinema é a dança que nosso corpo faz quando ouve a música que nos toca; e também quando não ouve. Com ele, nossos corpos dançam e ele dança em resposta. O cinema dança e nossos corpos também. O cinema, quando precisa, faz a gente enxergar o mar no meio do sertão. Quando ele quer ele nos deixa enxergar os sonhos. Acima de tudo e de todos, quando ele quer ele pode. E ele está o tempo todo tentando mostrar que quando nós queremos, também podemos. Basta se abrir ao sentir. Basta amar. Basta se perder no mais negro dos pratas. O cinema é como é, intransferível, pessoal, impessoal, onipresentemente ontológico. O cinema, em uma definição mais simples, é a prestidigitação, que é nada mais do que ser enganado com o prazer de ser enganado. Ele engana, mas ele engana com honestidade. Ele esconde, mas ele esconde com bondade. E, por fim, ele ama, mas ele ama com promiscuidade.

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