Turma da Mônica: Laços | Crítica

de Daniel Rezende, 2019.

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No Chão da Sala de Edição

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Tendo crescido no Brasil, é difícil escapar da Turma da Mônica. A maior parte das pessoas da minha idade cresceu com essas crianças. É um desses fenômenos culturais dos quais você participa, mesmo que de relance. Geração após geração, alguém vai sempre achar uma boa história pra contar sobre a turma — nem que em forma de meme.

O que é especial aqui, então, é que quando eu sentei na audiência meus pares eram no mínimo uma década mais novos que eu, e mesmo assim consigo apostar que nossas experiências com os personages eram parecidas. Talvez eles gostassem mais dos quadrinhos de três painéis que vinham no final dos livrinhos, que nem eu. Talvez eles tenham aprendido a ler com os Almanaques depois que os pais pararam de ter tempo de fazer isso pra eles, como eu já escutei de tantos amigos.

A decisão do próprio Rezende de resolver fazer o filme veio do carinho que ele tinha pelos personagens, então é afeto a chave para a compreensão do filme como um todo. Dificilmente alguém que não tenha passado tempo debruçado sobre os quadrinhos da Turma vai ter a mesma experiência daqueles que tenham. Não pela nostalgia. Mas sim por que esse afeto nos reaproxima da experiência infantil que os quadrinhos proporcionavam.

Aqui cada palavra escrita, cada enquadramento, cada plano, é banhado numa candura que me dava nós na garganta por razões que eu nem sei exatamente quais eram.

Assistir à turma desvendar os próprios sentimentos sob a luz dourada de um filme quase inteiramente iluminado no golden-hour (natural ou não) foi, de certa forma, especial. Doce, inocente, como não muita coisa parece ser hoje em dia. Até mesmo filmes de criança se tornaram sombrios — basta assistir à qualquer produção recente da Pixar. E eu amo esses filmes, também, mas de fato sentia falta disso. Sentia falta de uma infância sem grandes manchas. Sentia falta de um espaço seguro para aprender.

Rezende presta especial atenção às expressões e reações emocionais dos personagens, e esses momentos de desenvolvimento são retratados com cuidado, segurando planos até que seu peso seja totalmente comunicado. Os close-ups e a montagem da importante briga entre Mônica e Cebolinha estão alto na lista das coisas mais lindas que eu vi recentemente — e eu admitidamente costumo torcer o nariz para esse tipo de enquadramento. Há a maturidade de quem olha para as experiências de descoberta da infância com uma distância saudável. Os medos, receios e tristezas ingênuas são guiados com segurança na mão do diretor. É um aprendizado controlado, que não machuca. Não realmente chegamos a uma conclusão a respeito desses sentimentos, mas vemos eles começando a ir para algum lugar — o que talvez tenha a ver com uma possível sequência, Lições, baseada na sequência homônima do quadrinho que inspirou o filme.

De todo, acho que Laços é uma das provas de que ir ao cinema é uma experiência completa de vida: não pode ser separada da vida daqueles que assistem ao filme. Não pode ser separada do ânimo, do humor, e da história de quem senta na audiência. Há muito o que se dizer e ser crítico a respeito de lucrar pela nostalgia, mas também há muito a ser dito sobre quando genuíno carinho e amor por histórias e personagens trazem o melhor de uma equipe e de um cineasta.

Quando eu sentei lá na frente, encarando a tela, ouvi e vi as crianças ao meu redor rindo, se divertindo, e reagindo. Junto comigo. Completamente imersas no filme. Todos nós compartilhamos essa sensação. Todos nós sentimos mais ou menos a mesma coisa. E para eles isso é novo, de uma forma que não era pra mim.

Laços é uma experiência quase que puramente brasileira, e eu fico feliz que seja. Há coisas que você não traduz nem que queira. Há coisas que são só nossas. Por mais que eu goste do cinema estrangeiro, é uma sensação diferente a de se encontrar na tela. É algo que não temos muito, por aqui. E isso é algo que é novo para mim, de uma forma que não é para as crianças que estavam ao meu redor. Há algo lá para elas que para mim era apenas saudade, e espero que vejamos mais disso. Espero que, conforme o tempo passe, elas cresçam vendo mais do que é só nosso. Feito para nós. Por nós.

REFERÊNCIAS:

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