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Quantas autoras mulheres você já leu?

Laura Barcelos
No mundo de Laura
Published in
6 min readAug 7, 2018

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Dos livros que você leu nos últimos meses, quantos deles foram escritos por mulheres?

Semana passada terminei de ler o último livro da pilha de não-lidos que se acumulava em uma cadeira da sala lá de casa. Claro que mentalmente já tinha aquela listinha das próximas leituras até 2022, mas decidi dar uma busca rápida no Google pelos livros mais vendidos de 2017.

A resposta não chegou a surpreender, mas incomodou bastante. Em três listas informadas por sites de livrarias, nenhum nome de escritora mulher.

Não por acaso isso acontece.

Na entrada de muitas livrarias, logo se revela o cenário desigual do mercado editorial brasileiro e mundial que, historicamente, mantém uma preferência por escritores homens.

Em estudo recente da UnB, essa homogeneidade de publicações das grandes editoras brasileiras ficou atestada. A predominância de livros publicados segue tendo o mesmo perfil de autores desde 1965, sendo 70% deles escritores homens. Além disso, mais de 90% das obras foram escritas por brancos.

Mesmo no Nobel de Literatura — prêmio literário concedido todos os anos a escritores do mundo inteiro desde 1901 — , de 114 escritores que receberam a distinção, somente 14 são mulheres, sendo Toni Morrison a única escritora negra da lista.

Então, não sabe ainda qual o próximo livro que vai ler? Uma dica: leia uma mulher*!

Tem muita mulher incrível que já escreveu e está escrevendo, mostrando sua força para o mercado editorial e marcando a literatura com a sua escrita. Aqui listo algumas leituras que foram um caso de amor pra mim.

Tudo nela brilha e queima, Ryane Leão

Mulher, negra, poeta e professora, Ryane escreve com uma verdade e força que fascinam. Recheado de poemas lindos e sensíveis escritos a partir da sua vivência e tendo como temática o empoderamento feminino, esse é o primeiro livro da escritora e foi publicado em 2017.

“do que sei agora

me vi anos atrás
e quis dizer pra mim
se ame
antes de tudo começar
depois de tudo terminar
e durante esses espaços todos
se ame”

Sejamos todos feministas, Chimamanda Ngozi Adichie

Depois de uma palestra no TEDx Euston em 2012, a autora ficou conhecida mundialmente pela sua fala feminista. Esse livro é uma versão modificada da palestra. Com uma linguagem leve e acessível, Chimamanda nos conta vivências e reflexões sobre como vivem as mulheres na sociedade atual, incluindo os homens também na discussão e despertando para as mudanças que precisamos fazer na criação de nossos filhos e filhas.

“A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar a nossa cultura.”

Mulheres, raça e classe, Angela Davis

Livro de referência em feminismo negro e direitos civis que traz toda força da lua vivida nos anos 1960 pela pantera negra, acadêmica e ativista Angela Davis. A autora traz várias referências de estudos desde a época da escravidão, revelando o sofrimento sobretudo das mulheres escravas que estavam sujeitas a todo tipo de abuso pelos ditos patrões que as viam como sua propriedade. Apesar de o livro ter sido publicado nos anos 1980, somente em 2016 a edição brasileira chegou às livrarias do Brasil.

“É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Precisamos refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.”

Foto da Amanda di Giorgio @amandadigiorgio

Feminismo em comum, Marcia Tiburi

A minha recomendação mais atual e rápida para quem está começando a pensar sobre feminismo. Um livro pequeno em tamanho - daqueles que dá pra ler em duas horas - mas gigante em conteúdo. Questionando discursos prontos e modismos, a autora critica o movimento e reflete sobre, citando autores como Judith Butler e Michael Foucault. Com uma linguagem acessível, Marcia argumenta sobre um feminismo pra todos, que reinventa e melhora a vida na sociedade.

“O feminismo nos ajuda a melhorar o modo como vemos o outro. O direito de ser quem se é, de expressar livremente a forma de estar e de aparecer e, sobretudo, de se autocompreender é ao que o feminismo nos leva.”

O Conto de Aia, Margaret Atwood

Um daqueles romances que te engole. Já ouvir falar na série The Handmaid’s tale? É baseada nesse livro e ganhou destaque vencendo 5 categorias no Emmy. Tanto a série quanto o livro valem muito a pena! É louco pensar que Margaret Atwood escreveu esse livro em 1985 e em 2018 ele é tão assustadoramente atual. A história se passa em um futuro distópico com um Estado teocrático e totalitário, em que as poucas mulheres ainda férteis são propriedade do governo com o objetivo de trazer novas vidas ao país.

“Tento não pensar demais. Como outras coisas agora, os pensamentos devem ser racionados. Há muita coisa em que não é produtivo pensar. Pensar pode prejudicar suas chances, e eu pretendo durar. Sei por que não há nenhum vidro, na frente do quadro de íris azuis, e por que a janela só abre parcialmente e por que o vidro nela é inquebrável. Não é de fugas que eles têm medo. Não iríamos muito longe. São daquelas outras fugas, aquelas que você pode abrir em si mesma, se tiver um instrumento cortante.”

Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola Estés

Lançado em 1992, o livro completou 25 anos em 2017 e segue sendo uma leitura citada e reverenciada por muitas mulheres de diferentes gerações. Clarissa, que é analista e contadora de histórias, resgata lendas, mitos e contos e faz uma análise psicológica profunda para resgatar os traços e instintos da mulher selvagem. Alternando entre explicação de conceitos e relatos do cotidiano das mulheres, a autora estimula a reflexão sobre nosso comportamento no contexto social, familiar e nas relações amorosas.

“Quando a cultura define detalhadamente no que consiste o sucesso ou a perfeição desejável sobre qualquer aspecto — na aparência, na altura, na força, na masculinidade, na feminilidade… — existem ditames correspondentes e tendência à avaliação na psique de todos os seus membros. Portanto, as questões da mulher selvagem rejeitada geralmente são duplas: a íntima e pessoal, e a externa e cultural.”

Mrs. Dalloway, Virginia Woolf

A história que se passa na Inglaterra após a 1ª Guerra Mundial narra um dia na vida de Clarissa Dalloway e mostra as preparações da jovem socialite para uma festa. Ao longo do dia, Clarissa encontra outros personagens pelas ruas de Londres e vai refletindo sobre seus comportamentos e atitudes. A narrativa é um fluxo de consciência que nos leva a momentos do passado da protagonista como se uma amiga nos contasse o que está pensando. A riqueza de detalhes nos leva a conhecer os personagens de forma bem profunda quase como se conhecêssemos eles.

“Será que estaria amando então? Mas onde a solução, a tortura, a extraordinária paixão daqueles dias? Era uma coisa completamente diversa — uma coisa muito mais agradável — , pois a verdade era que agora ela estava enamorada dele.”

*O Leia uma mulher (instagram.com/leiaumamulher) é um projeto de intervenção urbana que leva frases de mulheres cientistas, escritoras, filósofas, artistas para as ruas da cidade, estimulando a conexão entre mulheres e o sentimento de representatividade. A intenção é formar uma conexão entre todas nós, criando cumplicidade, presença e representatividade, contribuindo para que a cidade se torne um ambiente mais acolhedor e igual. Segue a gente lá ❤

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