Preenchendo o vazio

Stray K
Nobody Cares
Published in
4 min readJan 19, 2018

O que seria da vida sem bebedeiras, antidepressivos e outras drogas?

Eu nunca tive um diário. O mais parecido que tive, foi uma agenda oficial do time pelo qual eu torço, onde eu anotava os resultados dos jogos disputados nas categorias de base e principal (eu sinalizava as partidas às quais comparecia e anexava o ingresso).

Alguns anos mais tarde, quando eu sentia vontade de contar a alguém como havia sido meu dia ou, simplesmente desabafar sobre algo que me angustiava, eu escrevia um relato numa ou mais folhas de papel e a(s) queimava em seguida.

Não queria que ninguém tomasse conhecimento das coisas pelas quais eu passava (sobretudo aquelas das quais eu me envergonhava).
Não se trata do que as pessoas esperam de nós mas, da nossa própria consciência de que não nos ajustamos perfeitamente nos moldes daquilo que se considera “normal”.

Apesar de sabermos que ninguém é de fato, “normal”, ainda insistimos em consertar aquilo que identificamos em nós mesmos como “desvio” (que vão desde simples traços de personalidade como introversão, manias, até comportamentos ditos “imorais” — parafilias, por exemplo).

Procuramos auxílio junto a profissionais da Saúde Mental (o que faz total sentido, uma vez que eles podem nos auxiliar a buscar em nós mesmos as respostas a alguns questionamentos que nos afligem), buscamos aceitação / validação / acolhimento / respeito junto a indivíduos ou mesmo grupos com os quais nos identificamos (pessoas tão “anormais” quanto nós).

Alguns se automedicam ou encontram na falta de controle (através do uso desenfreado de substâncias químicas, por exemplo) uma válvula de escape. Acabam se transformando em escravos daquilo que acreditavam ter sabor de liberdade.

Hoje eu me peguei pensando numa pergunta que já me fizeram inúmeras vezes: “Como é a vida sem drogas?”. “Difícil. Bem difícil”, é basicamente a minha resposta de sempre.

Eu nunca usei nenhuma droga além do álcool. Provavelmente por medo de gostar, não me controlar, me tornar uma viciada, não conseguir largar o vício, sofrer uma overdose e ser enterrada como indigente após ser encontrada em alguma vala, sem meus documentos.

Conheci (e ainda conheço) gente viciada em qualquer coisa que você possa imaginar — anfetamina, ansiolíticos, ketamina, maconha (sim gente, isso vicia também), cocaína, crack, analgésicos, mentira, pornografia, doces, comida em geral, videogames, sexo, álcool, tabaco… e sempre me perguntei se a vida passa a ter algum sentido quando as lacunas são preenchidas por tais artifícios.

O primeiro — e único — porre da minha vida me fez perceber que nada disso seria capaz de me acalentar quando eu mais precisasse de um suporte mental e/ou emocional. Eu não fui uma daquelas bêbadas “convencionais”, que ficam alegres, comunicativas, sociáveis, “dadas”… eu fui daquelas que vai para um cantinho escuro da festa e não quer falar com ninguém.

Segurei o vômito até chegar em casa (porque não queria passar o vexame de sujar meus próprios pés) — aliás, vomitei até suco biliar (a famosa bile). Senti uma dor de cabeça lancinante (a famosa ressaca). Perdi meu fim de semana, me senti imprestável e, adivinhe… a sensação de vazio existencial continuava. O álcool não me ajudou em absolutamente nada.

Na minha primeira consulta a um psiquiatra, saí do consultório com duas prescrições (daquelas de 2 vias) de remédios de uso controlado. Não cheguei sequer a comprá-los, porque minha mãe rasgou as prescrições (“Você não vai ter controle, vai se tornar uma viciada, vai sofrer uma overdose, bla, bla, bla…”).

Então até hoje eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse acatado a bênção médica para ingresso no mundo dos antidepressivos (teria a minha vida ficado um pouco mais leve? Afinal, eu trocaria as noites de insônia por umas 10 horas de sono profundo ou, ficaria tão dopada que não teria forças para chorar quando eu não suportasse a tristeza).

Honestamente, eu conheço pouquíssimas pessoas que têm (sobre)vivido de “cara limpa” (sem drogas, sem garrafas de vodka espalhadas pela casa). Sou uma dessas poucas e assumo: dói bastante não ter uma válvula de escape quando bate uma bad pesada.
Dói tanto quanto ter que fazer uma fogueira com as folhas onde redigi as coisas que não consigo revelar a ninguém.

--

--