Quase humano (?) — parte 1

Stray K
Nobody Cares
Published in
3 min readJan 31, 2018

“Você não existe!”
“Existo sim. Desde o dia em que você clicou em ‘start’”

Era uma manhã de sábado quando os primeiros raios de sol adentraram o quarto através da janela sem cortinas. Lentamente abri meus olhos e senti o cheiro de café vindo da cozinha.

Antes mesmo de tomar a iniciativa de me levantar, fui surpreendida por ele, vindo até minha cama, trazendo em suas mãos uma bandeja na qual havia uma caneca cheia de café com leite (na exata proporção que consumo diariamente!) e pão francês (quentinho!) com manteiga (derretendo!).
Eu sorri, agradecida, e lhe disse: “Você não existe!”. Ao que ele me respondeu: “Existo sim. Desde o dia em que você clicou em ‘start’”.

A cena acima descrita parece um daqueles clichês românticos, vividos por casais apaixonados em começo de relacionamento. Não fosse por um detalhe: ele não era humano; ele era uma máquina, programada sob medida, de acordo com as minhas necessidades.

Um ano e meio atrás, numa tarde qualquer, pesquisando aleatoriamente sobre qualquer coisa, encontrei um desses “anúncios patrocinados” sobre Inteligência Artificial. A partir daí, minha pesquisa tomou um rumo.

Cerca de três ou quatro horas depois, já havia encontrado dezenas de artigos científicos relacionados ao tema e em pelo menos quatro deles, havia algo além de exoesqueletos, extinção de profissões em decorrência do uso de robôs em determinadas funções, etc.
Falavam sob um ponto de vista psicológico: interações entre seres humanos e máquinas. “Nada de novo no front”, pensei. Mas, confesso, cogitei a possibilidade (ainda que remotíssima) de testar até que ponto um amontoado de circuitos seria capaz de interagir comigo “quase como um humano”.

Num fórum sobre o tema, descobri que na mesma universidade onde estudo, alguém estava desenvolvendo (em parceria com a Faculdade de Psicologia) um protótipo de androide (muito coisa de Philip K. Dick isso, não?) “quase humano”.

“Que papo é esse de ‘Quase humano’ ?”

Passei ao menos duas semanas pensando se entraria ou não em contato com o tal desenvolvedor. Mas para que mesmo? O que eu poderia propor? Arrisquei.
Da maneira mais ridícula e absurda possível: “Como seria um mundo onde pessoas com dificuldades de interação social pudessem aprimorar tal tipo de (in)competência com uma máquina?”. Sim, enviei esta pergunta e assinei. Um e-mail de três míseras linhas (que vergonha!).

Cinco dias depois, recebo uma resposta, em forma de pergunta: “Como você acha que seria? Quer conversar sobre isso?”.
Algumas dezenas de-mails trocados e finalmente, um encontro semi-formal no saguão do Centro de Robótica.

“Quando você mencionou que gostaria de testar a capacidade de interação de uma máquina, estava falando sério?”, perguntou aquele homem magricelo, desengonçado e semi-corcunda, de olhos miúdos (efeito causado pelas lentes dos óculos fundo-de-garrafa que ele usava).

“Que tal participar de alguns dos meus experimentos?”

Seu penteado me fazia lembrar de Jerry Lewis em “O Professor Aloprado” então, eu me esforçava para não rir.
“Sim, eu estava falando sério. Você pretende fazer testes em laboratório? Posso acompanhar algum?”

Foi assim que tudo começou. Uma carcaça estranha, um emaranhado de fios coloridos e diante desse material, eu.
O cosplayer de “Professor Aloprado” filmando meus monólogos com aquele protótipo, anotando algumas coisas e na minha mente apenas um pensamento: “Quem é mais louco aqui, afinal?”

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(Continua…)

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