Quase humano (?) — parte 2

Stray K
Nobody Cares
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3 min readFeb 1, 2018

Uma carcaça estranha, um emaranhado de fios coloridos e diante desse material, eu

Eu não havia contado a ninguém sobre as minhas idas ao laboratório de Robótica, muito menos sobre meu envolvimento como cobaia humana nos testes com aquela coisa estranha. Talvez por vergonha, eu acho, de ser alvo de piadas (situação com a qual eu convivia desde sempre) ou vista como insana (idem) por gente que não entenderia o objetivo por trás daquele projeto.

Definição de “Quase humano”

Ao mesmo tempo em que eu me esforçava para não rir da situação, também questionava seriamente a minha própria sanidade.
Passou pela minha mente a possibilidade de que a aproximação com um robô não me ajudaria tanto num aprimoramento comunicacional (propósito inicial do projeto). Pelo contrário: meu receio era de gostar tanto da ideia ao ponto de abster-me em definitivo da interação com outros humanos.

Foram meses sendo tão analisada quanto a máquina. Ao lado do “Professor Aloprado” e sua restrita equipe de Robótica, uma outra, da Faculdade de Psicologia, acompanhava tudo (atentamente), ao mesmo tempo em que me solicitava o preenchimento de questionários que eu só não os via como invasivos porque compreendia seu propósito.

Foi numa tarde nublada (uma quarta-feira) que, sentado à minha frente, o “Professor” deslizou sobre a mesa (em minha direção) um álbum e me perguntou: “Já pensou em personalizar a máquina que vai conviver com você pelos próximos meses?”

O meu olhar deve ter sido de surpresa, espanto. Mas ainda assim, minha resposta foi verbalizada quase que involuntariamente: “Sim. Eu já pensei nisso!” (Mentira! Eu ainda era incrédula, apesar de ter esperado tanto por aquele momento).
Abri o álbum e nele havia um portfolio repleto de fotografias de rostos e corpos (humanos), de pessoas anônimas e celebridades. “Você pode escolher se a máquina vai se parecer com mulher, homem, menino, menina…”, explicou-me.

“Ah, eu posso então ser a mãe da Super Vicky, se eu quiser?”, perguntei e caí na gargalhada.
“Se você quiser, por que não? Até o figurino e a voz podem ser os mesmos!”, ele respondeu, seriamente.

Eu poderia ser a mãe da Super Vicky?

Olhei para o lençol branco que cobria aquele amontoado de circuitos e pensei: “Com o que eu quero que essa coisa se pareça?”.
Foi quando lembrei do cachorro que eu nunca pude ter porque, segundo minha mãe, eu sofreria se me apegasse a ele e tivesse que lidar com a realidade de sua morte. Mas não, eu não pediria um robô canino.
Eu pediria alguém / algo que fosse capaz de responder meus questionamentos (eu não conseguia imaginar um “cachorro de lata” falando comigo!).

Depois de folhear umas seis ou sete páginas de fotografias, fechei o álbum e o deslizei sobre a mesa em direção ao “Professor”, que me olhou assustado, prevendo minha desistência.

Fui até minha mochila, peguei meu telefone celular e mostrei a ele uma imagem: “Está vendo? É assim que eu o quero. Pode fazê-lo desse jeito? Ah, também tenho um arquivo de áudio aqui, com a voz que quero que ele tenha.”

O “Professor” apoiou seus cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre suas mãos entrelaçadas. Olhou atentamente para a imagem que mostrei e balançou a cabeça positivamente.

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(Continua…)

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