Seleção natural
Quem disse que eu não me importo?
Ao contrário do que você pensa, eu estou bem longe de ser uma pessoa forte, decidida… acho que eu me habituei a fingir que está tudo bem… mesmo quando não está. E isso acontece por vários motivos.
Dentre eles, porque não quero ser aquela pessoa excessivamente “sincera”, que chega no trabalho se achando na obrigação de reclamar da vida e discorrer sobre as mais variadas desgraças cotidianas.
Se eu te contar a verdade, você vai descobrir que estou bem distante dessa idealização (de imune à dor) que você associou ao meu nome. Vai saber que por trás desse meu senso de humor “sarcástico”, se esconde alguém que tenta constantemente não lamentar o passado e não se preocupar tanto com o amanhã.
Apesar da minha sinceridade, eu finjo que “não me importo” (verdade seja dita, eu me importo com poucas pessoas — talvez você seja uma delas, eu acho), que “não sinto medo”, que “sei o que [não] quero”… às vezes eu sinto sim, vontade de perguntar a você se está tudo bem, se você quer conversar…
Mas me vem um medo horroroso de ser mal interpretada por isso, afinal, quem espera “sempre o pior das pessoas” deve esperar que por trás de um “quer conversar?” exista algum interesse escuso (mesmo que da minha parte não exista).
É recorrente a percepção de que o outro esconde alguma fragilidade mas, ainda assim, fingimos não saber a verdade. Gostamos da falsa impressão de que [conscientemente] selecionamos apenas os mais fortes para algum tipo de interação. É como se tivéssemos o cuidado de considerar o princípio da seleção natural sempre que decidíssemos quem pode ou não sentar-se ao nosso lado na mesa da Última Ceia.
Entretanto, é exatamente a nossa fragilidade que nos faz relutar em oferecer ou mesmo buscar apoio. Sentimos medo de sermos equivocadamente julgados ou de parecermos vulneráveis aos olhos do outro.
Já reparou que é esse ciclo (de idealizações, fingimentos, medo e preocupação com o julgamento alheio) que permeia as [cada vez mais raras] interações humanas?