A irritante vida de Jeremias

Jeremias não se irrita com as constantes notícias de violência nos jornais, com isso sempre esteve acostumado. Não se irrita com os fanáticos religiosos, políticos ou futebolísticos, primeiramente pelo fato das três categorias serem basicamente a mesma coisa pra ele, segundamente porque nunca os levou a sério mesmo. Já convive desde sempre com o irritante fato das pessoas acharem que ele é algum pobre feio e bêbado por se chamar Jeremias, e construiu inconscientemente uma personalidade na qual acredita que a humanidade está toda fodida e ficará cada vez mais, principalmente no seu país. Pra ele, tudo estar uma merda já é o padrão mundial, os poderosos continuarão massacrando o restante da população pra se tornarem cada vez mais poderosos e não há nada o que se fazer a não ser tentar curtir sua vidinha ordinária como se ela fosse um passeio no parque num dia de outono — acha o inverno e o verão estações irritantes. Essa mentalidade serviu pra que Jeremias não se irritasse com os grandes problemas da sociedade, porém não evitou com que se irritasse com os pequenos acontecimentos do cotidiano de um cordeiro da classe média.

Jeremias se irrita fortemente quando precisa subir 34 escadas rolantes na Estação Pinheiros pra pegar o trem e durante o percurso ser bombardeado por telas gigantes com notícias como “Jaque Khury mostra barriga chapada em foto e ganha elogios dos fãs”, contando ainda com um inexplicável delay que faz com que a mesma notícia seja mostrada em todos os andares no momento que ele passa. Deixou de se irritar com as pessoas do metrô pois passou apenas a considerá-las como animais irracionais até o momento que conseguem algum assento vazio, mas se irrita quando todos no metrô dão atenção pro horóscopo nas pequenas telinhas espalhadas pelo vagão, achando aquilo a coisa mais estúpida, mas se irrita mais ainda pois entre os quatro signos que aparecem nunca tem o dele e são sempre os mesmos, começando com Áries que é o signo que ele mais odeia — mesmo não acreditando em nada disso.

Jeremias não liga pras crianças morrendo de fome na África, mas se irrita ao passar em frente a um restaurante furreco do centro da cidade e ver uma pessoa tirando restos de carne dos dentes com a língua indo pagar o almoço enquanto o caixa pergunta se ela quer CPF na nota. Se irrita ao ter que almoçar e ver na tela de 42 polegadas do restaurante a cabeça de Geraldo Alckmin com exatos 5 fios de cabelo penteados pro lado como se aquilo compensasse a impetuosa e brilhante careca que ali predomina mas ele insiste em disfarçar. Já com as tentativas tão falhas quanto a da careca de disfarçar os rombos nos cofres públicos e má administração ele não se importa tanto.

Acha bem irritante pessoas que andam normalmente mas quando ficam paradas as pernas ficam curvadas pra trás como se andassem ao contrário. Não suporta barulho de embalagens em locais fechados, principalmente quando acompanhado com o cheiro de Cheetos sabor peido de gato. Se irrita com plantas de plástico, não sabe o motivo, apenas se irrita, e o pior momento do seu dia é quando recoloca o lençol na ponta da cama e logo quando deita ele sai novamente.

Ignorar os grandes problemas do mundo não fez de Jeremias uma pessoa menos irritada, muito pelo contrário, pois o fez voltar a atenção pra todas pequenas coisas irritantes ao redor — e não lhe são poucas. Como tentativa de resolver isso e viver em paz, passou a se isolar em casa apenas assistindo séries e lendo livros. Tudo finalmente ia bem dessa forma, até ele ter um grave ataque de irritação ao ler uma história que acabava do nada sem explicar o final, o que fez com que ele