A academia condescendente com a mediocridade

“O maior obstáculo ao conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão do conhecimento”.*

Matheus Galvão
Coletividad
Published in
3 min readFeb 14, 2017

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Arte de Tyler Spangler

Academia de mentirinha?

Às vezes eu leio um artigo acadêmico brasileiro e parece que eu estou lendo uma redação daquelas que a gente aprende a fazer no primário. E não é só porque os estudantes escrevem mal, como já falaram. Encontro tudo montadinho, fragmentado, idealizado… Um monte de “é preciso”, “é necessário”, “é importante”, trechos amontoados, ideias pela metade.

As pesquisas por aqui são feitas nas coxas. Elege-se um tema e vai-se pegando trechos que dizem o que está de acordo com o que queremos provar e o resultado é um Frankstein sem sentido que provavelmente será elogiado por uma banca que estava muito ocupada para ler, mas pela camaradagem destaca os pontos positivos e faz observações que sequer correspondem à conclusão do autor — mas tudo bem!

Gênios iludidos, egos inflados…

Enquanto isso, temos egos inflados por aí, acreditando firmemente que são gênios. Uma geração de novos cientistas iludidos. Não estou dizendo que sou gênio e que os outros não são. Longe disso. Só que a gente precisa reconhecer nossa limitação. E reconhecer que é preciso melhorar é o primeiro passo para se desenvolver.

Quando eu fui escrever minha monografia eu tinha lido tudo — o máximo que pude — sobre o tema. Na hora de desenrolar, eu apenas pegava as referências para citar algumas coisas e fazer citação literal — que por sinal foram poucas. Fiz um texto fluido e corrido, disse tudo que queria dizer e organizei bem as ideias. Eu sabia muito bem onde queria chegar. Tudo isso porque eu tinha amadurecido as ideias antes. E ainda assim, quando eu pego o meu trabalho hoje, vejo que amadureci muito mais. Estamos em constante evolução. Não há fim.

Escrever exige maturidade intelectual. Grandes ideias e grandes obras vêm dessa maturidade. As ideias são melhores compreendidas por quem vai lê-las, inclusive, quando estão tão coordenadas na cabeça de quem as escreveu que a mensagem passa como telepatia.

E não esqueçamos de falar como os pesquisadores brasileiros escolhem os temas de seus trabalhos, como já comentou o professor João Manuel Marques Cordeiro, da Unesp de Ilha Solteira:

“Infelizmente, em função de má política (ou da ausência dela), e da má formação do pesquisador brasileiro (consequência de um sistema educacional de péssima qualidade), este define suas pesquisas em função de suas preferências pessoais ou comodismo e não em função de uma visão qualificada sobre as implicações para o país de seus resultados”. João Manuel Marques Cordeiro, professor da Unesp de Ilha Solteira

Arte de Matthieu Bourel

A “era do produtivismo”

Além disso, criatividade é essencial. Estamos cheios de remakes por aí. Artigos que são, em verdade, releituras de outras ideias. Isso é falta de criatividade. Falta de originalidade.

Temos muitos impostores circulando no mundo acadêmico. E com a condescendência dos mestres e doutores formados na “era do produtivismo”. Orientadores que querem incluir seus pupilos em obras coletivas para poder ganhar títulos, mesmo com artigos meia-boca e por aí vai. Assim vamos ampliando [e compilando] a mediocridade acadêmica.

Escrever para um público e não para o ego

Para elaborarmos um texto compreensível precisamos escrever conscientes do que queremos falar. Com lucidez. Escrever para o público compreender e não para o ego. Se a academia — e para não ser injusto, especialmente a jurídica — não acordar em tempo estaremos sentados [se já não estamos!] sobre um monte de lixo intelectual inútil e repetitivo.

Deixando uma frase que ouvi muito e que resume o que falei:

“O maior obstáculo ao conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão do conhecimento”.

*A frase é, às vezes, atribuída ao Stephen Hawking, às vezes, ao Daniel Boorstin.

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