Moodboard — Cezar Berje

Kakau Fonseca
Coletividad
8 min readOct 31, 2020

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Cezar Berje é um artista brasileiro focado em direção de arte, branding e ilustração. Atualmente trabalha como Visual Designer Specialist e Brand Illustrator na fintech Cora. Anteriormente, trabalhou no Nubank e também como freelancer.

Em sua carreira, já trabalhou com marcas mundialmente conhecidas como Adidas, Netflix, Google Allo e Cosac Naify. Dono de um estilo impressionante, Berje é um dos grandes nomes do mercado que inspiram, estimulam e instigam até os mais céticos. Berje é iluminado.

1.Na sua infância, qual era sua profissão dos sonhos?
Eu já quis ser um pouco de tudo: de arqueólogo a cientista, até mesmo comediante e escritor são coisas que já passaram pela minha cabeça. Acho que o que amarrava todas essas ambições era a vontade de alimentar um imaginário. Seja com descobertas arqueológicas, histórias fantásticas ou invenções, essa vontade de criar sempre esteve ali.

2.Como se deu sua introdução à arte e quando isso aconteceu?
Devo desenhar desde que tinha uns 2 anos, tenho até fotos provando isso. Mas o contato com a arte como ela é só se deu muito mais tarde, na quinta série, quando conheci o trabalho do Salvador Dalí nas aulas de artes. O que me marcou profundamente era como algumas formas podiam ser interpretadas de maneiras diferentes, como existiam figuras e referências escondidas nos quadros. “Aquilo são elefantes ou cisnes?”, existia um universo escondido que talvez só o autor soubesse de fato o real significado de cada uma daquelas coisas.

3.Para quais artistas você estava olhando enquanto desenvolvia seu próprio estilo no início da sua carreira?
Meu início de carreira foi ainda na faculdade, exatamente no período que o mundo parece ter descoberto o universo do graffiti e da arte independente. Era bem aquele momento quando Osgemeos tinham surgido para a mídia, a Choque Cultural estava apinhada de exposições e muitos workshops de stêncil, muralismo, ilustração etc, povoavam o Sesc. Nessa época o trabalho do Bruno 9li, Stephan Calma, Skinner e Neckface foram os catalisadores para que eu quisesse trabalhar com arte e ilustração autoral. Era realmente chocante ver artistas com traços tão pouco habituais e pouco adequados ao que eu conhecia por desenho comercial ganhando espaço e patrocínio de marcas como Nike e Adidas. Foi nesse momento que abri meu antigo Flickr, comecei a escanear meus desenhos em A4 finalizados com Stabilo e pouco a pouco, fui desenvolvendo minhas próprias técnicas e meu estilo.

4.O que tem te inspirado hoje em dia? Quais artistas, revistas ou conteúdos em geral te mantêm motivado?
Hoje em dia minha inspiração, ou ao menos os lugares que mais busco olhar e refletir, estão um pouco fora do universo só da ilustração. O tempo mesmo me levou a evoluir o meu amor por games para algo mais profundo e ligado ao poder dos autores ali por trás daquela mídia interativa. Me inspiro em diferentes aspectos de cada jogo, buscando transformar cada experiência em algo realmente único, seja a interface de Persona 5, os visuais absurdos e surreais de Hylics ou a experiência meta-narrativa de um Undertale. Já um artista que não posso deixar de lado, principalmente por ter inspirado muito do meu “porque” em seguir criando e experimentando é o Alejandro Jodorowsky, cuja mente criativa se estende da revitalização visual das cartas de tarot de Marselha até poesia, pinturas, peças de teatro e cinema, onde foi mundialmente reconhecido.

5.Como se manter criativo e aprender constantemente? Há um limite para isso?
Enquanto o mundo for mundo não haverá limites para aprender e se manter criativo, mas talvez o importante nessa busca seja ter algum foco e objetivos claros para não se perder. Eu costumo me manter criativo buscando aqueles conhecimentos que deixei de lado, por exemplo, fazia tempo que não voltava meu olhar para Marketing, Branding, estratégia, planejamento, e por isso estou fazendo uma MBA na área. Desenhar é fácil, está ali no meu dia a dia, a poucos minutos de praticar e de manter a evolução constante. Difícil é me cercar desse conhecimento que orbita minha área, mas não me pede um olhar contínuo, é nessa direção que eu gosto de canalizar meu tempo. Claro que manter-se criativo não é só estudar de maneira formal, existe muito aqui da vivência, de se conectar com experiências novas: seja ouvir aquela banda nova de math metal ou trabalhar em materiais gráficos com um coletivo de rap. Toda oportunidade de vivenciar essas pequenas aventuras novas é um jeito de manter a mente aberta e viva para novas ideias.

6.Uma curiosidade que muita gente tem é como os processos de trabalho acontecem. Como você descreveria seu processo hoje?
Meu processo de trabalho não tem muito segredo, inclusive acho que isso ajuda a manter a consistência em trabalhos com prazo e menos espaço para experimentos. Gosto de definir um conceito forte e buscar boas referências antes de abrir uma tela, um moodboard variado e com foco maior na “intenção do autor” ajuda mais que um moodboard puramente estético. Depois busco o papel para rabiscar algumas ideias de forma bem simples e esse rascunho ainda ganha polimento no digital quando uso minha Cintiq ou um software e assim, posteriormente tenho em mãos duas ou três ideias interessantes. Se é um trabalho coletivo, esse é o momento que gosto de compartilhar o conceito e as soluções que encontrei a fim de obter feedbacks ou até checar a objetividade da proposta. Só então finalizo a ideia que teve melhor êxito e se provou mais coerente para resolver o problema. Essa seria a estrutura básica no dia a dia, mas por ser um ilustrador formado na arte do doodle, muitas vezes uma página em branco pode já ser o início de algum trabalho que não tenho ideia de como terminará. Essa é a graça da ilustração, às vezes boas ideias podem ter por trás um processo extremamente simples e puramente criativo, sem regras, sem firulas.

7.Quando você sente que está com algum bloqueio criativo, o que você faz?
No meio autoral eu entendo o bloqueio criativo como um sinal vermelho de “ei, talvez você esteja esvaído de boas ideias, que tal dar uma distanciada?”, e parto disso para o momento que gosto de chamar de alimentação criativa: é quando vou assistir filmes, documentários, ler livros, jogar games, esfriar a cabeça com outras práticas. Claro que um job não vai esperar você dar toda essa espairecida, mas para isso, acho que manter uma metodologia sólida ajuda a simplesmente voltar alguns passos, olhar a big picture do projeto e entender o que falta para continuar o desenvolvimento dele, às vezes um conceito ou referência já ajudam a quebrar esse bloqueio.

8.Qual o melhor conselho profissional que você já recebeu?
Seja você mesmo, plenamente, do traço do seu desenho à sua caligrafia, na sua personalidade e até nas gírias, no seu modo de se vestir, nas suas comidas preferidas e nas suas ideias. Aprenda e evolua, mas seja você mesmo, afinal esse é o conjunto que forma sua identidade e é provavelmente o único diferencial que você realmente tem perante todos outros profissionais, artistas e ilustradores.

Adidas Originals, por Berje

9.Existe alguma coisa que você sabe hoje que desejava ter consciência no início da sua carreira?
Sem dúvida, adoraria que tivessem me contado que o tempo livre só tende a ficar mais escasso conforme a vida vai passando. Então, o começo da carreira deve ser aproveitado para produzir muito, errar muito e experimentar muito, sem medo de portas fechadas, de caras feias ou daquele convite de um trabalho que parecia maior do que você teria capacidade produzir. O mercado e as pessoas adoram novidades, então o quanto antes você usar seu trabalho para catapultar seus contatos, seus convites e seu rosto em eventos, mais rápido você vai conseguir solidificar sua rede e seus clientes.

10.Na atual conjuntura, as redes sociais se tornaram uma poderosa ferramenta para profissionais da indústria criativa. Como você lida com isso?
Eu busco separar muito bem os públicos de cada rede social e o que eles querem ouvir de mim. É um pouco daquela máxima quando você precisa definir o conteúdo de uma palestra: o público dita o que você tem de mais interessante a ser dito. Isso ajuda a focar em conquistas profissionais no LinkedIn, projetos visualmente bem trabalhados no Behance ou rápidas e frequentes inserções de trabalhos gráficos no Instagram. Saber usar essas redes de forma profissional exige um pouco dessa visão de como gerenciá-las sem precisar abraçar o mundo, mantendo apenas as que você tem um interesse genuíno em alimentar (o Facebook mesmo já não é para mim, por exemplo).

11.Como você enxerga os side projects, ou seja, aquele projeto pessoal que rola paralelamente na sua vida?
Acho projetos paralelos essenciais para um desenvolvimento contínuo do seu trabalho. Eu vejo um ciclo muito claro de experimentação, ideias novas e aplicações práticas. Essa biblioteca de ideias só é possível de ser expandida quando você se dá a liberdade de encarar projetos paralelos, onde muitas vezes não existem regras, certo e errado, achismos, guias ou processos a serem seguidos; é nesse espaço onde você pode se reinventar e criar com maior liberdade, construindo assim uma experiência nova que pode ser aplicada futuramente com mais cuidado em um projeto formal.

Além desse lado mais imaginativo, acredito que projetos paralelos podem ser uma oportunidade de saber doar um pouco de si em prol de outros, aproveitar do seu privilégio em conhecimento e cultura para ensinar, aconselhar, auxiliar aquela marca pequena, aquele projeto independente, levar um pouco de si para quem provavelmente não teria acesso a um designer, mentor ou artista.

12.Qual o melhor livro que você já leu?
Nem preciso ir muito longe: “Ficções”, de Jorge Luis Borges.

👉 Você pode saber mais sobre Cezar Berje e seu trabalho aqui:

* Site pessoal
* Instagram
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Em tempo, aproveito para agradecer imensamente a Mariana Medina por revisar, consertar e cuidar desse texto. ☀

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