Três pessoas movidas por uma paixão em comum: encontrar e cuidar de objetos que alguém não quis mais

Bruna Viana
Nossa Grama Verde
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4 min readSep 20, 2016

David Arranhado é artista, natural de Lisboa. Está descobrindo no Brasil seus caminhos pela pintura. Marcos Rennó é arquiteto e idealizador de um dos lugares mais encantadores de Belo Horizonte: a Vila 211. Jorge Luiz Bicalho é proprietário de um charmoso antiquário na rua Itapecerica, cenário conhecido por quem procura itens antigos e usados na cidade.

Os três compartilham de uma paixão: o garimpo de móveis e objetos.

Da Alfama para o bairro Floresta

A origem do interesse de David pelos objetos tem endereço: a Feira da Ladra, que frequentava aos sábados pela manhã em Lisboa.

“Ali você encontra bolinha de gude, coleção de xícara, foto de família de 100 anos, carro, roupa, móvel com 200 anos”, conta. Foi lá que adquiriu, um a um, cada par da sua coleção de óculos.

Ele abre com cuidado a pequena mala em que trouxe os óculos, junto com a mudança para o Brasil. Quem caminha pelo ateliê do artista, na região leste de Belo Horizonte, descobre outros objetos singulares em meio a quadros e pinturas em diferentes suportes (o olhar de David transforma em tela pedaços de vidro ou fundo de panela). Uma luminária de plástico em formato de folhas de couve e um móbile feito com casa de marimbondo cativaram minha atenção.

“Objetos relembram lugares, histórias tuas. Busco neles as minhas referências e inspirações. No ateliê, uma coisa vai contaminando a outra e no final, quando você olha pra tudo, faz sentido”.

Na bagagem, David também trouxe a experiência com restauro de objetos e edifícios, que aprendeu na Instituto de Artes e Ofícios da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva em Lisboa. Em Portugal, trabalhava com restauração de palacetes e objetos sagrados. Já em terras brasileiras, se permite experimentar e descobrir novos caminhos.

De caixinhas de fósforo a portões de padaria

Desde pequeno, Rennó se preocupava em cuidar das coisas que vão ser jogadas fora. “Sinto que os objetos também têm desejos. Precisamos compreender o desejo deles, fazer cumprir a biografia de cada um.”

Sua curiosidade pelos objetos é provavelmente um dos maiores segredos da curadoria da Vila 211, loja de objetos de decoração que abriu com sua esposa, Sandra de Azevedo. O critério para a escolha parece simples: “Vamos comprando o que a gente gosta e o que o espaço comporta”, explicam. O resultado é mágico.

A escolha por guardar um objeto muitas vezes é preventiva. “Antevejo que algumas coisas vão sumir e guardo. Aconteceu isso com um arame de fechar biscoito que existia antigamente, e hoje não tem mais. Eu guardei alguns em casa”, conta.

Também acontece de se apaixonar pela beleza de um objeto antigo e enxergar ali inspiração para o fazer artístico, publicitário ou comercial de hoje em dia. “Um objeto pode revelar a possibilidade latente de um trabalho artístico. Era lixo, mas acaba virando obra de arte”.

Com o tempo, objetos interessantes começaram a chegar até ele. Os amigos passaram a vê-lo como uma pessoa confiável para guardar objetos, conta. A atitude de acumulação hoje traz uma carga pejorativa, pode até ser vista como doença. Mas Rennó acredita que algumas pessoas precisam fazer o resgate das coisas.

Para ele, existem dois tipos de pessoas: aquelas que jogam fora e aquelas que guardam. E assim o mundo vai entrando em equilíbrio.

De mansão a Cheiro de Mofo

Jorge Luiz Bicalho ainda não imaginava que seria dono do antiquário Cheiro de Mofo, na rua Itapecerica 509, quando se formou na Fundação Mineira de Arte, atual Escola de Design da UEMG. Sua estadia em São Paulo foi determinante para que ele seguisse o mesmo caminho do irmão.

“Eu trabalhava em uma camisaria e tomava conta de uma mansão. Os donos eram muito ricos e jogavam muita coisa fora — eu ia pegando. Saí de Belo Horizonte em 1980 com uma mala nas mãos e voltei dez anos depois com um caminhão da Soberana mudanças. Abri o antiquário em 93”.

Desde então, cultiva o interesse por itens que seriam descartados. Quando alguém morre, Jorge compra a casa inteira, fechada, porque os parentes não querem mais ver as coisas. “Jogo fora muita coisa e separo o que é útil. Minhas tias vêm aqui, eu dou os copos de requeijão e elas saem todas satisfeitas”, conta.

Jorge acredita que a forma como organizou os objetos dentro da loja inspirou outros estabelecimentos da rua. Dentro de cada cristaleira, brinquedos antigos e pequenos itens de louça são dispostos com cuidado. A combinação se torna peculiar.

No labirinto entre armários de madeira e cadeiras clássicas, um relógio de cuco começa a funcionar. São 13h de um sábado. “Posso tirar uma foto?”, pergunto. “Sim, mas seja brevíssima, porque está na hora de eu ir embora”.

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Bruna Viana
Nossa Grama Verde

Me dedico a criar espaço e condições para as pessoas terem conversas que importam, consigam trabalhar em colaboração e resolver desafios juntas.