Nossa Voz #1020 #Comum

Você teve um dia produtivo?

Binna Choi e Annette Krauss

Casa do Povo
Nossa Voz

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Exercícios de desaprendizagem n.3 “Faxina coletiva”, realizado por Annette Krauss e a equipe do Casco Institute em 2014. Foto: Annette Krauss

Em vez de fazer arte, história da arte, crítica de arte e curadoria como normalmente entendemos e praticamos essas atividades, o Site for Unlearning Art (Art Organization) [Local para desaprender arte (Organização de arte)], a equipe do Casco e a artista Annette Krauss vêm se “ocupando” das diferentes estruturas do Casco e como elas funcionam dia após dias. Essas estruturas organizacionais muitas vezes invisíveis e não questionadas se tornaram tema de nosso foco coletivo, ao passo que também experimentamos diferentes maneiras de trabalhar junto. Durante esse tempo, o Casco continuou a organizar exposições e eventos públicos discursivos e performativos, além de apoiar artistas na produção de novos trabalhos, enquanto Annette deu continuidade à sua prática artística.

Num determinado momento, essa aparente “via dupla” acabou por se encontrar, e como resultado disso o Casco se reformulou como “Casco Art Institute: Working for the Commons” [Casco Instituto de Arte: Trabalhando pelos Comuns], adotando a lógica dos comuns não só como objeto de estudo, mas também incorporando-a em seu trabalho enquanto instituição de arte. As palavras a seguir são uma reflexão sobre esse caminho. Antes de começar, gostaríamos de informar aos leitores que “nós”, Binna Choi e Annette Krauss, reformularemos a rede de nosso pronome plural para incluir a equipe cambiante do Casco que co-constituiu esse processo de “desaprender” hábitos institucionais. Esperamos que, ao fazer isso, possamos fazer justiça ao coletivo.

Focando nas práticas organizacionais e invisíveis do Casco, alguns céticos consideravam a prática de desaprender uma forma de hiper-reflexividade ou de olhar para o próprio umbigo, e dúvidas foram levantadas constantemente com o intuito de questionar se esses objetivos podiam, de fato, ser atingidos.

Outros alegavam que os riscos de falha, que podiam influenciar o financiamento público recebido pelo Casco, eram elevados demais, e que seria melhor deixar as coisas como estavam. A questão mais ampla e duradoura foi esta: não seria melhor apenas concentrar-se na arte como a conhecemos? O movimento #MeToo, atual e em expansão, e aquelas instituições decolonizadoras responderiam a essa pergunta com um retumbante “não”. A começar pelos campos da arte e da cultura em todo o mundo: artistas, produtoras, pesquisadoras e administradoras mulheres, geralmente negras e de cor, vêm se manifestando igualmente acerca das condições sexistas, racistas, patriarcais, capitalistas e colonialistas em seus trabalhos.

Essas condições idênticas vêm sendo tema de trabalhos de arte críticos, mas que raramente “traem” a contradição entre o que eles (re)presentam e a realidade de (re)produzir tais trabalhos representativos. Será isso o que chamamos de sistêmico? Enquanto produtoras artísticas e culturais, nos perguntamos: se produções culturais e artísticas expressam um desejo de mudança social, então aquilo que mostramos não precisa ser reconectado com as condições que tornam possíveis nossos trabalhos e exposições de arte, para que esse próprio processo possa se tornar uma alavanca rumo à mudança?

Acreditamos que embarcar nesse processo é exatamente como a crítica institucional, enquanto gênero artístico, e o resultante novo institucionalismo, como discurso artístico essencial das últimas décadas, poderiam avançar, especificamente para ativar a frente e o verso de uma instituição, o visível e o invisível — enfim, para operar em conjunto. Instituir à medida que você (re)presenta e até mesmo confunde essas divisões!

Crítica institucional - revisitada

Enquanto gênero artístico, a crítica institucional compreende investigações artísticas dentro da e em resposta tanto à instituição de arte, quanto à própria instituição da arte ao expor o dispositivo institucional da qual a categoria de arte depende. A crítica acontece por meio de investigações do mercado de arte, de galerias, de colecionadores, de patrocinadores, de museus públicos locais e nacionais, de espaços de arte, de grupos autônomos e de práticas artísticas, entre outros. Um fio condutor cruza esse entendimento duplo da instituição, seja ela uma instituição de arte ou uma instituição da arte, o que implica que a instituição está, na verdade, dentro de nós e molda nossas formas, incorporadas e habituais, de trabalhar e de nos relacionar uns com os outros. A artista Andrea Fraser, influente protagonista da crítica institucional, descreveu a dinâmica nos seguintes termos: “Então, se não tem um lado de fora para nós, não é porque a instituição é perfeitamente fechada ou porque ela existe como um dispositivo em uma ‘sociedade totalmente administrada’, ou porque cresceu a ponto de tudo abarcar em tamanho e escopo. É porque a instituição está dentro de nós, e nós não conseguimos sair de nós mesmos”¹.

Tendo em mente essa noção imanente de instituição, nossa abordagem no Site for Unlearning (Art Organization) foi a de estudar e intervir, caso necessário, na organização de arte Casco enquanto “corpo” exemplar. Essa abordagem assume uma medida tangencial ou crítica ao suposto novo institucionalismo, a própria posição da instituição de arte acerca da crítica institucional. A prática do novo institucionalismo deu continuidade ao legado da crítica institucional de formas autorreflexivas, ainda que apenas discursivas², fazendo da discursividade o meio de apresentação. Em vez disso, o Site for Unlearning (Art Organization) assumiu uma forma performativa — como uma forma expandida de performance — ao olhar a instituição e trabalhar com a equipe como um local de coordenação em grupo (incluindo atores humanos e não humanos) em diferentes espaços (inclusive globalmente) e ao longo de diferentes tempos, incluindo hábitos e rotinas de trabalho voltados para a materialização da instituição. Consequentemente, a prática de “crítica institucional” estabelecida pelo Site for Unlearning (Art Organization) foi negociada, em primeira instância, entre as pessoas que trabalham no Casco e personificam a instituição na interação com sua comunidade mais ampla, ao passo que também foi compartilhada com um vasto público. Nós, toda a equipe do Casco, incluindo um ou dois estagiários e Annette Krauss, construímos esse local para o “desaprendizado”, dentro das nossas horas de trabalho, na forma de reuniões coletivas quinzenais. Nesses momentos, nós avaliamos colaborativamente as relações espaço-temporais, materiais e incorporadas que são inerentes à instituição do Casco.

A instituição dos comuns

No plano de fundo dessa prática performativa coletiva, está o programa de 2013 a 2016 do Casco, “Composing the Commons” [Compondo os comuns], que foi assim nomeado para refletir e dar continuidade à diretriz do programa anterior, que envolvia formas participativas e coletivas de produção artística em conjunto com um movimento social mais amplo.³ A necessidade de refletir sobre a coletividade em todos os níveis, incluindo aqueles de caráter político, econômico e psicológico, foi percebida e imbuída de uma urgência de resistir à progressiva privatização e financeirização do espaço, do tempo e das subjetividades emaranhadas às condições de colonialidade atuais e contínuas; sem esquecer das crescentes formas de precarização e competição que estão por trás de todas as nossas relações. O termo “comuns” parece permitir essa multiplicidade de preocupações. Em termos mais simples, os comuns são estabelecidos através de uma gestão coletiva de recursos em comum que podem ser encontrados em diferentes contextos históricos e culturais. Traduzir seu significado e suas operações para um entendimento e uma prática viáveis nos dias de hoje significa complicá-lo. Por exemplo, uma das abordagens centrais do Casco em relação aos comuns é uma perspectiva feminista que, segundo Silvia Federici, busca coletivizar o trabalho doméstico e reprodutivo que vem sendo invisibilizado e desvalorizado, refletindo sobre a sua manifestação segundo formas genderizadas e racializadas de remuneração baixa ou inexistente. A pesquisa de Federici acerca dos legados das mulheres no que diz respeito aos comuns para além da Europa e da ideia ocidental de cercamento da terra é parte crucial da nossa “complicação” dos comuns.⁴ O conceito de “subcomuns”, conforme elaborado por Fred Moten e Stefano Harney, está na base da poética e da agência de resistência e luta coletiva que ocorre abaixo e dentro do sistema existente, apontando para lutas antiescravagistas e, logo, diferenciando-se dos comuns institucionalizados com potencial de ser capturado por uma lógica de gestão e controle. Em vez disso, como forma de luta coletiva e aprendizado mútuo, o “estudo” é uma maneira de fazer-se comum “sob o radar institucional existente”, o que ressoa fortemente com um desejo coletivo sentido dentro da equipe do Casco e em suas redes mais amplas, notadamente no Arts Collaboratory, em nome de um “desejo por um entendimento profundo”.

Essa abordagem dos comuns foi acompanhada por uma série de investigações artísticas e outras, de caráter experimental, ao longo de vários anos, e envolveu a questão de como o Casco, enquanto instituição de arte, se relaciona com os comuns. Alguns pontos de referência tramam a resposta para tal questão. Um deles é a nossa exposição New Habits [Novos hábitos] (2014), que foi especial por inaugurar a nova localização e o novo prédio do Casco. Fazendo alusão ao novo “corpo” do Casco, a exposição pegou a deixa da pesquisa recente de Giorgio Agamben sobre comunidades franciscanas⁵, ao passo que respondia também aos artistas com quem estávamos trabalhando na época.⁶ A tese principal de Agamben descreve como os franciscanos escaparam de instituições autoritárias, como a igreja, concentrando-se em regras e numa ética comum de “uso” em contraposição à de “propriedade”, e, ainda, na ideia de “pobreza” em oposição à “riqueza”. Essas regras são frouxas se comparadas às leis e envolvem “formas” que incluem o que vestir, por meio das quais os “hábitos” são nomeados em duplos sentidos. Ao mesmo tempo, artistas como Aimee Zito Lema, Christian Nyampeta, Ayreen Anastasa, Rene Gabri e Sung Hwan Kim levantaram certas demandas dentro da equipe e das comunidades dos arredores do Casco para exercitar suas práticas diárias, indo desde o que e como comer, até como lidar com ritmos diários como parte de seus projetos artísticos. É também no contexto do trato dos “hábitos” que Annette Krauss, artista colaboradora do Casco de longa data, e toda a equipe da instituição concordaram em começar a empreitada do Site for Unlearning. Essa jornada prosseguiu de maneira bastante entrelaçada com o processo coletivo de trabalho mais amplo da rede Arts Collaboratory, da qual o Casco faz parte. Para a maioria de seus integrantes — compostos por vinte e três organizações de arte baseadas no chamado “sul global” — , e para a única e principal financiadora holandesa, a Stichting DOEN, não demorou muito para ser constatado que, a menos que a estrutura subjacente e invisível do programa deles fosse mudada, eles não poderiam continuar promovendo seu engajamento artístico e social, bem como suas colaborações translocais. Com o termo “estrutura”, queremos dizer aquelas relações hierárquicas financeiras e laborais da era colonial que a maioria das organizações integrantes acabou herdando. Precisamos “fazer o comum” em nossas instituições. Para tanto, também precisamos desaprender nossos velhos hábitos. Esses conceitos gêmeos ecoam por todos os lados, repetidamente.

Desaprendendo a instituição

O que queremos dizer com desaprender? É um hábito nosso atribuir valor positivo às instituições de arte e de aprendizado em geral que vêm se ocupando de posicionar-se como um local para aprender. Então, por que desaprender? Abordar tais questões exige que olhemos através do relacionamento entre aprender e desaprender para explorar o tecido conector entre desaprendizado, aprendizado, aprendizado perpétuo e instituição. Aqui, o aprendizado perpétuo — no sentido mesmo de aprender do berço até o túmulo — é avaliado como derivado específico das economias europeias de conhecimento desde os anos 1990, e uma das concepções dominantes do aprender é cumulativo, orientado pelo progresso e institucionalmente motivado pelo lucro econômico. Enquanto isso, muitos acadêmicos concordam que o foco econômico do aprendizado perpétuo impregna as instituições e subjetividades nos dias de hoje. Como instituição de arte e prática artística, que tem a pesquisa e a experimentação como principais modalidades (por exemplo, a programação de projetos de pesquisa artística em torno dos comuns), o Site for Unlearning (Art Organization) pode estar, na verdade, reforçando esse tipo de pauta de “aprendizado perpétuo”.

“Desaprender”, nos termos estabelecidos por Annette, justapõe essa pauta e, no lugar dela, ecoa uma expressão cunhada pela pensadora feminista pós-colonial Gayatri Spivak, “desaprender seus próprios privilégios”⁷. Spivak nos incita a encontrar modos de questionar e retrabalhar as suposições, preconceitos e histórias de cada um, de modo a derrubar injustiças num mundo globalizado. Em outras palavras, desaprender tem menos a ver com adquirir novas habilidades e conhecimento, e mais com assumir uma investigação crítica ativa das estruturas e práticas normativas para tomar consciência e se livrar de “verdades” tidas como certas nos domínios da teoria e da prática, com o objetivo de pensar e enfrentar as desigualdades na vida cotidiana. Assim sendo, a noção de desaprender dirige nossa atenção novamente aos hábitos. Hábitos são aquelas práticas de pensar e fazer por meio das quais nos envolvemos corporalmente com nosso ambiente cotidiano, práticas que desde sempre escaparam de nossa análise racional. Eles constituem gestos, ritmos ou posturas aprendidos por nossos corpos, e que são incorporadas em um determinado espaço e tempo. Portanto, hábitos compõem a identidade política de nossos corpos e são vinculados de maneira inseparável a visões de mundo e conhecimentos que performamos consciente e inconscientemente. Nós sabemos o quanto é difícil dar-se conta de um hábito; que dirá se livrar dele, e é aí que mora a complicação. Você já se livrou de maneira bem-sucedida do seu hábito de arrancar cabelos? Ou tentou banir o hábito de pensar, como diz Spivak, “que eu sou necessariamente melhor, eu sou necessariamente indispensável, eu sou necessariamente a pessoa que corrige equívocos”⁸ no encontro com outra pessoa? É preciso muito trabalho, energia e imaginação — mental e fisicamente — para se livrar de uma “direção” de trabalho e pensamento para, então, engajar-se em outra diferente.

Assim, sob essa perspectiva, e ao passo que a instituição de arte em si é alimentada pela economia capitalista e por sua lógica de aprendizado, avanço e crescimento cumulativo, conseguimos questionar razoavelmente se é mesmo possível desaprender algo como uma instituição de arte. Ao tentar confrontar o que internalizamos como impossibilidades, o desaprendizado marca tanto um engajamento com processos institucionais que têm potencial para romper com a promessa irrestrita de avanço e crescimento econômico, quanto uma tentativa de intervir na própria instituição do aprendizado. Não surpreendentemente, uma das discussões recorrentes em nossas reuniões coletivas girava em torno da absoluta impossibilidade de desaprender, e se não devíamos retornar a negócios organizacionais mais práticos e “possíveis” da maneira como os conhecemos.

Não foi o que fizemos. Em vez disso, os experimentos que concebemos também precisam ser encarados como uma pesquisa coletiva da política de (im)possibilidades que desempenha um papel crucial na abordagem de processos de desaprendizado dentro de uma estrutura organizacional. Eles constroem uma estrutura de apoio para essa pesquisa com e dentro de uma instituição para ajudar o coletivo quando este encontra formas dominantes de pensar e de se comportar, estruturas (afetivas) de impossibilidades e seus entrelaçamentos com conhecimentos incorporados.

Assim, o Site for Unlearning (Art Organization) é tanto uma tentativa de engrossar essas práticas de desaprendizado, quanto um meio de alimentar a imaginação incorporada para desaprender o capitalismo dentro das estruturas institucionais de uma organização de arte. Isso ressoa com o aprendizado dos comuns na composição de novos hábitos.

“Estar ocupada” como um hábito institucional

Se há métodos preexistentes para desaprender, um deles deve ser o de estabelecer as condições de colaboração. Toda a equipe do Casco e também Annette⁹ concordaram em ter reuniões de duas horas a cada duas semanas ou uma vez ao mês no próprio escritório do Casco, ocasião em que abordávamos questões como o que queríamos desaprender, como abordar o desaprendizado, em que pontos encontramos dificuldades e com quais estávamos de acordo. A equipe tomou a decisão de não reivindicar esse tempo de trabalho como hora extra, e sim de integrá-lo ao tempo de trabalho normal, enquanto horas de freelancers eram reembolsadas. Nossa identificação de hábitos institucionais a serem desaprendidos coletivamente estava entrelaçada com uma visão dos comuns que é encenada, visualizada e formulada em exposições, discussões públicas, publicações, trabalho comunitário e no modo como o Casco, enquanto organização, é conduzido no nível gerencial, incluindo seu éthos administrativo e seus métodos de produção e comunicação. Depois de algumas reuniões, surgiu uma prioridade comum de desaprender nossa relação problemática com uma noção de “estar ocupada”: “sentir-se ocupada” é um estado psicossomático que causa ansiedade e frustração.

Ying Que, que à época trabalhava como coordenadora de projeto e comunidade, manifestou essa noção de “estar ocupada” da seguinte maneira no contexto do Casco:

Sim, é como quando você pergunta para alguém aqui, “como vai você?” e respondem: “Muito ocupada, muito ocupada. Estou tão ocupada”. Há uns dois anos, li um artigo chamado “Stop the Glorification of Being Busy” [Parem com a glorificação do estar ocupado] e, ao pesquisar isso mais a fundo, me deparei com essa coletânea de ensaios do Bertrand Russel intitulada Elogio do lazer, que fazia campanha por uma semana de trabalho de vinte e uma horas. Isso poderia ser bastante interessante para nós, já que parecemos estar sempre tão ocupadas e estressadas. É apenas parte do nosso ritmo tentar lidar com nossa carga de trabalho, equilibrando nossa ética de trabalho e vida. (…) Achei que podia ser interessante para nós olhar para o desaprendizado de processos internalizados de ter que produzir resultados, resultados mensuráveis, de ser produtiva nesse sentido: ficar no escritório por oito horas e apresentar planilhas de Excel, planos de projeto, cronogramas e mandar e-mails. Existe essa oposição entre ter que ser produtiva versus fazer nada, em que fazer nada é considerado apenas improdutivo, ao passo que poderia, na verdade, ser bastante inspirador e elevar os espíritos. Você pode estar bastante cansada e aí não conseguir repensar as coisas porque tem que produzir o tempo inteiro.¹⁰

Nas reuniões e conversas seguintes, nós — a equipe e Annette — discutimos e levamos em consideração diferentes problemas envolvidos com o “estarmos ocupadas” e com as relações com nossos ambientes de trabalho que afetavam a todas nós. As conversas ganharam certo impulso numa ocasião em que alguém ouviu entendeu por engano o termo busyness (estar ocupada) em vez de business (negócios). Uma avaliação mais detida nos garantiu que se sentir ocupada não é apenas uma sensação banal de pressão que partilhamos por acaso. Busyness é a demanda constante por produtividade em termos de “comoditização”, incluindo produção e reprodução, e traz consigo um estado cada vez mais desagradável e muitas vezes nocivo. Nossa avaliação de hábitos institucionais de busyness e sua relação com o business revelou que estávamos interessadas nesses momentos de busyness, que são, na verdade, materializações do que entendemos como business — como a condição neoliberal da orientação por lucros e a inclusão de tudo no campo econômico, com sua força motora de otimização. Busyness, no sentido neoliberal, vem de processos sociais maiores que celebram essa condição e comparam seus efeitos a indícios de ser um cidadão produtivo com uma carreira bem-sucedida e uma vida social agitada. Artistas são ocupados. CEOs de grandes companhias são ocupados. Estudantes são ocupados. Banqueiros são ocupados. Ativistas são ocupados. Professores são ocupados. Mães são ocupadas. Até mesmo nossos filhos e avós são ocupados. A equipe do Casco também está sempre ocupada. Como podemos desaprender esse hábito de estar ocupado ou, como o chamamos, o busyness/business?”¹¹

Voltemos a Spivak. Ela afirma que os hábitos não podem ser desativados através da clássica reavaliação filosófica de um argumento e suas premissas. Em vez disso, ela argumenta em favor de um treinamento da imaginação, que deveria resultar em uma estética que “coloca em curto-circuito a tarefa de sacudir o hábito de não avaliar [as premissas]”¹². Esse curto-circuito estético surge quando são tecidas literatura, capacidade de leitura e intervenção política como modo de “treinar a imaginação para a performance e intervenção epistemológica”¹³. Para Spivak, isso envolve um “desfazer produtivo” que deve ser conduzido junto com as “falhas do fazer, sem acusação, sem desculpas, com vistas ao uso”¹⁴. Logo, no espírito evocado por ela, nós entrelaçamos nossa abordagem performativa e o estudo das estruturas afetivas de (im)possibilidades. Nesse sentido, o desaprendizado de hábitos institucionais tem uma trajetória dupla que envolve, por um lado, contínuas investigações discursivas e críticas, e, por outro, intervenções incorporadas, leitura estrutural¹⁵ e saltos imaginativos.

O potencial dessa trajetória dupla reside na própria vinculação de formas estéticas e sociais, possível pela ativação de um registro performativo; quer dizer, um entendimento da forma que fala para além do discurso da estética para conectar contextos estéticos, sociais e históricos. Essa forma estético-social ressoa no trabalho convincente da crítica literária Caroline Levine, que liga a forma à política, pois em sua visão a forma organiza não só obras de arte como também a vida política.¹⁶ De maneira similar ao Site for Unlearning (Art Organization), Levine articula uma ideia expandida de forma como “o trabalho da forma para criar ordem”¹⁷ através de disposições, configurações e distribuições específicas. Então, se a forma organiza não só a arte como também a vida política, ela organiza igualmente os modos pelos quais conhecemos a arte, a política e as instituições. Em contraste com esse plano de fundo, nos propomos a olhar para a nossa colaboração, para o trabalho no Casco e para o projeto de desaprender a partir de uma outra perspectiva, nomeadamente como formas de organizar. O Site for Unlearning (Art Organization) está, ao mesmo tempo, profundamente inserido num entendimento do institucional que é incorporado, performativo e orientado por processos, e tenta pressionar, reconsiderar e, no melhor dos casos, desaprender os próprios limites do que é forma e o que ela faz nesse contexto institucional específico. Nesse sentido, trata-se de um estudo de formas organizacionais para entender como a forma estética funciona na sobreposição e colisão de arranjos com outras formas políticas ou sociais, com o intuito de aprofundar processos de desaprendizado.

Desaprendendo o busyness/business

Os objetivos de nossas reuniões de duas horas que aconteciam quinzenalmente ou uma vez ao mês levantaram algumas questões: como poderíamos treinar a imaginação? Será que éramos capazes de produzir um curto-circuito estético? Desaprendemos a cultura do busyness/ business? Estávamos em busca constante de como e o que desaprender juntas. Sem solução dada de antemão nem métodos disponíveis, nós às vezes ficamos cansadas desse processo. Mas à medida que nos encontrávamos e estudávamos juntas, a busca e o questionamento constantes eventualmente nos levaram a quatorze exercícios¹⁸, que chamamos de exercícios de desaprendizado. Em certa medida, esses exercícios de desaprendizado instituíram logo no começo o que agora fazemos regularmente, dando início a um corpo de trabalho (de arte).

Entre os quatorze exercícios, alguns permaneceram como tentativas únicas, embora tenham se tornado importantes para nossas investigações de desaprendizado, seus desenvolvimentos e outras experiências conectadas. Por exemplo, “Rede de cuidado”, inspirado pelo Nanopolitics Handbook [Manual de nanopolítica]¹⁹, revelou relações profissionais e emocionais de interdependência dentro da equipe. Isso nos levou à atividade “Cor dos humores”, através da qual esperávamos endereçar e cuidar de algumas interações afetivas que estavam ocorrendo na nossa equipe. O afeto impacta imensamente as relações, mas é algo difícil de articular e expressar — mais até do que a emoção. “Diário do tempo” visava acompanhar nosso uso do tempo por uma semana. Embora possa parecer um método gerencialista para lidar com o tempo, no nosso caso esperávamos avaliar como a nossa gestão do(s) tempo(s) causa essa sensação de estar ocupada, na esperança de encontrar outras modalidades de tempo e ritmo rumo a algo que permitisse e encontrasse valor no chamado tempo “improdutivo de verdade”.

Outros exercícios de desaprendizado se tornaram engajamentos de longo prazo, incluindo organizar o tempo de “Leitura coletiva” para partilhar materiais de leitura relevantes e garantir uma “reunião” regular de equipe para permitir tempo o suficiente para conversas cara a cara. Outros exercícios de desaprendizado mais desafiantes e em andamento incluem “Autoria (coletiva)”, por meio do qual tratamos da política de citação e autoria, inclusive dentro do Site for Unlearning (Art Organization); “Relações de posse” foi um que causou mais resistência e desconforto ao grupo, incluindo a questão de como ele se relacionava com o processo de desaprender o busyness. Outras questões incluíam: o que cada uma de nós possui? O que possuímos coletivamente? O que a organização de arte possui de nós? Existe algum modo diferente de compartilhar? Bifurcando a partir disso veio “Bem-estar e salário”, o exercício em andamento e não resolvido de reconsiderar nossos sistemas salariais.²⁰

O processo de desaprender o busyness é de fato o processo de desaprender a lógica capitalista de relações em todas as facetas em direção aos comuns. A “impossibilidade” de desaprender é uma possibilidade reconhecida, considerando que a economia do Casco é excessivamente dependente de financiamento público, cujas medidas e expectativas não são tão diferentes do busyness praticados em outras áreas; no caso da arte, produto e lucro são medidos em números de visitantes e visibilidade. No entanto, e se essa própria impossibilidade for o que o capitalismo nos ensina? E se o mecanismo de aprender, como um acúmulo de conhecimento e habilidades, nos deixar aprender que o desaprendizado é impossível? Será que podemos tornar o impossível possível?

A limpeza como novo hábito

A limpeza coletiva semanal foi o exercício que mais se consolidou como novo hábito institucional. Às segundas-feiras, após a reunião semanal de equipe, todas limpam o escritório juntas. A limpeza do escritório, por ter sempre sido uma tarefa de grupo, nunca foi terceirizada; no entanto, vinha sendo feita sobretudo por algumas poucas pessoas da equipe. Um dia, duas das pessoas que costumavam fazer a limpeza mandaram um e-mail para o resto da equipe com um apelo para que se prestasse atenção a esse problema. O e-mail vinha assinado com a pungente crítica: “de suas adoráveis donas de casa”. Esse caso aconteceu no início do nosso período de colaboração e se tornou tema de uma das reuniões de desaprendizado. Uma ideia foi apresentada para tentar estabelecer a limpeza coletiva às segundas-feiras no mesmo horário como um exercício coletivo e regular de desaprendizado. Foi o que fizemos e continuamos a fazer.

Uma leitora pode se perguntar: mas vocês não são mais ocupadas? Nossa resposta é “não”. Nós nos sentimos menos ocupadas, mas certamente temos ainda mais trabalho por fazer. O hábito de desenvolver processos coletivos de trabalho seguindo o espírito dos comuns de fato toma muito mais tempo do que um processo hierárquico de trabalho e de tomada de decisão, ainda que não sigamos a lógica de tomada de decisões baseada em consenso. Isso tampouco garante que a decisão seja correta. Por mais que tenhamos instituições financiadoras que apoiam nosso engajamento em relação aos comuns e ao processo de desaprendizado, há outras que não entendem nossos esforços e prefeririam minar nossa prática de trabalho relegando-a ao domínio da invisibilidade. Ou, para contar a história de um ângulo diferente, a limpeza regular do Casco como um hábito, ato e gesto de microporte implica muito mais do que propõe sua escala — e talvez até mais, já que continuamos limpando mesmo quando nos deparamos com o desejo de adiar o trabalho, pois estamos nos sentindo ocupadas. A implicação dessa prática em curso envolve não só toda a organização, mas também a noção de arte como nosso foco primário. O que queremos dizer com isso?

A arte e a política do limpar

Aqui voltamos ao trabalho reprodutivo, ou ao trabalho doméstico e à manutenção, um tema familiar ao programa do Casco. O projeto de pesquisa de longo prazo Grand Domestic Revolution [Grande revolução doméstica] (GDR, 2010–12, em turnê como GDR Goes On [A GDR continua]) concentrou-se no trabalho doméstico como trabalho genderizado, racializado, invisibilizado, isolado e desvalorizado. A GDR trouxe para o programa obras como Women and Work [Mulheres e trabalho] (1973–75), de Mary Kelly com Margaret Harrison e Kay Hunt, e Nightcleaner [Empregada noturna] (1972–75), do Berwick Street Film Collective. O programa também apresentou Manifesto for Maintenance Art [Manifesto pela arte da manutenção] (1969), de Mierle Laderman Ukeles, que questionava radicalmente aquilo que é incluído quando se fala em vanguarda e arte conceitual, contestando a separação entre trabalho de arte e trabalho doméstico como algo artificial.

Trabalhando nessas fronteiras, o manifesto interroga formas de dominação e exclusão perpetuadas pelas relações hierárquicas entre manutenção e arte, e também entre manutenção e desenvolvimento. Nesse sentido, um grupo de trabalhadores da cultura, incluindo a equipe cambiante do Casco e Annette, formou o ASK! [PERGUNTE!]²¹, numa tentativa de alinhar-se ao movimento do pessoal da limpeza na Holanda e à luta contra a divisão internacional do trabalho. Naquela época, o movimento do pessoal da limpeza incluía o Sindicato Trabalhista Holandês (FNV) e o Sindicato de Trabalhadores Imigrantes Indonésios (IMWU) — a maioria dos integrantes do IMWU faz trabalho doméstico, embora sejam imigrantes sem documentação. Com o apoio do artista Andreas Siekmann, criamos uma série de pictogramas representando os trabalhadores domésticos como trabalhadores militantes, a serem aplicados como estêncil nas ruas junto ao lema do movimento de Trabalhadores Domésticos: “Trabalho doméstico é trabalho” ou “Reconhecimento e respeito pelo trabalho doméstico”.

Mesmo alguns anos depois do início do movimento de trabalhadores domésticos na Holanda, por volta de 2011, não houve nenhuma melhoria legal e, com isso, suas condições de trabalho — e de vida — continuam extremamente precárias. A exposição e as ações performativas de aplicação de estêncil da GDR terminaram, contudo, a limpeza se tornou um hábito nosso que permanece como um lembrete constante do estatuto do trabalho doméstico (de imigrantes) não só na nossa organização, como também num contexto social mais amplo. Trata-se de um lembrete de que as desigualdades sociais dominantes que perpetuam a estrutura colonial-capitalista continuam sendo cada vez mais racializadas e genderizadas. Diante desses lembretes constantes e embaraçosos, como podemos continuar “produzindo arte” da maneira como costumávamos concebê-la, especialmente se desejamos trazer arte para a sociedade dos comuns?

Falando como “nós” uma vez mais, vale ressaltar que não estamos sozinhas nessa questão. As teóricas feministas Kerstin Stakemeier e Marina Vishmidt alegam que a tensão entre a suposta autonomia da arte e a condição material subjacente é aguda. A autonomia, dizem elas, é uma prática que vem sempre imbuída e fincada na reprodução, ainda que seja estruturalmente “invisibilizada” para manter sua relação com o capital: “Os interesses modernos pela autonomia da arte tinham a ver com dissociar-se do trabalho produtivo, possivelmente para contrapor um mundo em que o trabalho mental e manual brutalizava alguns e idealizava outros”. A base para essa forma de autonomia foi “a utopia irrealizada da vanguarda como trabalho não alienado”, ao passo que o trabalho reprodutivo e de manutenção permaneceu alienado, resultando em sua atual existência dificultosa dentro do campo da arte.²²

Por uma instituição de arte que não é ocupada…

O exercício de desaprendizado “Reescrevendo um manifesto pela manutenção” é uma encenação de reescrita do manifesto de Ukeles. Ambos os manifestos se engajam com o fato de que, ao passo que o trabalho reprodutivo é muitas vezes simbolizado pela limpeza, não se trata apenas disso. No caso de instituições de arte, o trabalho reprodutivo também inclui, por exemplo, manter o espaço de trabalho, os arquivos e uma biblioteca, receber os visitantes com uma xícara de chá, cuidar de si mesma quando se está doente ou se sentindo para baixo, entre muitas outras relações, incluindo aquelas com artistas e trabalhadores domésticos imigrantes. Essas tarefas são agora reconhecidas como parte da nossa carga de trabalho junto com atividades como arrecadar de fundos, negociar comissões, gerir orçamentos, viajar, preparar, aprender, ensinar, fazer e colaborar. Aqui, os comuns não são apenas o tema, mas também o nosso guia para encontrar modos de trabalhar e instituir. Assim sendo, temos ainda mais trabalho e é difícil não ficar sobrecarregada pelo busyness. Talvez seja ainda mais difícil, pois quanto mais explícitas nos tornamos nas nossas intenções e no envolvimento com novas práticas dos comuns, mais numerosos são os olhares céticos que se concentram nos erros e contradições que podem vir a provar nossa visão como uma impossibilidade.

ASK! (Actie Schonen Kunsten), isótipos por Andreas Siekman para Reverse Graffiti Action (2012), parte do projeto Grand Domestic Revolution, organizado pelo Casco Arte Institute entre 2010 e 2012.

… à medida que outras formas de governança e expertise se desdobram

Em janeiro de 2016, tivemos a oportunidade de discutir alguns dos exercícios de desaprendizado com a geógrafa e economista feminista Kathrine Gibson, no contexto do fórum “Commoning Economy” [Rumo a uma economia dos comuns], realizado no Casco. Vínhamos enfrentando dificuldades com o modo que “Diário do tempo” e “Salário e bem-estar” estavam mais se parecendo com um método gerencialista de otimizar tempo, em vez da real intenção de avaliar como nossa gestão do(s) tempo(s) causa busyness na esperança de encontrar outras modalidades de tempo. Gibson vinculou o tempo e o busyness à noção de expertise e, nesse caso, à natureza cambiante da equipe do Casco, propondo um “tempo de treinamento cruzado” como nova modalidade por meio da qual organizações disponibilizam tempo para que integrantes de sua equipe possam “habilitar outras pessoas com suas próprias habilidades. (…) Trata-se de certa capacidade de reserva para que, quando necessário, essa capacidade possa ser usada”²³. Gibson observou que esse tempo, particularmente ausente no setor cultural, poderia ser um tipo de “medida de resiliência para o trabalho organizacional”²⁴ caso pessoas fiquem doentes ou deixem suas funções.

O “tempo de treinamento cruzado” também pode ser entendido de maneira mais radical, na medida em que uma meticulosa implementação estrutural dessa modalidade de tempo representa um desafio para o hábito de depender das competências e da expertise necessárias para sustentar um regime de produtividade e seus padrões temporais. De forma mais expandida, poderia ser encarado ainda como um passo rumo à articulação e prática de outra forma de governança e partilha de poder — uma forma de governança particularmente interessante no que diz respeito a se tornar comum. Isso responde a uma questão que nos surgia com frequência: por que seria importante nos encontrarmos pessoalmente, passar tempo juntas e estudar nossas condições de trabalho em conjunto quando, no lugar disso, poderíamos ler individualmente análises das condições de trabalho neoliberais? O estudo colaborativo em torno do business/busyness — em toda sua impossibilidade — pretende intervir na economia do tempo de modo a impedir a atração pelo lado business de uma instituição de arte e das próprias práticas artísticas. Esse desejo de intervenção aborda questões de governança e expertise, e coloca em evidência a tentativa de escancarar as hierarquias de produção (de conhecimento). É com base nisso que o estudo e a prática de caráter colaborativo são cruciais para o projeto de desaprendizado.

Por fim, questões de governança e expertise clamam por uma partilha de poder diferente e demandam debates sobre os comuns e as formas de coletividade. Seguindo uma conversa entre Mara Verlić e Stavros Stavrides sobre governança e os comuns, a reivindicação por uma regulamentação coletiva do poder é uma questão essencial em processos relacionados aos comuns. Relacionando-se à rotação de tarefas no movimento zapatista, em que pessoas constroem formas ou organizações para governar a si mesmas, Stavrides argumenta que a acumulação de poder “não é apenas uma questão de ética pessoal; precisamos ter mecanismos sociais concretos que impeçam o acúmulo de poder”²⁵. Numa guinada um tanto surpreendente, Stavrides confere às instituições um papel nisso, encarando-as não só como tecnologias normalizadoras no acúmulo de poder, mas enfatizando seus potenciais como supostas instituições limiares²⁶ por vir.

Essas contrainstituições estão baseadas na partilha de poder, na igualdade e na solidariedade e, portanto, prefiguram um futuro necessariamente de maneira diferente. Seus processos não podem ser implantados de cima para baixo; mas surgem por meio de experimentos práticos, que são e continuarão sendo, conforme ressalta Stavrides, contraditórios, ambíguos e bagunçados. Com um plano de fundo desses, o Site for Unlearning (Art Organization) trabalha rumo a um mecanismo que possa regular o poder (na instituição do Casco) coletivamente. Concomitantemente, se o desaprendizado e os comuns são dedicados a outras formas de coletividade e organização, a questão da governança (e da expertise) é crucial e deve ser confrontada. É isso o que talvez vejamos nos próximos caminhos determinados para o Casco enquanto “Casco Art Institute: Working for the Commons”, por mais contraditórios, ambíguos e bagunçados que eles possam ser.

Binna Choi é curadora e diretora do Casco Art Institute: Working for the Commons. Colaborou também na edição 1.019 do jornal Nossa Voz.

Annette Krauss é artista, escritora e educadora.

Tradução por Daniel Lühmann

Texto publicado originalmente na edição 1.020 do jornal Nossa Voz.
Acesse a publicação na íntegra aqui.

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Notas

¹ FRASER, Andrea. “An Artist’s Statement (1992)”. In: ALBERRO, Alexander (ed.). Museum Highlights: The Writings of Andrea Fraser. Cambridge: MIT Press, 2005, p.104.

² Como uma série de práticas curatoriais, arte-educativas e administrativas de meados dos anos 1990 ao início dos 2000, o “novo institucionalismo” consistia em tentativas de estabelecer formas alternativas de atividade em instituições de arte contemporânea (em sua maioria, de médio porte e sustentadas por fundos públicos). Isso resultou principalmente numa mudança de nível discursivo, “longe do enquadramento institucional de um objeto de arte como se praticava desde a década de 1920, com elementos como o cubo branco, organização de cima para baixo e público endogâmico”, o que ao mesmo tempo abriu as instituições para novas formas de gerencialismo e corporatização. Ver Lucie Kolb e Gabriel Flückiger, “New Institionalism Revisited”. Disponível aqui, acessado em 2 de junho de 2018.

³ O primeiro projeto de longo prazo do Casco, “The Grand Domestic Revolution” [A grande revolução doméstica] (201012), foi um trabalho central nessa direção.

⁴ FEDERICI, Silvia. “Feminism and the Politics of the Commons”. Disponível aqui, acessado em 2 de junho de 2018.

⁵ AGAMBEN, Giorgio. “The Highest Poverty: Monastic Rules and Form-of-Life”. Stanford: Stanford University Press, 2013. 6 Acabamos por descobrir que as novas instalações do Casco costumavam ser um convento que seguia a Terceira Ordem de São Francisco, uma história que nos conectou de maneira ainda mais próxima à nossa pesquisa.

⁷ Gayatri Spivak, The Postcolonial Critic, editado por Susan Harasym, Londres: Routledge, 1990, vii.

⁸ Gayatri Spivak, “Righting Wrongs”, The South Atlantic Quarterly, vol. 103 (2004): 523–81, 532.

⁹ A equipe variou de tamanho (de quatro a nove pessoas). Ao longo do período de colaboração, a equipe do Casco era composta por um grupo regular de seis a oito pessoas e dois estagiários remunerados. Além disso, de dois a três freelancers, incluindo Annette, estiveram conectados a fases específicas do projeto. Isso inclui as transcrições e os comentários contínuos sobre cada reunião, feitos por Whitney Stark e pela designer Rosie Eveleigh.

¹⁰ Essa citação é uma articulação inicial de uma de nossas primeiras conversas em 2014, gravada em áudio na época e transcrita como parte das reuniões do Site for Unlearning (Art Organization). Ela foi tirada de uma das quatro pequenas publicações de transcrições que produzimos para a exposição New Habits [Novos hábitos].

¹¹ Trecho do texto coletivo, feito pela equipe do Casco e Annette Krauss, Site for Unlearning (Art Organization). FISCHER, Lars & HIMMELFARB, Rachel (eds.). The Public School for Architecture. Bruxelas: Commom Books, 2015, pp. 101–23.

¹² SPIVAK, Gayatri. An Aesthetic Education in the Era of Globalization. Cambridge: Harvard University Press, 2012, p. 6.

¹³ Ibid., p. 122.

¹⁴ Ibid., p. 1.

¹⁵ O termo é aqui empregado no sentido de se tornar capaz de ler trajetórias estruturais entrelaçadas com nossas práticas cotidianas.

¹⁶ Ibid., p. 3.

¹⁷ LEVINE, Caroline. Forms. Whole, Rhythm, Hierarchy, Network. Nova Jérsei: Princeton University Press, 2015, p. 4.

¹⁸ O termo “exercício” encontra sua raiz etimológica na palavra latina exercere, que significa “manter-se ocupado” e conota seu uso em contextos disciplinares hierárquicos existentes, como instituições educacionais, instalações de treinamento esportivo (profissional) e militar, e assim por diante. Nosso objetivo é brigar com essa dupla vinculação do termo; daí a proposta da expressão “exercício de desaprendizado”.

¹⁹ “Rede de cuidado” foi inspirado por: PLOTEGHER, Paolo; ZECHNER, Manuela; HANSEN, Bue Rübner (eds.). Nanopolitics Handbook: The Nanopolitics Group. Nova York: Minor Compositions, 2013. Disponível aqui, acessado em 4 de abril de 2017.

²⁰ O exercício foi inspirado pelo capítulo “Take Back Property: Commoning”, de J.K. Gibson-Graham, Jenny Cameron e Stephen Healy, em: Take Back the Economy: An Ethical Guide for Transforming Our Communities. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2013, pp. 125–58.

²¹ Os integrantes do ASK! experimentaram tornar visíveis as condições e demandas do “trabalho invisível” de trabalhadores domésticos na Holanda, ao passo que também refletiam sobre nossas próprias “condições domésticas” no setor cultural. Ver: LÜTTICKEN, Sven. “Social Media: Practices of (In) Visibility in Contemporany Art”. Afterall, vol. 40, outono-inverno de 2015. Disponível aqui, acessado em 3 de junho de 2018.

²² STAKEMEIER, Kerstin & VISHMIDT, Marina. Reproducing Autonomy. Londres: Mute Publishing, 2016, p. 46.

²³ A partir de transcrições da gravação de áudio “Wage and Well-Being Workshop”, 18 de janeiro de 2016, arquivos do Casco. 24 Ibid. 25 STAVRIDES, Stavros & VERLIC, Mara. “Crisis and Commoning: Periods of Despair, Periods of Hope. BALDAUF, Anette et al. (eds.). Spaces of Commoning, Artistic Research and The Utopia of the Everyday. Berlim e Viena: Sternberg Press, 2017, p. 56. 26 Ibid., p. 54.

— Partes deste texto foram publicadas em How Institutions Think: Between Contemporary Art and Curatorial Discourse [Como pensam as instituições: entre arte contemporânea e discurso curatorial], editado por Paul O’Neill, Lucy Steeds, Mick Wilson (2017), e em Sites for Unlearning: On the Material, Artistic and Political Dimensions of Processes of Unlearning [Locais para desaprender: sobre as dimensões materiais, artísticas e políticas do processo de desaprendizado], de Annette Krauss (2017). — Foram retiradas algumas notas de rodapé que se referiam à publicação Unlearning Exercises: Art Organizations as Sites for Unlearning (2018, Valiz com Casco Art Institute: Working for the Commons), da qual este texto é o prólogo. As citações foram feitas pelo tradutor do texto (NdE).

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