Como construir uma Organização Centro Vazio

Tropeços e reviravoltas no caso da Associação Nossa Cidade

Renato Orozco
Nossa Cidade
Published in
8 min readMay 24, 2016

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Como construir organizações que realmente funcionam no Século XXI para a Grande Virada? Quais tipos de organizações podem realmente possibilitar projetos bem sucedidos, que empoderam seus membros, constroem comunidades e trabalha a serviço da Terra? Quais as estruturas organizacionais podem ser tão inspiradoras que estimulem milhares de novas iniciativas em todos os níveis da comunidade?

Com esses questionamentos, John Croft, fundador do Dragon Dreaming, apresenta seu texto sobre a Organização de Centro Vazio.

Organizações de Centro Vazio (OCV) são organizações não hierárquicas, com estrutura de decisão horizontal e ação autônoma e empreendedora, sendo executadas de forma descentralizada pelos participantes.

Em uma OCV, não há uma pessoa no centro da organização, e sim valores (princípios) e intenções (missão e visão). Os membros atuam de forma autônoma e interligada para cumprir o objetivo comum.

As OCVs diferem de uma organização tradicional pela ausência de hierarquias e liberdade de ação, dentro de limites pré-estabelecidos pelo grupo. As OCVs diferem de um movimento por estarem as partes interligadas entre si, trabalhando em cooperação e compartilhando valores uns com os outros.

Em uma OCV, a energia está na “periferia”, em projetos independentes dos membros. Projetos estruturadores podem ser criados, também na periferia, para apoiar os demais projetos do grupo.

O que possibilita a cooperação entre os grupos são os valores e objetivos comuns, além de um sistema pré-estabelecido de comunicação e tomada de decisão.

O caso da Associação Nossa Cidade

Assembléia Geral da Nossa Cidade, que aprovou o novo estatuto em Janeiro 2016

Em Setembro de 2014, fundamos a Associação Nossa Cidade com a clara intenção de ser uma OCV. Hoje somos uma associação com 141 membros de 36 cidades diferentes, congregando líderes comunitários, , fornecedores de tecnologia social, educadores, voluntários e filantropos.

Na Nossa Cidade, a visão e missão são:

Visão: Ser o principal parceiro de pequenas cidades em sua busca de prosperidade e transformação social.

Missão: Empoderar comunidades, profissionais e lideranças, fomentando a descoberta e compartilhamento de conhecimentos, talentos e recursos, para gerar melhoria de qualidade de vida.

Para cumprirmos com o propósito da organização, construimos uma OCV (veja Estatuto e Regimento Interno) com:

  1. Uma estrutura decisória (Assembléia Geral e Conselho de Líderes) com decisões regidas por Consenso (não há objeções não discutidas nem opiniões soberanas para uma decisão);
  2. Os associados formam grupos autônomos e auto-geridos que atuam de forma independente mas conectados com o resto da associação. Eles desenvolvem atividades nas cidades (núcleos locais), grupos de estudo, iniciativas e atividades.
  3. Programas independentes e autônomos são formados, com todos os direitos autorais e de propriedade reservados para os associados responsáveis pelos seus respectivos empreendimentos.
  4. O Conselho de Líderes, responsável pela tomada de decisão, é formado pelos membros mais engajados da Nossa Cidade.
Missão, Visão e Valores estão no centro da OCV.

É interessante notar que os programas independentes, iniciativas e atividades, grupos de estudo e núcleos locais funcionaram, de forma geral, com extremo sucesso!

São diversos projetos e iniciativas bem sucedidas, que tem funcionado continuamente na “órbita” da Associação Nossa Cidade. São iniciativas como a Awesome Foundation MG, Ouro Branco 2030, Divinópolis Sustentável, Gerasol-BH, CSA Nossa Horta e CSA Minas, criadas e geridos por associados, 100% autônomas, que independem da Nossa Cidade para sobreviver e que tentamos apoiar (e nem sempre conseguimos) com recursos, talentos, conhecimento, infraestrutura e divulgação, além de conectarmos a própria rede de transformadores sociais a eles.

Da esquerda no alto, em sentido horário: Chá com Saber “Jardins e Hortas Urbanas”, Reunião de Trabalho para construção do jogo “Reviravoltas Locais”, Dragon Dreaming em Lavras Novas, Entrega do prêmio do mês de Abril pela Awesome Foundation Minas Gerais, “Caravana Nossa Cidade” em Divinópolis.

Embora o que conquistamos coletivamente nos encha de orgulho, eu fico com o gostinho que poderíamos muito mais e sobre qual o valor que a Nossa Cidade traz para isso tudo. Decerto algumas das atividades poderiam ter acontecido com o mesmo grau de sucesso se não existisse a Nossa Cidade.

Então, como conseguir que esse impacto seja verdadeiramente do tamanho de nossos sonhos?

O que deu errado

A dificuldade maior esteve relacionado ao funcionamento da diretoria, comissionada com a construção de projetos estruturantes, que tivessem como objetivo ajudar às atividades de projetos vinculadas à Nossa Cidade a atingir seu potencial pleno.

Ao longo de 2015, tentamos diversas configurações a fim de criar um ambiente organizacional horizontal, não hierárquico, eficiente e inspirador.

Falhamos na maioria dessas tentativas:

  1. tentamos atuar por meio de diretorias atuando na área meio e de apoio ao associado;
  2. oferecemos ajuda de custo para associados dispostos a atuar como ponto focal para a organização de equipes de trabalho;
  3. tentamos dividir as ações em pequenas atividades mais leves, a fim de tornar as mesmas sustentáveis para o grupo;
  4. formamos grupos de trabalho que deveriam se encontrar quinzenalmente;
  5. tentamos encontros presenciais, por hangout, whatsapp e ferramentas como basecamp e slack.

Causas dos Fracassos

A causa óbvia e direta para a dificuldade que tivemos chama-se falta de engajamento e é comum a diversas organizações sociais parceiras com que interagimos.

Parece que tudo mundo está vivendo uma situação crônica de falta de tempo. Eu pessoalmente acredito que esse é um dos grandes males da sociedade moderna.

Como foi que a vida ficou tão complicada a ponto de não termos tempo para as coisas que consideramos preciosas?

Na prática, isso gerou problemas de rotatividade excessiva na equipe, compromissos assumidos não sendo levados a diante, desgastes no relacionamento da equipe pois passamos a viver emoções relacionadas à culpa, cobrança, frustração e abandono.

Mesmo tentando implantar uma OCV, sofremos do que John Croft já precognizava para organizações tradicionais:

“Da mesma forma, em uma organização tradicional sem fins lucrativos top-down, centro-periferia, baseada no “poder sobre”, o esforço para encontrar novos membros da diretoria é contínuo e interminável, consumindo muita energia que poderia ser utilizada em outros lugares. No setor social, onde diretorias são compostas de voluntários, sugando energia da periferia para a estrutura centralizada é tão pesado que membros da diretoria eventualmente sofrem de esgotamento e “sangue novo” é constantemente necessário.”

Buscando a causa para a falta de engajamento/tempo, consigo identificar três causas mais profundas que se relacionam com essa primeira: somos pessoas desalentadas, indivualistas e acostumadas com sistemas hierárquicos.

Somos pessoas desalentadas.

As crises que passamos em nossas vidas — conjugal, saúde, financeira, emocional — foram certamente a maior barreira para fazermos as coisas acontecerem. Somos pessoas com boas intenções e desejosos de transformação social no mundo, mas essencialmente somos pacientes nesse grande hospital chamado mundo. Como fazer um movimento social para pessoas desalentadas?

Concluo que para gerarmos transformação social e cuidarmos de nossas cidades, precisamos cuidar de nós mesmos primeiro!

Somos individualistas

Várias pessoas buscando ajuda, mas poucos associados dispostos a co-construir as condições para que essa ajuda fosse abundantes para todos.

Vivemos em uma sociedade individualista, que valoriza soluções individuais ao invés do trabalho coletivo.

Escrevo isso simplesmente para apontar que fomos ensinados a agir dessa forma durante toda a nossa vida. O problema está mais na expectativa (irreal) de que vamos trabalhar para os projetos dos outros quando estamos todos acostumados a cuidar de nossos próprios projetos.

Concluo que devemos baixar a expectativa.

Dar tempo para que a cooperação ocorra nturalmente, sem necessidade de nos afobarmos quanto a ela. Criar uma organização com espaço para — mas sem expectativa de — que os membros se ajudem.

Somos (éramos) uma Organização de Centro (Não) Vazio

Embora a nossa intenção fosse a criação de uma OCV, na prática, eu, como fundador e presidente, permaneci como pessoa de referência e dessa forma me tornei um gargalo para a organização.

Toda a demanda por novas ações, adesão de novas cidades, pedidos de informação, etc, naturalmente gravitam em minha direção.

Isso torna a Nossa Cidade insustentável como organização e como projeto pessoal.

Em diversas ocasiões sugeri sair desse lugar, e associados me pediram para permanecer, temerosos sobre a consequencia para a organização. Mas se realmente desejamos uma OCV, é essencial que novas lideranças ocupem esse espaço.

Na nova configuração de nossa OCV, a liderança passa a ser descentralizada.

Um passo a mais na direção de Organizações de Centro Vazio

Com as mudanças advindas do novo estatuto e regimento interno da Nossa Cidade, pretendemos testar um novo modelo para OCV e assim desburocratizar, descentralizar e horizontalizar o nosso coletivo.

A diretoria passa a ser a guardiã apenas da burocracia, finanças e estrutura minima de nossa organização.

A partir de agora, o associado poderá se vincular como líder, coordenador ou colaborador, recebendo treinamento para cada um desses papéis com liberdade maior ou menor para empreender projetos e utilizar os recursos da Nossa Cidade. Na prática, seremos vários líderes compartilhando a construção coletiva da Nossa Cidade.

Um website plataforma será construido para facilitar a comunicação entre os associados e caminharemos cada vez mais para atuarmos como uma federação de movimentos e tecnologias para o desenvolvimento local ao invés de organização executora de ações.

Com essas alterações, sinto que caminhamos para criarmos uma Organização de Centro Vazio — não hierárquica, integrada, empreendedora, e cheia de energia — que tanto desejamos.

Agradecemos se puder nos dar sugestões e comentários (abaixo) e convidamos você a se conectar com o nosso grupo por meio do site, facebook, informativo ou email contato@nossacidade.net

Renato Orozco — É empreendedor social, fundador e presidente da Associação Nossa Cidade e curador da Awesome Foundation Minas Gerais.

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PS2: Agradecimentos às associadas da Nossa Cidade, Lizandra Barbuto, facilitadora de Dragon Dreaming e que tem guiado a Associação Nossa Cidade na construção de nossa OCV e a Jussara Rocha, empreendedora social da Raízes Desenvolvimento Sustentável, que escreveu a última versão de nosso regimento interno.

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Renato Orozco
Nossa Cidade

Empreendedor Social na www.nossacidade.net, www.awesomefoundation.org e www.idealist.org - eu escrevo sobre empoderamento comunitário e um mundo melhor.