O que Harvard aprendeu na Nossa Cidade?

Renato Orozco
Nossa Cidade
Published in
5 min readJul 29, 2018

Descobertas de 4 anos de estudo sobre empreendimentos sociais.

5 anos de pesquisa da Harvard/Echoing Green sobre a Nossa Cidade (e outras centenas de organizações)

Em 2013, quando a Associação Nossa Cidade ainda era um programa piloto, sem ter muito claro se seria um negócio social, organização sem fins lucrativos ou uma organização híbrida, concorremos ao programa do Echoing Green, que ajuda empreendimentos sociais em seus primeiros anos de vida.

Não fomos selecionados, mas desde 2013 tenho sido convidado a participar de uma pesquisa.

As perguntas são sobre nosso nível de atividade, modelo de atuação, receitas e despesas, fontes de financiamento, quantidade de pessoas envolvidas, impacto social, etc.

Além da Nossa Cidade, centenas de organizações de mais de 100 países têm participado dessa pesquisa.

Como resultado, foram publicados esse, esse, esse e esse artigo, além de uma entrevista de rádio, em publicações ligadas a Harvard, Stanford e MIT.

Então, sem mais enrolação, eis as descobertas:

É preciso de uma vila para criar um Empreendedor

“É preciso uma vila para criar uma criança” é um ditado africano que significa que é necessário uma comunidade inteira, interagindo com uma criança, para que a criança cresça em um ambiente adequado.

O mesmo pode ser dito para um empreendedor social.

A pesquisa descobriu que quase 50% das inscrições no programa Echoing Green tinham um modelo organizacional híbrido. Isso quer dizer que as organizações não eram, nem integralmente empresas, e nem ONG’s.

O modelo híbrido é o que é chamado de “negócio social”, uma empresa com fins lucrativos e social ou uma ONG com grande parte de sua receita vindo da prestação de serviços ou venda de produtos que gere excedente financeiro, reduzindo a dependência de doações.

Um dos maiores achados da pesquisa é que essas organizações, embora teoricamente terem o melhor de ambos os mundos, não possuem vida fácil.

As organizações híbridas, ao contrário de empresas e Ongs tradicionais, sofrem por não ter um ecossistema formado e pronto a ajudá-las a crescerem e prosperarem.

Oportunidades e Desafios das Organizações Híbridas

Sim, a Nossa Cidade é uma organização híbrida.

Tem um lado associativista, sem fins lucrativos e dependente de contribuição dos associados, chamada Associação Nossa Cidade. Mas tem também uma dimensão que atua como negócio social, prestando serviços e obtendo lucros, ao mesmo tempo em que causa impacto social, que é a Nossa Cidade Solutions.

Organizações híbridas trafegam entre as fronteiras de ONG e empresa, colocando impacto social à frente dos lucros, ao mesmo tempo que mantêm uma estrutura e forma de atuação típica de empresas.

Um dos pontos citados (nessa entrevista) é a dificuldade das organizações híbridas em manter o foco em sua missão social, navegar a burocracia (já que não há uma definição jurídica própria para essas organizações ) e até mesmo comunicar aos seus beneficiários, clientes e colaboradores sobre sua natureza e forma de funcionamento.

Em busca do modelo híbrido ideal.

O artigo no Stanford Social Innovation Review (SSIR) discute a busca por um modelo híbrido ideal para o empreendedor social.

Na Associação Nossa Cidade, encontramos nosso modelo nas Organizações de Centro Vazio (OCV), que permitem explorações com ou sem fins lucrativos, de uma forma descentralizada. Estamos registrados como organização sem fins lucrativos e atuamos com algumas empresas (negócios sociais) que participam de nosso ecossistema como programa independente ou parceiro em projetos.

De certa forma, tivemos os mesmos desafios que as organizações híbridas:

#1 — Estrutura jurídica

Registrar como associação ou como empresa? Existem vantagens e desvantagens em ambas. Uma solução que tem sido adotada é a de criar duas organizações paralelamente. Nesse modelo, a ONG possui ações da empresa; estrutura que permite à ONG manter o controle das atividades empresariais, protegendo assim sua missão social.

Na Nossa Cidade, criamos duas organizações (associação e distribuidora de tecnologia social) sendo que a segunda está incubada dentro da primeira.

#2 — Financiamento

Existem relativamente poucas fontes de financiamento para organização híbrida pois muitas vezes ela encontra as portas fechadas para o investimento anjo e de venture capital, por não oferecer lucro suficiente aos investidores. Além disso, também não consegue acessar recursos filantrópicos por não ser uma ONG sem fins lucrativos.

Na Nossa Cidade, a principal fonte de financiamento vem dos próprios associados, que pagam anuidade e contribuem para a organização.

Mas conseguimos também nos capitalizar com outras fontes como captar recursos de edital, prestação de serviços, empréstimos e comodatos e sobretudo mantendo uma estrutura leve, descentralizada.

#3 — Clientes e Beneficiários

Empresas tradicionais têm clientes como consumidores enquanto ONGs têm beneficiários como consumidores. Organizações híbridas quebram essa lógica pois o cliente é também o beneficiário e o consumo resulta tanto em lucro como impacto social, de modo que a identidade entre cliente/beneficiário desaparece.

Na Nossa Cidade, fomos um pouco além nisso. O beneficiário é também o cliente que é também o dono. Cada um oferece o que tem de melhor e consome o que precisa. E todos são donos por serem associados.

#4: Cultura Organizacional e Desenvolvimento de Talentos

Esse desafio tem a ver com o possível paradoxo entre buscar lucros e impacto social. Para algumas organizações, esses dois pontos são bem integrados devido ao design organizacional. Porém, na maioria das vezes, há um conflito em que um desses objetivos se sobrepõe ao outro.

Na Nossa Cidade, cabe a cada um dos membros encontrar seu equilíbrio. E cabe à associação, como um todo, escutar os anseios das pessoas e construir um ambiente que seja equilibrado e permita engajamento com sustentabilidade.

Refletindo sobre os últimos três anos, temos caminhado cada vez mais para um modelo que prioriza impacto social e esse reposicionamento não foi sem consequência. Muitos dos membros, alguns até fundadores, que tinham maior interesse na geração de negócios, acabaram por naturalmente se afastar da associação ao longo do tempo.

Me parece que estamos mais ligados ao conceito de economia solidária do que negócio social.

O futuro das organizações híbridas

Com as instituições (empresas e ongs) desacreditadas, seriam as organizações híbridas um modelo para a humanidade? Seria o que estamos plantando na Nossa Cidade, um modelo a ser copiado?

Somos um balão de ensaio, com uma proposta corajosa e humanista, para um sistema capitalista que já não faz sentido. Validar esse modelo exigirá liderança e persistência. As possibilidades são reais, mas muito caminho ainda precisa ser percorrido.

Renato Orozco é idealista, empreendedor social , fundador e presidente da Associação Nossa Cidade, diretor-executivo do Nossa Cidade Solutions e curador da Awesome Foundation Minas Gerais.

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Renato Orozco
Nossa Cidade

Empreendedor Social na www.nossacidade.net, www.awesomefoundation.org e www.idealist.org - eu escrevo sobre empoderamento comunitário e um mundo melhor.