O que é o Nosso Sangue?

Maria Clara Serpa
Nosso Sangue
Published in
4 min readOct 24, 2020
Ilustração: Aline Alonso (@mexiricada)

Se eu dissesse a Maria Clara de alguns anos atrás que estaria escrevendo um livro sobre menstruação, tenho certeza que ela não acreditaria. O livro ainda vai ser editado, mas devido a pandemia de Covid-19 e todas as restrições que esse ano nos impôs, resolvi fazer um blog com minhas pesquisas e os relatos que coletei para, em 2021, editar o livro impresso ou e-book.

Assim como a maioria das meninas do meu círculo social, por muito tempo vi a menstruação como um tabu, um assunto muito desconfortável até de ouvir falar. Digo meninas porque, até então, era senso comum de que menstruação era coisa de mulher. Agora, é importante relembrar, além de nós, mulheres cis, alguns homens trans, pessoas não-binárias e intersexuais ou queer também podem fazer parte dessa discussão. A minha história com meu sangue não deve ser muito diferente da de ninguém. Inclusive, não posso ser injusta, porque sei que tive muita sorte em ter uma mãe que sempre foi muito aberta para falar sobre todos os assuntos comigo.

Quando, em um dia qualquer de 2019, resolvi tentar relembrar como havia sido a minha história com a minha menstruação até então, não entendia muito bem o porquê de isso ter sido um assunto intocável por anos, já que sempre tive abertura dentro de casa. Cheguei à conclusão de que a “trava” dentro de mim era algo muito maior, algo que vinha da sociedade. Para falar, entender e aceitar nossa menstruação precisamos de proximidade, apoio e segurança, coisas que eu tive desde pequena, mas tenho completa noção de que essa não é a realidade de grande parte das pessoas que menstruam.

Desse dia em diante, essa discussão começou a fazer parte de mim. Quanto mais pesquisava, mais tinha curiosidade para saber como outras pessoas lidavam com seus ciclos todos os meses. Conforme fui me inteirando, sinto que minha relação mudou e se tornou algo muito mais natural e leve, mas, obviamente, é um processo constante, dia a dia.

A ideia de dedicar meu Trabalho de Conclusão de Curso a esse tema não foi uma escolha clara, nem óbvia para mim, apesar de já fazer uns meses que lia muito sobre menstruação, ciclos femininos e algumas práticas da ginecologia natural. A ideia só veio depois de assistir a série Nada Ortodoxa, da Netflix, e ver como a menstruação era tratada em uma sociedade hassídica (um movimento dentro do judaísmo ortodoxo). Apesar de ter alguma ideia de que, em algumas religiões ou comunidades mais tradicionais, a mulher menstruada era vista como impura e era impedida de realizar determinadas atividades enquanto estivesse sangrando, não imaginava que fosse algo tão forte. A personagem principal da série sequer sabia do que se tratava a menstruação quando teve sua menarca e, quando se casou, precisava ficar longe do seu marido enquanto estivesse menstruada, além de não poder nem cozinhar. Depois dessa semana, precisava fazer quase um exame íntimo para ter certeza de que estava “limpa” e, então, poderia voltar à “vida normal”.

Assisti à série inteira em uma madrugada e o enredo de forma geral e, especialmente, a forma como a protagonista era vista como impura me despertou uma vontade imensa de ouvir diretamente de mulheres com vidas diferentes da minha, como a menstruação era vista, sentida e vivida por elas e por aqueles que estavam à sua volta.

Assim, surgiu a ideia deste blog, especialmente porque sempre pensei em usar meu TCC como forma de aprender e, neste caso, como uma maneira de também melhorar minha própria relação com meu próprio corpo e explorar todas as potências que tenho como mulher. Como disse, para conseguirmos nos sentir confortáveis para poder falar de menstruação, na minha visão, precisamos ter abertura e proximidade. Em um primeiro momento quando estava esquematizando o blog, não queria colocar a minha história ou a minha experiência aqui. A ideia era de me manter apenas como narradora observadora, mas acredito que desta maneira consigo me sentir ainda mais confortável para discorrer sobre o assunto e, quem sabe, você também se sinta mais confortável para ler. Como a intenção é aproximar e conseguir, mesmo que um pouquinho, tornar a menstruação algo mais natural, senti que preciso me colocar como parte da história.

Também devido a essa vontade de trazer proximidade, escolhi o nome Nosso Sangue. Nosso, porque ele é de todas e todos nós, pessoas que menstruam, e porque, apesar das diferentes interpretações acerca deles, em sua essência, ele é igual para todos. Além do meu relato e de outras cinco histórias de pessoas bem diferentes — uma mulher católica, uma judia, uma muçulmana, uma ateia e feminista e um homem trans –, quis ampliar o projeto e, então, aqui no blog, você também encontrará conteúdos sobre o ciclo menstrual a partir de uma visão médica, a visão de alguns povos ao redor do mundo e de civilizações antigas acerca da menstruação, informações sobre precariedade menstrual e ginecologia natural. Espero que, depois de ler, você, menstruante ou não, tenha aprendido um pouco e, quem sabe, quebrado alguns dos tabus que tinha a respeito do assunto. Seja bem-vinda ou bem-vindo.

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Maria Clara Serpa
Nosso Sangue

Jornalista formada pela PUC-SP com experiência em jornalismo de moda, beleza, estilo de vida e redes sociais.