Levem-me de volta para a zona de conforto

Nostalgia e Pandemia
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5 min readJul 12, 2020

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Já pensou em voltar ao passado? Reviver uma “época boa” onde os problemas eram aparentemente menores dos que os de hoje? E se te disséssemos que essas ideias não estão tão distantes da realidade?

Escreveram Fernanda Lizzi, Luiz Eugênio de Castro e Mayara Dias. Supervisão da professora Ana Lúcia Vaz, Jornalismo, UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

Máquinas do tempo, buracos de minhoca ou universos paralelos. Quem nunca ouviu pelo menos algum desses termos ao assistir a um filme sobre viagens temporais? Dentro da ficção, temos incontáveis exemplos como “Donnie Darko” (2001), “17 Outra Vez” (2009) e “O Exterminador do Futuro” (1984). Mas e quando isso se aplica ao mundo real? O que “voltar ao passado” significa fora das telas de TV?

O período da quarentena tornou-se um momento em que o espaço e o tempo ficaram estagnados. Com o intuito de afastar o pessimismo do momento atual e as incertezas do futuro, o conforto dos pensamentos parou em um passado completamente idealizado. Dados do grupo Consumoteca mostram que 67% dos 2 mil brasileiros entrevistados recorreram a reprises de filmes e programas de TV. Observou-se, também, um aumento na procura de músicas antigas por usuários do Spotify e Deezer. Segundo Alpha Data — plataforma utilizada pela Rolling Stone Charts — músicas como “Rise Up”, de Adria Ray, “Don’t Stand So Close To Me”, do Police e o clássico “It’s The End Of The World As We Know It”, do REM, tiveram um acrescimento no número de streams.

O que não volta mais

Julianna Dias, psicóloga de 27 anos, explica esse movimento nostálgico em um cenário conturbado de pandemia. “Nós somos feitos de interação. Precisamos dessa interação social porque é onde acontece as nossas maiores emoções, sozinhos não conseguimos criar vínculos emocionais. Então, é esse momento, onde podíamos abraçar, tocar uns aos outros, que vai marcar, vai trazer a ilusão de que o ontem foi melhor, foi perfeito. Na verdade, você esconde as dificuldades do ontem e supervaloriza esse tempo, em prol de um conformismo”. Em um contexto de isolamento social, sem a possibilidade de convívio com outras pessoas, a “fuga” do presente atípico se torna uma opção para muitos.

Foto: Jullyana Barreto

Entrevistamos alunos do curso de jornalismo da UFRRJ e foram relatados os efeitos da nostalgia na realidade de cada um. Victória Santana, 18 anos, costuma relembrar momentos pela sua galeria de fotos. “Fico recordando dos meus sentimentos na época mas, ao mesmo tempo, fico triste porque não é uma coisa que vai voltar, ou que vai acontecer agora”. Já para Isabelle Oliveira, de 26 anos, reviver certos momentos é uma tarefa muito complicada. Ao assistir vídeos, gravados por ela mesma, de um show da cantora Pitty, se sentiu angustiada. “Apesar de ter sido um dia muito incrível e eu ter me divertido demais, hoje, rever isso me deixa totalmente desconfortável, já que não posso mais me aglomerar nem abraçar ninguém”. Ela ainda comentou sobre um episódio em que se espantou com um abraço inesperado. “Eu não sabia o que fazer! Quando foi a última vez que abracei alguém de fora do meu convívio?”.

Até onde isso é saudável?

É inegável que as memórias fazem parte da vida de qualquer ser humano, mas precisamos saber selecioná-las. É importante ter uma noção do que nos é positivo e do que pode vir a ser uma obsessão. Com um viés psicológico, Julianna aborda essas possíveis consequências negativas. “O anormal é quando isso paralisa a pessoa de alguma forma, entrando em um sistema dependente, como uma droga. É uma busca inalcançável por uma sensação de prazer que já aconteceu. Quando você chega nesse ponto é prejudicial à saúde, principalmente se já tiver um quadro depressivo”. Por isso, a psicóloga enfatiza a importância de focar no agora, para que se busque perspectivas futuras positivas.

Novas memórias

O aluno Thallys Matheus, 20 anos, nos conta como é o processo de construir seu local de conforto, ao contrário da maioria dos entrevistados, focado no presente. “Tento não me prender ao que já foi e focar na criação de um ambiente saudável para meus avós, ouvindo música e vendo filme juntos, estando em harmonia com eles e tudo mais. É importante nos conectar com o lugar e tempo que estamos agora, criando novas memórias”, explica.

Ao longo de quase 2 horas de debate, diversos outros tópicos foram abordados como, por exemplo, a “comercialização” da saudade, em que teorias sobre pré-seleções do que assistimos podem ser intermediadas pela mídia televisiva dominante. “É como se soubessem que reprisar certas coisas pode acarretar em mais lucro, trazer audiência.” diz Pedro Henrique Cabo, 20 anos. Além disso, novas percepções acerca de sucessos cinematográficos “intocáveis” também foram comentados. Isabelle nos conta que não vê com os mesmos olhos o filme pelo qual, um dia, já foi sua “zona segura” e que isso é natural “Já que a gente não tem muita perspectiva do que vai acontecer na nossa realidade, me agarro a coisas que já conheço o início, meio e fim, tipo a saga ‘Crepúsculo’. Mas ao mesmo tempo, minha interpretação crítica sobre os filmes mudou por conta da minha maturidade”, confessa.

Foto: Luiz Eugênio de Castro

A conversa expôs diversas opiniões baseadas em vivências completamente individuais. Enquanto Pedro, por exemplo, afirma o “pavor em assistir novelas antigas”, Lucas Andrade, 21, sente-se nostálgico e adora rever obras fictícias que o remetem à infância, tal como Poliana Ferreira, 19, que constantemente reassiste a filmes favoritos como uma tática de fuga da realidade atual.

A questão é que não existe uma fórmula específica para buscar o tão citado “lugar de conforto”. Cada um, dentro da sua experiência e bagagem social, tenta se reinventar para superar os tempos sombrios de pandemia. O problema é que, por serem tempos novos, há esse fortalecimento do saudosismo. Resta saber como achar o equilíbrio entre passado e presente, buscando atingir e entender a zona de conforto.

Foto: Fernanda Lizzi

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Projeto textual de Fernanda Lizzi, Luiz Eugênio de Castro e Mayara Dias, alunos de jornalismo da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).