A crise na Saraiva e a modernidade nas páginas dos livros

Editoras enfrentam crise no mercado de livros e futuro incerto

Guilherme Lacerda
MeuRio

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Uma das livrarias mais antigas e tradicionais do Brasil e que tem presença marcante em shoppings, regiões comerciais e aeroportos de grandes cidades brasileiras entrou em uma profunda crise, fechando diversas lojas por todo o país desde 2018. No Rio de Janeiro, atualmente, a rede dispõe de somente 4 unidades na Região Metropolitana: NorteShopping, Recreio Shopping, Plaza Shopping Niterói e Shopping Nova Iguaçu. Nesse ano, já deixaram de existir as lojas no RioSul, em Botafogo, na Zona Sul, e do Ilha Plaza na Ilha do Governador.

Dois anos atrás, a Saraiva ainda era uma das maiores livrarias em nosso território, com mais de cem lojas espalhadas por todo o país. Porém, hoje conta com uma dívida de pouco mais de R$ 595 milhões e em recuperação judicial, assim, a empresa propôs o fechamento de 44 das 57 lojas abertas para pagar parte do que se deve, mas, com os prejuízos econômicos da pandemia, as receitas brutas caíram em 83% comparando com 2019.

Saraiva no Rio Sul em Botafogo fechou este ano, shopping ficou sem livraria / Foto: diariodorio.com

Entenda a crise

De 2000 até 2017, o preço médio dos livros caiu 8%, enquanto a inflação subiu em torno de 50%, mas os verdadeiros motivos dessa crise interna ainda são mais profundos e explodiram em uma recuperação judicial em novembro de 2018. No pedido de recuperação, a Saraiva Livreiros Editores declarou ter dívidas que somam R$ 675 milhões, com o processo de recuperação passando por fechamento de lojas e demissão de funcionários.

No entanto, há dúvidas sobre se os credores estarão dispostos a aprovar o plano. É um grupo formado por shoppings, editoras e, do lado financeiro, o Banco do Brasil. A proposta prevê a hipótese de os credores assumirem as lojas, o que no momento é improvável.

Ações da Saraiva começaram a despencar em 2014

A companhia já teve a recuperação judicial homologada, mas não conseguiu cumprir com o plano, que já era considerado muito prejudicial aos credores por prever o pagamento de apenas 5% da dívida ao longo de 15 anos. Os demais 95% viriam na forma de debêntures emitidas no 16º ano depois da homologação do plano.

Para piorar, surgiu a pandemia do novo coronavírus no fim de 2019, o que chegou a levar ao fechamento de todas as lojas físicas da Saraiva em março e abril, interrompendo qualquer perspectiva de cumprimento do plano ou melhora no orçamento. As lojas virtuais, que foram impulsionadas pelo comércio fechado, não chegaram perto de cobrir as dívidas.

Culpa da tecnologia?

Definitivamente, um hábito que nunca foi tão popular em nosso país é a leitura, e a cada dia que passa, o livro físico e as gigantes deste mercado ganham cada vez mais concorrentes. Somados a um preço elevado dos impressos em comparação com a que a gigante americana Amazon oferece e a um mercado editorial injusto, a tarefa de produzir e vender livros nunca foi simples.

Com novos canais de venda se abriram na internet, editoras passaram a ter a opção de vender diretamente para seus clientes, empresas estrangeiras passaram a atuar no mercado nacional sem o custo de lojas físicas e plataformas que não se dedicam exclusivamente à venda de livros passaram a competir com as livrarias.

Em seu pedido de recuperação judicial, a Saraiva traz uma reflexão sobre “o sentido que a vida e os valores vêm tomando no mundo moderno”. Mas não é a Saraiva que optou por ser mais do que uma livraria? A palavra “Megastore” estampadas nas suas lojas que ainda restam, colocava um modelo de negócios a frente das experiências que uma simples poltrona poderia trazer. A nova percepção sobre o comércio de livros que gigantes como a Cultura também optou fazer, mostraram muitas expectativas de ganho, mas em um mercado bem mais competitivo.

De Livraria para Megastore, um dos erros estratégicos da Saraiva / Metrópoles.com

Um exemplo é o segmento de CDs e DVDs, que chegou a ser o segundo mais vendido na rede, sofre com a concorrência do streaming e hoje responde por menos de 10% da receita. Para Evandro Martins Fontes, sócio da editora e livraria que leva o nome da família, além de criticar o modelo de expansão adotado pelas duas redes, aponta uma conivência das grandes editoras, que não reagiram ao acúmulo crescente de dívidas das quais eram credoras.

“Essas redes optaram pelo modelo das megalojas, que envolvem altos custos de operação, inclusive os aluguéis.” E ainda afirma, “Elas foram vítima da ganância. O negócio do livro sempre foi de margens pequenas, mas todos pudemos crescer aos poucos, honrando nossos compromissos. Por ser uma empresa de capital aberto, a Saraiva tinha que divulgar os balanços financeiros. Houve um ano em que o faturamento anual deles ultrapassou 1 bilhão de reais, mas o lucro foi de apenas 3 milhões. Eu faturo muito menos e tenho margem de lucro igual ou maior”, explica.

A crise na Saraiva passa por diversas esferas, mas não é o livro, uma das maiores criações da humanidade, seu calcanhar de Aquiles. É pelo contrário, seu possível ressurgimento. Gostando ou não, o mercado costuma dar muitas respostas valiosas, e a primeira pode ser o fato de que livraria é antes de tudo, um lugar para ler, não somente comprar.

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