America entre a tradição e a modernidade

Júlia Nascimento
MeuRio
Published in
6 min readDec 6, 2019

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“O America é meu segundo time”. Não é nada raro ouvir tal afirmação por parte dos cariocas que gostam de futebol. O tradicional America Football Club é um dos times mais reconhecidos e, até mesmo, queridos do Rio de Janeiro, mesmo não estando entre os maiores clubes da cidade, quanto a conquistas e número de torcedores exclusivos.

O time rubro não nasceu com o vermelho que tanto o caracteriza: era alvinegro. Também não era da Tijuca, bairro que abriga sua sede há décadas. Essas foram transformações que ocorreram no percurso. Em 18 de setembro de 1904, sete jovens estavam insatisfeitos com o então Clube Atlético da Tijuca e resolveram dar origem a uma nova instituição. O nome America foi sugerido por um deles, em homenagem ao novo continente.

A mudança para a Tijuca foi resultado da fusão, em 1911, entre America e Haddock Lobo Football Club, time que passava por dificuldade financeira. Como consequência, o rubro tornou-se dono do estádio da Rua Campos Sales. A instituição tem como patrimônio, além da sede social na Tijuca, um Centro de Treinamentos e Lazer na Rodovia Washington Luiz e o Estádio Giulite Coutinho em Mesquita, segunda maior arena particular de futebol do Rio de Janeiro.

Os sete fundadores do America: Alberto Klotzbücher, Oswaldo Mohrstedt. Sentados da direita para a esquerda: Henrique Mohrstedt, Gustavo Bruno Mohrstedt, Alfredo Mohrstedt, Jaime Faria Machado e Alfredo Guilherme Koehler

Fechada desde julho de 2014, a sede social na Rua Campos Sales, na Tijuca, Zona Norte do Rio, será reaberta, porém com uma grande mudança. O patrimônio será demolido para a construção de um shopping, com o terraço dele abrigando a nova sede social americana. As previsões de início e término da obra são setembro de 2019 e abril de 2021.

Foto aérea do projeto para a nova sede do America

Apesar de soar como uma área insuficiente para uma sede social esportiva, o projeto para a nova sede do America na cobertura do shopping promete não apenas a manutenção das estruturas, anteriormente, presentes, mas também a modernização delas. Segundo o clube, “nova sede será a melhor e mais moderna do Brasil”. Parque aquático, quadras esportivas e ginásio revitalizados estão entre as projeções. No quadro abaixo, consta uma comparação detalhada entre antiga e nova sedes, disponível no site oficial do America.

Quadro comparativo oficial entre antiga e nova sedes do America

Para a construção do Parque Shopping America, a Prefeitura retirou o tombamento do prédio. O prefeito Marcelo Crivella precisou revogar três decretos, um deles de 2010, responsável por tombar o prédio do America. Nesse ano, a torcida do clube chegou a se mobilizar com o objetivo de salvar a sede social, organizando um abraço coletivo no prédio da Rua Campos Sales, além de uma espécie de “vaquinha”, através de depósitos bancários, para o pagamento da dívida antiga do clube com sua construtora, impedindo o leilão do imóvel. Ao mesmo tempo, associados do America também se mobilizaram legalmente, tentando suspender a ação judicial, com a estratégia principal de esvaziar o leilão. Na época, o clube argumentou que, por lei, as instituições futebolísticas não podem mudar de destinação e que, desta forma, nenhum shopping ou instituição religiosa poderiam ser erguidos no local. O prédio havia sido tombado de forma definitiva em 2016, ainda na gestão Eduardo Paes.

Abraço coletivo de torcedores do America na sede social em protesto

Segundo Crivella, o projeto de construção da nova sede irá revitalizar as ruas do entorno, melhorando segurança, iluminação, gerando 3,5 mil empregos e renda. Serão quatro pavimentos comerciais, mais um subsolo, 204 lojas, praça de alimentação com 16 estabelecimentos e oito salas de cinema. Já na cobertura, a nova sede do America será encontrada, com espaço administrativo, ginásio poliesportivo, quadras de tênis e salas de treinamento. O clube também terá um parque aquático de 1.200 m² com duas piscinas, incluindo uma semiolímpica.

Sidney Santana, presidente do America, afirma que o investimento será de R$ 300 milhões. Para a execução do projeto, o clube firmou parceria com as empresas AM Malls e Lacbra. De acordo com Sidney, não haverá repasses financeiros da Prefeitura. Em 2016, o America somava uma dívida de cerca de R$ 938 mil. Desta forma, o prédio corria o risco de ir a leilão caso não fosse tombado. Quanto aos benefícios, o clube terá participação no faturamento bruto do shopping e receberá um percentual durante a obra para manter suas atividades.

Arraste para ver a transformação parcial da sede social do America

Entrevistados pelo jornal O Globo, moradores vizinhos da sede mostram-se positivos quanto à transformação. Érika Menezes, de 61 anos, acredita que o novo shopping facilitará a vida dos moradores da região, que não precisarão mais ir até a Praça Saens Pena (Tijuca) para fazer suas compras. Carlos Teixeira, de 32 anos, supervisor de um restaurante em frente à sede, imagina que o novo estabelecimento trará mais segurança, pois a área estaria deserta e, consequentemente, perigosa, com assaltos constantes.

Eduardo é dono de uma banca de jornal que divide a calçada com a própria sede americana há cerca de um ano. Ele afirma que, segundo o antigo dono do estabelecimento, a banca não parava, com clientes a todo instante. Porém, com a sede fechada, a movimentação está muito fraca. Uma importante questão relacionada é a segurança na região. “Hoje o pessoal fica muito com medo, por estar deserto”, relata ele. Quanto às obras, responsáveis pela transformação do espaço em um shopping, Eduardo enfatiza. “Estão paradas. Uma cliente falou que viu umas máquinas, mas, até então, estava parado mesmo”. Ele ainda explica que o processo de construção estava bem irregular, intercalando períodos de obra e de pausa. Em relação a expectativas com a chegada do novo shopping, o comerciante se mostra positivo, apostando na volta da grande movimentação que existia na vizinhança até o fechamento do prédio. Já em relação ao projeto que pretende instalar toda uma sede social no terraço do shopping, com direito a quadras e piscinas, Eduardo considera improvável. “A parte administrativa ainda vai, mas quadra acho demais… o pessoal que mora aqui perto fala que eram duas piscinas imensas, olímpicas. Vai colocar cinema com piscina em cima? Não tem como”, exclama ele.

Gerente do tradicional Bar America Esportivo, localizado a poucos metros do patrimônio americano, Mariano reafirma que, antes de a sede fechar, havia muita movimentação pela vizinhança, e isso devido, em grande parte, a diferentes eventos dentro do prédio. “Por conta de alguns bailes, como os de carnaval, tinha escolinha de futebol também. À noite mesmo sempre tinha muito movimento. Tinha teatro, jogo de basquete, natação, futebol…”, relembra. Com o fechamento da sede, ele lamenta a queda drástica para o comércio das redondezas, como o seu próprio, com redução de 50% do faturamento. Quanto à segurança na região, Mariano é mais um a afirmar que a situação piorou, apresentando assaltos constantes. Sobre o futuro shopping, o comerciante mostra-se esperançoso. “Pra gente, é a revitalização, pra voltar o movimento”, explica. Para que essa melhoria ocorra, as obras precisam ter seus prazos cumpridos, mas não é o que está sendo observado por quem passa grande parte do dia lá. Mariano aponta, ainda, outro obstáculo para a construção. “Eles não podem progredir devido à academia (localizada dentro do terreno do America), que ainda tem contrato até 2021. Parece que isso está na Justiça”.

A construtora Lopez Marinho, responsável pelas obras, foi questionada quanto à veracidade da paralisação e ao motivo da mesma, mas não respondeu. Fato é que um dos clubes de futebol mais tradicionais e queridos do Rio de Janeiro está, temporariamente, sem casa. O Parque Shopping America trará modernidade, conforto e movimentação de volta à região, beneficiando, novamente, os comerciantes do entorno, assim como melhorando a segurança. Contudo a rotina boêmia dos frequentadores da nova sede americana não será mais a mesma. Resta saber se a nova casa atenderá às demandas do rubro carioca, o grande America.

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