Colégio Nossa Senhora da Piedade, no Encantado, Zona Norte do Rio (Foto: Reprodução/Site oficial)

Colégio centenário encerra atividades

Com 102 anos de história, instituição não consegue superar a crise e fecha as portas

Leandro Caputo
MeuRio
Published in
6 min readNov 8, 2019

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Fundado em 1914, o Colégio Nossa Senhora da Piedade, no bairro Encantado, na Zona Norte do Rio, fechou as portas no fim de 2016. A informação foi noticiada no dia 21 de setembro do mesmo ano. Em comunicado oficial, a diretora-presidente da instituição, irmã Maria de Fátima Marques de Oliveira, afirmou que o colégio acumulava prejuízo médio de um milhão de reais por ano. Segundo ela, o déficit era coberto pela Rede de Educação Missionárias Servas do Espírito Santo (MSES), uma congregação missionária internacional que também controla outras escolas em Minas Gerais e em São Paulo.

“Ele era bastante tradicional na região, tinha ensino de qualidade, ambiente familiar e um enorme espaço físico que não se encontrava em nenhuma outra ao redor.”, Eduardo Gomes, ex-professor.

Vista do alto (Foto: Reprodução/Site oficial)

O colégio sempre acompanhou as transformações, modernizando-se, ampliando espaços, oferecendo aos alunos metodologia contextualizada, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e competências. Tinha como proposta pedagógica educar para a vivência da espiritualidade cristã e a busca da verdadeira cidadania, encaminhando sempre o fazer educativo numa perspectiva de percepção do ser humano como totalidade integrada que necessita de formação acadêmica e cristã. Foram 102 anos a serviço da educação de crianças e adolescentes, realizando mostras culturais, campanhas solidárias, colônias de férias, oficinas, festas, corais, semanas esportivas e literárias. Para o ex-professor e morador local Eduardo Gomes, 42 anos, que trabalhou de 2006 a 2010 na instituição, ela era bastante tradicional na região, tinha ensino de qualidade, ambiente familiar e um enorme espaço físico que não se encontrava em nenhuma outra ao redor, contando com quadras esportivas, laboratórios de ciências e informática, biblioteca, parquinho, cantina e piscina.

Festa junina: um marco

Festa Junina (Foto: Reprodução/Site oficial)

De acordo com Thayná Soares, 35 anos, que mora em uma rua ao lado do colégio, a festa junina era o evento mais esperado por todos, não só alunos e seus familiares, mas também pelos moradores que vivem nos arredores: “Era a maior festa. A escola e a rua ficavam lotadas, tomadas de gente. Impossível passar de carro ou outro meio de transporte. Somente a pé. Muitas barracas, comidas, brincadeiras, música, quadrilha e alegria. Vivemos momentos de confraternização que hoje, três anos depois, não temos mais. É uma pena!”.

Os diversos motivos

Toda instituição de ensino tem a missão de zelar pela formação acadêmica de crianças e jovens e contribuir com as famílias no desenvolvimento moral e ético de todos os alunos. O colégio estava há mais de um século no bairro e participou da história de milhares de famílias. Ele tinha capacidade para 2.500 alunos, porém encerrou seus trabalhos com apenas 542.

“O principal fator, para mim, foi o entorno, o local onde a escola estava localizada.”, Maria de Fátima Marques, diretora-presidente.

Entrada do colégio (Foto: Reprodução/Site oficial)

Para a diretora-presidente, diversos fatores causaram a redução no número de estudantes. “O colégio ficou isolado por causa da falência da Gama Filho, do fechamento do comércio e pela proximidade com a Linha Amarela. O principal fator, para mim, foi o entorno, o local onde a escola estava localizada. Lá, há uma dificuldade de crescimento profunda, e nós ficamos próximos de outras escolas que tinham uma mensalidade bem menor do que a nossa. Além disso, a tendência de famílias terem menos filhos no Brasil contribuiu para a redução no número de alunos. Há de se ressaltar também que o campo da escola básica está ficando cada vez mais competitivo, com a entrada de grandes grupos nesse mercado”, afirmou a irmã Maria de Fátima.

Importância para a região

O colégio era a marca registrada da região, uma das coisas mais importantes que o bairro tinha. Matheus Giamattey, 30 anos, foi estudante do Nossa Senhora desde o jardim de infância até o terceiro ano do Ensino Médio. “Eu lembro que um senhor ficava debaixo de uma árvore próxima ao portão principal da escola vendendo balas e chicletes, e também de uma senhora que vendia sacolés. Havia uma lanchonete na casa de uma moça que morava em frente, a lanchonete da Carla, onde os alunos sempre paravam lá para comer e conversar depois da aula. Era só atravessar a rua e comer seus hambúrgueres deliciosos. Na Avenida Amaro Cavalcanti, rua lateral da escola, também havia a Papelaria Angélica, onde nós comprávamos tudo, principalmente o que era deixado para última hora. Era a nossa salvação.”, conta o ex-aluno.

“Foi uma tristeza ver uma instituição daquele tamanho e que marcou tantas gerações acabar.”, Matheus Giamattey, ex-aluno.

Todo o comércio mencionado por Matheus fechou as portas, e os ambulantes perderam a oportunidade que lá existia de buscar seu sustento. O comércio diminuiu consideravelmente, e o que ainda sobrevive no local são uma loja de estofados, um bar e uma banca de jornal. “Eu tinha muito carinho por aquela escola. Duas tias minhas estudaram lá, tenho amizades que trago comigo até hoje, tive professores inesquecíveis e minha esposa estudou lá na mesma época e turma que eu. Foi uma tristeza ver uma instituição daquele tamanho e que marcou tantas gerações acabar.”, lamenta Matheus.

Tentativas para reverter a situação

Após o anúncio do encerramento das atividades, ex-alunos e professores da escola se mobilizaram pelas redes sociais para tentar fazer propostas à direção que ajudassem o Nossa Senhora da Piedade a sobreviver. Jaqueline Halack, ex-professora de inglês, 21 anos trabalhando no colégio, foi uma das organizadoras. “Quando nós fomos surpreendidos com a circular enviada pela diretora do colégio, vários amigos me procuraram. Eu fiz uma postagem pedindo algum tipo de ajuda, que teve vários compartilhamentos. Então nós nos reunimos para oferecer sugestões à diretoria e pedir apoio à escola. Talvez uma isenção do governo, ou algum investidor que pudesse colaborar com recursos. Era uma ótima escola, tinha uma excelente infraestrutura. Não podia fechar”, disse ela.

Os ex-alunos e professores marcaram um “abraço” na escola, no dia 15 de outubro de 2016, para chamar atenção ao tema. Eles também marcaram uma reunião com a diretoria para oferecer ideias. Entretanto a irmã Maria de Fátima afirmou que a probabilidade de que a escola revertesse a situação era baixa: “Essa decisão teve uma base sólida. Fizemos análises e pesquisas para ver se havia alguma possibilidade de retomada, e todas elas chegaram à conclusão de que essa chance era muito, muito remota. Para não dizer impossível.”

“Talvez uma isenção do governo, ou algum investidor que pudesse colaborar com recursos. Era uma ótima escola, tinha uma excelente infraestrutura. Não podia fechar”, Jaqueline Halack, ex-professora.

Todos acompanharam o declínio gradual no número de alunos e o aumento das despesas de custeio e manutenção na instituição de ensino. E seu custo era bem superior à receita com mensalidade, chegando a um prejuízo médio de um milhão de reais cobertos pela Rede de Educação MSES. Durante muitos anos, diversas estratégias foram utilizadas para atrair novos alunos, sobretudo nas turmas iniciais, e também foram buscadas alternativas de redução de custos, sem prejudicar o bom andamento do colégio. Ainda assim, analisando as perspectivas do mercado e o cenário da época, foi inviável tomar outro rumo.

Mesmo com o prejuízo que enfrentava, a escola informou que, até o fechamento, no fim do ano, os salários de funcionários seriam pagos e o calendário letivo continuaria funcionando normalmente. Os alunos da escola poderiam entrar para o Colégio Imaculado Coração de Maria, no Méier, que também é apoiado pela mesma congregação. Eles tiveram desconto de 30% na anuidade do ano seguinte (2017). Dias depois do comunicado, também foi anunciado que o Colégio Santa Rosa de Lima, em Botafogo, outro colégio religioso tradicional, fecharia suas portas pelo mesmo motivo: falta de recursos.

O local hoje

A empresa de empreendimentos MRV está construindo no terreno do colégio um condomínio residencial com apartamentos. Bem ao lado da Linha Amarela, é uma oportunidade para quem quer ou precisa sair do aluguel e conquistar sua casa própria, aproveitando as vantagens do programa Minha Casa Minha Vida.

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