Bar Luiz: A histórica resistência da tradição carioca

Eduardo Raddi
MeuRio
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4 min readNov 27, 2020

Em funcionamento há 133 anos, o Bar Luiz já se tornou um patrimônio histórico da cidade do Rio. O lugar, que preserva incontáveis memórias do cotidiano e da boemia carioca, esteve recentemente (e novamente) muito perto de fechar as portas.

Um pouco da história:

Ao contrário do que muitos pensam, o Bar Luiz foi fundado não por um alemão, mas por um brasileiro filho de suíços e nascido em Petrópolis. Trata-se de Jacob Wendling, que abriu a casa em 1887, no numero 102 da Rua da Assembléia, no Centro do Rio. Conhecido primeiramente como ‘Zum Schlauch’, ou ‘A Mangueira’, traduzindo para o português (em alusão a serpentina pela qual passava o tradicional Chopp), o Bar Luiz presenciou incontáveis eventos históricos, bem como a gradual urbanização da cidade, e é o ponto de partida para a fundação do hábito boêmio carioca, afinal, foi a primeira cervejaria do Rio, e a primeira a servir o chopp, bebida que era até então uma novidade.

Alguns anos depois, em 1901, por problemas com o aluguel, o estabelecimento foi realocado ao número 105 da mesma rua e passou a se chamar ‘Zum Alten Jacob’ (‘Ao Velho Jacob’), já sendo administrado por Adolf Rumjaneck, afilhado do próprio fundador. Em 1915, já com uma nova administração, uma lei passou a proibir que estabelecimentos comerciais tivessem nomes em língua estrangeira, e então o local passou a se chamar “Bar Adolf”, em homenagem ao antigo dono. Anos depois, assim como nas também tradicionais casas especializadas em comida alemã como o ‘Bar Lagoa’ (antigo ‘Bar Berlim’) e o ‘Bar Brasil’ (Na época, ‘Bar Zepelin’) o estabelecimento se viu obrigado a mudar de nome em função da ascensão do terceiro Reich ao poder na Alemanha.

Nessa época, certa vez, cerca de 200 estudantes do Colégio Pedro II, munidos de pedras e outros artefatos, caminharam em direção ao estabelecimento proferindo ameaças e xingamentos. Por sorte, lá estava o saudoso compositor Ary Barroso, inveterado cliente da casa, que erguido em cima de uma mesa, empunhando uma caldereta de chopp explicou ávidamente aos estudantes o contexto do nome, evitando assim o quebra-quebra. Por essas e outras, nascia o ‘Bar Luiz’.

Bar Luiz: Desde 1927 no número 39 da Rua da Carioca. (Foto: Alcyr Cavalcanti)

A Resistência

Em 1985, casas da Rua da Carioca e adjacências foram tombadas, evitando a demolição do estabelecimento por conta das obras do metrô.

Em 2011- A prefeitura reconhece 11 bares e botequins como patrimônio histórico cultural da cidade, incluindo o Bar Luiz.

Em 2014, metade dos sobrados da Rua da Carioca são adquiridos por um fundo imobiliário, tornando os alugueis inviáveis. A prefeitura desapropria o Bar Luiz para evitar o despejo.

Em 2019, a situação se agrava, e a maioria do comércio da Rua da Carioca fecha as portas. A administração lança uma nota na internet e os grandes meios de comunicação chegam a divulgar o encerramento das atividades do Bar Luiz. Nos piores dias, a casa chegava a receber apenas 6 clientes. Que passaram para 600 após a mobilização da população, que quando soube da notícia passou a formar grandes filas na porta do estabelecimento.

Salão do Bar Luiz (Foto: Zo Magalhães)

Aura Carioca

A iminência do fechamento do estabelecimento, fez com que se aflorasse o espírito do carioca. Afinal, não há nada mais carioca do que se mobilizar para evitar o encerramento de um tradicional bar da cidade. Quando se fecha uma instituição dessa magnitude, o Rio vai perdendo sua aura e o que ainda resta de sua essência. É uma cidade que hoje, em parte, vive de nostalgia. Quantos estabelecimentos o carioca viu fechar nas ultimas décadas devido às paulatinas e sistemáticas crises que tanto abalam a cidade? Quando se entra no Bar Luiz, em contraste à movimentada e cosmopolita vida do centro do Rio, trejeitos como o icônico número 39 da fachada, o vasto salão de móveis rústicos, as gravatas-borboleta dos garçons, e o chopp saindo estupidamente gelado da clássica serpentina, ajudam a construir um imaginário até para quem não chegou a viver nem um quinto da história desse templo da boemia carioca.

É um lugar que evoca a imagem das crônicas de João do Rio e Olavo Bilac, a suave aquarela brasileira de Ary Barroso, os sambas catárticos de João Nogueira, Beth Carvalho e Martinho da Vila, e os traços tênues de Ziraldo, todos ilustres frequentadores da casa. Estar ali é estar presente e prestigiar um enorme pedaço da nossa rica cultura carioca. E que esse Rio siga resistindo!

“E eu vou levando minha alma aflita
À noite a cidade é tão bonita
Do Lamas ao Capela, e da Mem de Sá
Passo no
Bar Luiz
E no Amarelinho é que eu vou terminar”

Assim já dizia o saudoso compositor portelense João Nogueira, na canção ‘Bares da Cidade’, do seu disco ‘Vida Boemia’, de 1978. Frequentador assíduo.

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Eduardo Raddi
MeuRio
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Acadêmico de Jornalismo, baterista d'O Grito, amante das artes (sobretudo música), botafoguense inveterado, compartilho experiências, resenhas e claro, cultura.