Um retrato do Bar Semente, reproduzido pelo artista chileno Jorge Selarón, assassinado na mesma rua em 2013. (Foto: Tom Phillips para o The Guardian)

O fim do Bar Semente traz melancolia à noite carioca

Nado Frazão
MeuRio
5 min readNov 22, 2019

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Por toda a cidade, estabelecimentos tradicionais vêm encerrando suas atividades. Com o boêmio bairro da Lapa, não seria diferente.

Localizado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, o bairro da Lapa é famoso por seus tradicionais bares, rotina boêmia e suas grandes casas de show como Circo Voador e Fundição Progresso. Um espaço plural, onde pode-se encontrar por suas ruas, desde jovens, iniciando suas vidas noturnas pulando de bar em bar, a frequentadores mais velhos, sentado em bares históricos, onde conhecem os garçons pelo nome.

Entre vários comércios do bairro, havia um, bem aos pés dos Arcos da Lapa, na esquina da Rua Joaquim Silva com a Evaristo da Veiga, que até os anos 90 era apenas um pequeno restaurante muito frequentado no bairro por músicos. O local então, passou a oferecer seu espaço como ponto de encontro, para que músicos experientes e novatos pudessem se reunir e se fortalecer musicalmente na retomada do samba no bairro carioca, há pouco mais de 20 anos. O dia mais cheio sempre foi a segunda-feira, tradicionalmente famosa por ser o “dia da folga dos músicos”, que se reuniam justamente pra fazer, música, mas dessa vez para outros músicos e com outros músicos.

Bar Semente (Foto: Anna Ramalho)

O Bar Semente ficou conhecido como uma “incubadora musical”, onde encontros inesperados e canjas inacreditáveis aconteciam. Novos artistas do cenário do samba começavam a dar seus passos e mostrar seus talentos no bar, em uma geração que ficou conhecida como “Geração Semente”, despontando nomes como Teresa Cristina, Yamandu Costa, Casuarina, Zé Paulo Becker, entre outros.

Outras “crias” do Semente, Roberta Sá, Moyseis Marques, Pedro Miranda, ainda em início de carreira, já comandavam algumas noites no bar e eram anfitriões da casa. Inclusive em noites históricas que contaram com canjas incríveis como Beth Carvalho, Ney Matogrosso, João Bosco e até mesmo Sting e Norah Jones em visita ao país.

O bar era realmente um lugar onde frequentadores se calavam para ouvir os acordes e as vozes que se apresentavam no espaço intimista, pois ali a música era a dona do local. Houve a noite em que um “Francisco” reservou uma mesa discreta, e entre uma apresentação e outra, Chico Buarque de Holanda se levantou, e tímido, pediu para cantar.

Chico Buarque dando uma canja no Semente durante o show do cantor Moyseis Marques (Foto: Patrícia Terra)

A casa quase foi fechada em 2004, mas Aline Brufato se uniu ao violonista Yamandu Costa para manter o bar vivo e assim ele cresceu. Mantendo programações fixas, por anos, inclusive as sessões de choro e improviso com, outro talento revelado no Semente, Zé Paulo Becker.

Os moradores e frequentadores do bairro apontam o abandono do bairro pelo poder público e as constantes crises institucionais em que vive a cidade do Rio de Janeiro, tornou o bairro muito inseguro. Ainda mais na esquina escondida onde funcionava o Bar Semente. A casa não resistiu e fechou suas portas de uma vez por todas.

O músico e produtor Marcelo Maciel, que iniciou sua carreira tocando em bandas formadas pelos bares para acompanhar cantores naquele cenário de retomada do samba, lembra de momentos que guardará para sempre na memória, como quando acompanhou Ney Matogrosso cantando Cartola, numa segunda feira chuvosa e de bar vazio. Segundo o músico, ali ele pôde entender que a música não depende de grande público e holofotes. Marcelo lamenta o fim do bar, que por muitos sempre terá o valor emocional de “casa de mãe”.

Fachada da casa onde funcionava o Bar Semente (Foto: Tom Philips para o The Guardian)

Quem também lamenta o fim das atividades do bar, é o garçom conhecido Baixinho, que trabalha no bar Esquina da Democracia, em frente ao antigo Bar Semente. Segundo o garçom, os dias de apresentações, principalmente às segundas-feiras, eram de muito lucro para o bar em que trabalha também, pois como as músicas ecoavam pelas janelas do Semente, a esquina da Joaquim Silva se transformava, por si só, numa festa ao ar livre. Pessoas que estavam tentando entrar e até mesmo as que não teriam condições financeiras, ou que estavam só passando, mas curtiam a música do lado de fora, consumiam no bar da frente e podiam sair de lá com a sensação de ter ido ao Bar Semente.

Em junho desde ano, o violonista Zé Paulo Becker, trouxe de volta as segundas de jazz, como fazia no extinto Bar Semente, mas em novo endereço, dessa vez na Gávea. A sua proposta é voltar a fazer as segundas instrumentais, como era tradicional no bar histórico da Lapa, e é exatamente o espírito do encontro e descoberta que impulsionou o músico a ressuscitar o nome do bar. Segundo o músico, a mudança da Lapa para a Gávea não será um problema, pois a Gávea também tem um espírito boêmio como a Lapa. O projeto ganhou o nome “Zé Paulo Becker & Semente Choro Jazz” e já teve em sua primeira temporada a presença de nomes como Zé Renato, Ricardo Silveira, Pedro Miranda, Moyses Marques, entre outros.

Zé Paulo Becker & Semente Choro Jazz no DUMONT ARTE BAR (Foto: Divulgação)

O desejo que podemos sentir de todos os músicos e frequentadores da antiga casa é de que a história do Bar Semente e sua importância para a formação de inúmeros talentos, que hoje rodam o Mundo apresentando a Música Popular Brasileira, não se perca e que para sempre seja lembrado o local que em outrora inspirou e profissionalizou tantos artistas. E se pode sentir nos antigos frequentadores um desejo esperançoso de que a casa volte a sua atividade lá, na mesma equina, que rendeu tantas músicas, e histórias.

Fachada Bar Semente (Foto: Reprodução/ Site-Moyseis Marques)

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