Cine Paissandu: Um filme que passou no meu Rio

Filipe Meirelles
MeuRio
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4 min readNov 22, 2019

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Inaugurado no dia 15 de dezembro de 1960 na rua Senador Vergueiro nº 35-F, no bairro do Flamengo, o Cinema Paissandu foi um dos principais espaços de resistência cultural da cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1964, a Cinemateca do MAM(Museu de arte Moderna do Rio de Janeiro) ficou responsável pela programação do cinema, o local se tornou um tradicional ponto de encontro da contracultura e da classe artística da época, em plena ditadura militar.

O cinema em si não tinha nada de especial, possuía apenas uma sala com capacidade para 742 lugares, sala essa que contava com um fumódromo, no qual parte da sala era separada por um vidro e o público podia assistir ao filme enquanto fumava. Porém, a sua programação de filmes fugia um pouco da de outros cinemas da época. Enquanto a maioria das salas de cinema exibiam filmes americanos, o Cinema Paissandu era palco dos “filmes-cabeça” nos anos 60, a programação contava com os filmes franceses, tanto os de vanguarda, dos anos 20 e 30, como os de Jean-Luc Godard, François Truffaut e outros grandes nomes da nouvelle vague, movimento artístico da época.

Cine Paissandu no Flamengo, Rio de Janeiro, nos anos 1960.

Porém, não era só da exibição de filmes internacionais que o espaço vivia. O local agrupava também os jovens cinéfilos brasileiros e intelectuais de esquerda da época que iam assistir aos filmes de Glauber Rocha, Cacá Diegues e os demais artistas do chamado Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro que visava se opor ao estilo “hollywoodiano” que imperava na época.

Outro diferencial do cinema eram as suas sessões de meia noite, que movimentavam a vida noturna do bairro com os encontros nos bares próximos como o lendário Café Lamas e o Restaurante e Lanchonete Oklahoma aonde os amantes da sétima arte se reuniam para debater sobre os filmes após as exibições, essa geração ficou conhecida como a “Geração Paissandu”. Também foram realizadas algumas edições do Festival JB-Mesbla, Festival Brasileiro de Cinema Amador no local.

Uma das edições do festival JB-Mesbla realizadas no cinema

Ao longo das décadas o cinema trocou de nome algumas vezes, mas sempre mantendo o “Paissandu” no nome. Entre 1973 e 1984 o espaço passou a se chamar Studio Paissandu, depois disso, passou seis anos sob a alcunha de Paissandu Nostalgia e, a partir do ano de 1990, o seu ultimo e derradeiro nome foi Cinema Estação Paissandu, administrado pelo grupo Estação Botafogo, mas acabou fechando as portas, dessa vez de forma definitiva, em 2008.

Desde a última sessão em 2008, houveram algumas tentativas de revitalizar o cinema. A prefeitura chegou a tombar o espaço como patrimônio cultural da cidade para evitar que o boato que corria de que o espaço seria transformado numa igreja evangélica se concretizasse. Alguns cineastas, como Cacá Diegues, e outros intelectuais que fizeram parte da “Geração Paissandu” chegaram a fazer um manifesto que obteve algo em torno de 6 mil assinaturas pedindo a manutenção da sala de cinema mas não obtiveram nenhum grande resultado, apenas promessas.

Cinema Estação Paissandu dois meses antes de fechar as portas Foto: Leo Aversa

Dez anos depois, o local foi comprado pela Blue Fit, uma academia de ginástica. A obra chegou a ser embargada, numa ação conjunta da Superintendência da Zona Sul e da Secretaria Municipal de Urbanismo, por falta de licença para a sua realização e por se tratar de um patrimônio cultural da cidade.

Porém, quase quatro meses depois, as obras foram retomadas. A Secretaria Municipal de Urbanismo afirmou, por meio de nota, que a intervenção foi liberada “após ser constatado que se trata de modificações internas no prédio, sem acréscimo de área. Sendo assim, a reforma é dispensada de licenciamento”.

Academia que abriu dez anos depois do fechamento do Cinema Estação Paissandu Foto: FIlipe Meirelles

Nessa época, um dos principais nomes do cinema nacional e que fez parte também da “Geração Paissandu”, Cacá Diegues, chegou a dar uma entrevista ao GLOBO, lamentando a retomada das obras no local:

“ Na época do Cinema Novo, era ali que a gente se encontrava para conversar, discutir ideias. É uma pena que agora vire exatamente o contrário. Estamos trocando o músculo do cérebro pelo do bíceps.”

Em setembro de 2018, a Blue Fit foi inaugurada e as pipocas e os lanterninhas deram lugar aos alteres e os personal trainers de forma definitiva.

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