Restaurante Cervantes (Imagem: Lugares e Ideias)

Fim melancólico do Cervantes

Restaurante símbolo da boemia carioca não resiste à crise

Luca Tornaghi
MeuRio
Published in
3 min readOct 11, 2022

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Por Luca Tornaghi e Jorge de Mello

Restaurante símbolo da boemia carioca, o Cervantes original — hoje temporariamente fechado — está situado no início de Copacabana, perto do bairro do Leme. A sua proximidade a centros culturais da época como o Canecão e o Teatro Villa-Lobos transformaram o estabelecimento em um “point” de encontro no fim da noite.

Fundado em 1955 como uma mercearia, o Cervantes fazia sucesso ao vender também sanduíches. Em 1965 o estabelecimento foi adquirido por dois espanhóis e transformado em um restaurante com alma de bar, abrindo na hora do almoço e funcionando noite adentro.

Nomes como Gilberto Gil, Elis Regina, Jair Rodrigues e Caetano Veloso já frequentaram o lugar, como contou o jornalista Luís Freitas Branco — estudioso do movimento Tropicália — sobre o episódio de 1967, em que o quarteto foi ao restaurante para conversar a respeito do filme que Glauber Rocha havia acabado de lançar.

Apesar da mudança, o Cervantes nunca deixou de valorizar o “sanduba” em seu cardápio, sendo renomado entre outros motivos pelo seu sanduíche de pernil com abacaxi.

O famoso sanduíche de pernil com abacaxi (Imagem: Veja Rio)

A tradição do Cervantes é tamanha que em 2012 ele foi nomeado um patrimônio cultural carioca, em decreto assinado pelo então prefeito Eduardo Paes.

Crise econômica e violência:

A violência é um tópico recorrente quando se trata do Rio de Janeiro. Em 2020 um garçom do restaurante foi baleado durante uma tentativa de assalto na rua do Cervantes. A unidade da Barra não escapa do problema: Em 2018, um grupo de criminosos fortemente armados entrou no restaurante, fez reféns e assaltou todos no local.

Com a falta de segurança na cidade, áreas como Copacabana acabaram se tornando muito mais perigosas do que eram nos tempos da Tropicália, o que foi fator contribuinte para o fim das madrugadas em que o Cervantes ficava lotado. Em 2017 o Restaurante apresentou uma queda de 30% na quantidade de clientes, e o gerente afirmou não ser raro vê-lo vazio durante a noite.

Apesar de múltiplos fatores terem influenciado na queda no número de clientes — como a situação financeira do país e o complicado mercado imobiliário de Copacabana — é evidente que a violência é um dos mais relevantes, com o consumidor não se sentindo seguro na rua durante a madrugada.

Outro fator crucial para a queda do Cervantes é a crise econômica intensificada pela pandemia. Em 5 anos o poder de compra do Real caiu 31,2% e a inflação chegou a assombrosos 12,1%, um cenário no qual a maioria das pessoas de classe média passa a, obrigatoriamente, destinar seu salário para as gastos essenciais como compras de mês e pagamento de contas, e acaba não consumindo em restaurantes ou gastando com lazer.

Um aspecto intrínseco à inflação descontrolada é o aumento da taxa de juros, hoje em 12,75%, que dificulta ainda mais os estabelecimentos endividados a conseguirem crédito com os bancos e também a conseguirem honrar esses acordos de empréstimo, que acabaram se tornando uma bola de neve gigante, impossível de ser paga.

Fechamento:

No dia 30 de março de 2021, o Cervantes anunciou o fechamento por tempo indeterminado da unidade de Copacabana. A pandemia da COVID-19 inviabilizou o funcionamento do restaurante, que após um ano segue de portas fechadas.

Um duro golpe para o tradicional restaurante carioca cuja fama era tanta entre os turistas estrangeiros que a crítica internacional recomendava uma visita ao Cervantes para quem visitasse o Rio, como os casos dos guias Michelin e Vogue, que fizeram questão de recomendá-lo com menções especiais.

Capa do guia para turistas da Vogue (Imagem: Vogue)

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Luca Tornaghi
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Estudante de Jornalismo, amante dos esportes e apresentador do “The Breakfast Cast”.