Fachada do Hotel Novo Mundo, na década de 1950 (Foto: Reprodução)

Hotel Novo Mundo: do glamour ao abandono

Mateo Gentili
MeuRio

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A década de 1950 no Brasil foi notoriamente marcada por acontecimentos históricos que mudaram não só a trajetória política do país, mas também os ramos de urbanização, educação, arte e imprensa. Após quase dez anos sem golpes de Estado, predominava em terras tupiniquins uma sensação de tranquilidade institucional. E foi no início dessa fase de mudanças caracterizada pela modernidade intelectual proposta por Vargas e Kubistchek, que os imigrantes espanhóis Gumercindo José e Vitor Fernandes, a pedido do presidente Eurico Gaspar Dutra, projetaram a idealização de uma imponente estrutura de 12 andares, com traços em art déco e muito luxo: surgia o Hotel Novo Mundo, na famosa Praia do Flamengo, número 20.

Idealizado em 1947 e construído ao longo de três anos, para receber as delegações dos times que participariam da Copa do Mundo de 1950, o Hotel Novo Mundo, que fica a poucos metros do Palácio do Catete, oferecia a seus hóspedes vistas inigualáveis, de tirar o fôlego. De suas janelas grandes e de suas varandas chiques, era possível apreciar os principais cartões postais da cidade: o Cristo Redentor, a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.

Símbolo da high society carioca

Como não poderia ser diferente em um país onde em determinados locais só os ricos tem acesso, o Hotel, presente em narrativas de autores como Jô Soares e Luiz Alfedo Garcia Roza, logo se transformou em um ícone de receber convidados ilustres. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Duque de Bragança, Pelé, Cauby Peixoto, Agnaldo Timóteo e até a banda porto-riquenha Os Menudos estavam entre os seus hóspedes. Pessoas famosas não só se hospedavam no Hotel Novo Mundo, como moravam nele, nos apartamentos disponíveis para aluguel.

Em seus 11 extensos salões, decorados com mobília francesa e acabamentos em bronze, aconteciam eventos nos quais a alta sociedade carioca se divertia, comia e bebia madruga afora.

Anúncio do Hotel Novo Mundo, publicado em junho de 1950, no O Jornal (Reprodução: Facebook)

Conexão com o futebol

Desde o princípio de suas história, o Hotel símbolo dos anos dourados do Brasil viu sua trajetória caminhar juntamente com acontecimentos futebolísticos. Passados oito anos de sua inauguração, em 1958, o salão nobre do edifício sediou a comemoração do título da Copa do Mundo daquele ano. Após aterrizar no Galeão de um voo oriundo de Estocolmo, Suécia, a seleção canarinho transformou, ao menos por aquela noite, as dependências do hotel em um reduto de boêmios apaixonados por futebol, que festejavam e brindavam após a vitória do Brasil ante a Suécia.

Em novembro de 1969, passados 11 anos do título mundial conquistado pela Seleção Brasileira, Edson Arantes do Nascimento, o rei Pelé, marcava o milésimo gol de sua carreira, no Maracanã, vestindo a camisa do Santos. Na ocasião, o time paulista estava hospedado no hotel, e após a vitória contra o Vasco, recebeu as comemorações do feito histórico realizado pelo jogador. Tamanha era a importância do feito, que o Hotel providenciou uma placa comemorativa para homenagear Pelé. Nela, os dizeres: Ao rei Pelé, que ao completar seu milésimo gol encontrava-se hospedado neste hotel”.

Placa em homenagem a Pelé, no Hotel Novo Mundo (Foto: Rodrigo Rodrigues)

Inclusive em sua história contemporânea, o Hotel manteve fortes laços com o futebol, mesmo que estes, de forma visual. De suas janelas, era possível contemplar as clássicas e intermináveis peladasdos campos do Aterro do Flamengo.

Mas o legal mesmo aconteceu tarde da noite, na volta do show. Sem sono, me debrucei para admirar a vista noturna da cidade e dei de cara com as famosas peladas no Aterro do Flamengo; claro que desci para ver de perto o tradicional rachão dos garçons na madrugada, com direito a isopor lotado de cerveja na beira do campo. Quem errava uma jogada, era obrigado a buscar uma latinha. (Depoimento do jornalista Rodrigo Rodrigues, hospedado no hotel)

Vista do Novo Mundo para o Aterro do Flamengo, palco das peladasmadrugada afora (Foto: Rodrigo Rodrigues)

O início do fim

Apesar dos eventos esportivos que ocorreram no Rio de Janeiro nos últimos anos ocasionarem mudanças positivas em diversos aspectos para a cidade, como o transporte público, o boom no mercado hoteleiro causado pelos Jogos Olímpicos em 2016, fez com que importantes hotéis da cidade tivessem suas operações afetadas. Conforme a Associação da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro, após o fim dos jogos, 13 hotéis fecharam as portas. Segundo o presidente da entidade, dobrou-se a oferta, sem gerar a demanda necessária”. O resultado da crise foi -e continua sendo- a perda de postos de trabalho e o enfraquecimento do setor, resultando no fechamento de hotéis tradicionais da cidade, que dão espaço para hotéis novos, a maioria empresariais e de redes famosas.

O fim

Tendo ao longo de sua vida ligação com importantes acontecimentos da história contemporânea brasileira, e após quase sete décadas servindo o mercado hoteleiro do Rio de Janeiro a todo vapor, o prestígio e glamour que um dia caracterizaram o Hotel Novo Mundo se viram misturados ao grande acúmulo de dívidas. Somando quase 10 milhões de reais de IPTU atrasado, o Hotel se viu obrigado a encerrar suas atividades, sendo, assim, vendido em março deste ano pelo valor de 37 milhões de reais. Até pouco tempo atrás, ainda era possível ver os leões de bronze que protegiam a entrada do edifício. Quem passa pela porta do Novo Mundo hoje, vê tapumes e placas de barragem. É o fim de um histórico hotel que presenciou desde suicídio de presidente, até título de Copa do Mundo.

Foto tirada após o suicídio de Getúlio Vargas. O Hotel Novo Mundo aparece no canto superior direito (Foto: Reprodução)

A educação como esperança do recomeço

Popular em países da Europa e América do Norte, e já atuante em diversas cidades do Estado de São Paulo, a empresa de atendimento ao público estudantil Uliving anunciou que, a partir de 2020, no histórico prédio do Novo Mundo funcionará uma hospedagem estudantil.

O projeto consiste em oferecer aos estudantes quartos individuais ou compartilhados, além de áreas comuns, como sala de estudo, sala de tv e cozinha comunitária. A ideia da marca é oferecer estrutura, troca de experiências e suporte para os estudantes em fase de formação.

Para manter viva a memória do hotel, está previsto a construção de um memorial com homenagens, que estará à disposição de todos os visitantes. Segundo a empresa, será preservada a identidade arquitetônica do hotel.

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Mateo Gentili
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22 anos, carioca e Jornalista em formação