Roxy: mais um cinema de rua fecha as portas

Carina Mattos
MeuRio
Published in
7 min readJun 14, 2022

Foram 83 anos de histórias e reproduções de filmes que marcaram a vida de milhares de cariocas

Inauguração cinema Roxy Copacabana/ Imagem: Jornal Beira-Mar

Inaugurado em 3 de setembro de 1938, o cinema Roxy levava em seu nome a referência ao antigo Roxy Theatre de Nova York, um dos maiores cinemas já construídos na América do Norte. O Roxy era um dos principais exemplares no Rio dos chamados cinemas palácios, que contavam com capacidade para mais de mil pessoas. O Roxy recebia até 1,6 mil espectadores.

Desde a inauguração, o Roxy foi a sala favorita para as principais estreias do cinema mundial. Alguns deles tão concorridos que o tráfego da Av. N. Sª de Copacabana chegava a ser alterado, com desvio dos ônibus para a Avenida Atlântica.

Jornal Beira-Mar — edição 1938/ Imagem: Memórias BN Digital.

Aproximadamente 3 mil pessoas assistiram a sessão inaugural — a capacidade era de cerca de 1,7 mil lugares, mas foi inflada pelas inúmeras crianças que estavam presentes no colo de seus responsáveis e das 800 que ficaram em pé na área atrás da última fileira de poltronas.

A arquitetura, uma preciosidade em estilo Art Déco assinada pelo arquiteto Raphael Galvão. A decoração luxuosa, o espaço grandioso e telas enormes chamavam a atenção de todos os visitantes. O teto, enfeitado com sete anéis que, iluminados, reproduziam as cores do arco-íris. A escadaria seguia um modelo digno de filme — literalmente -

Escadaria Cine Roxy/ Imagem: RWARQUITETURA.BLOGSPOT.

Já nos anos 90, a grande sala de exibição foi dividida em três menores, seguindo uma tendência mundial.

Passagens do cinema

O cinema também foi palco de algumas polêmicas, entre elas, um incidente que marcou sua história:

antes de cada filme eram exibidas propagandas nacionais que incluíam a eleição presidencial. Dia 31 de dezembro de 1945, esse momento foi dedicado ao pleito que elegeu Eurico Gaspar Dutra. Pouco antes das imagens serem mostradas, a sala foi invadida por um criminoso que entrou atirando. Um espectador foi atingido no pescoço, felizmente sem gravidade e uma senhora foi cruelmente espancada por radicais.

Em 2011, o bailarino João Batista Júnior e o sociólogo Thiago Soliva que protagonizaram mais uma cena

registraram queixa na Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual. De acordo com João, ele e o companheiro foram convidados a se retirar do cinema pelo agente, após se beijarem na sala.

Rumores sobre o fechamento do Cine

Nos últimos anos, as três salas eram frequentadas em grande parte pelo público idoso que é preponderante no bairro e também foi o maior alvo da covid-19. A pandemia fez com que o público reduzisse drasticamente a ida ao cinema, o que contribuiu para a crise financeira do Roxy.

Após meses fechado no decorrer da pandemia da Covid-19, o cinema reabriu em outubro de 2020, mas fechou novamente dois meses depois. O grupo Kinoplex anunciou que esperaria que toda a população do Rio fosse vacinada para reabrir em segurança.

Devido a demora no retorno, houve rumores que o Roxy fecharia as portas para sempre por questões financeiras. Os cinéfilos que frequentavam o famoso cinema fizeram vaquinhas e petições para mantê-lo aberto.

Imagens: Twitter

Confirmação do fechamento

O comunicado do encerramento das atividades foi anunciado em junho de 2021 pelo Grupo Severiano Ribeiro. Roxy foi o último cinema de rua de Copacabana a fechar as portas. A pandemia e a disseminação das plataformas de streaming foram decisivas para o fim.

O imóvel localizado na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, está à venda por cerca de R$ 30 milhões, segundo publicou O Globo.

Já reconhecido como “marco referencial na cultura cinematográfica da cidade”, a prefeitura também decidiu incluir o Cine Roxy no Cadastro dos Negócios Tradicionais e Notáveis da cidade, afirmando que o cinema agora faz parte dos bens imateriais do Rio e seu ramo de atividade seguirá preservado.

Em nota oficial, o Grupo Severiano Ribeiro informou que lamenta profundamente o fechamento e que a empresa vê com receio a inclusão do cinema no Cadastro de Negócios Tradicionais e Notáveis do Rio de Janeiro.

“O Grupo Severiano Ribeiro confirma o fechamento definitivo do Cine Roxy e vê com receio a notícia sobre a inclusão do cinema no Cadastro de Negócios Tradicionais e Notáveis do Rio de Janeiro, uma vez que atrelar o imóvel à sua atividade não garante que a mesma será desempenhada pelo proprietário e nem poderia.

A decisão de fechamento do cinema foi lamentada imensamente pelo grupo, que há alguns anos vinha lutando por sua sobrevivência, mas totalmente pautada nos resultados que o cinema vinha apresentando.”

O Instituto Rio Patrimônio respondeu ao Diário Do Rio afirmando que “o enquadramento do cinema na lista visa garantir a sua continuidade histórica, uma vez que o cadastro leva em conta a necessidade de estabelecer políticas e incentivos para a valorização e conservação destes bens culturais que passam por processo de transformação ou de desaparecimento”.

Importância dos cinemas de rua

Cada dia mais os cinemas de rua são substituídos pelos streamings e pelos cinemas de shoppings centers, o que torna o acesso ao cinema mais visto como um produto a ser “consumido” do que como cultura e arte em si.

A cultura do cinema de rua é nostálgica e também possui catálogos mais diversificados que dão espaço a muitos filmes importantes para a história do cinema. Espaço esse que nem sempre é dado pelos cinemas de shoppings centers.

Em entrevista à revista Esquinas, Thássia Moro, atual coordenadora executiva do Petra Belas Artes, um dos mais tradicionais cinemas de rua de São Paulo comenta:

“O cinema de rua é um retrato do audiovisual e do Brasil em si. Muito mais do que um projeto que dê lucro, os cinemas de rua contam um pedaço da história da cidade. Eu sou do interior de São Paulo e minha cidade tinha um cinema de rua que fechou e as pessoas mais velhas, que o frequentavam, se lembram dele com uma memória afetiva gigante. Cinema é cem por cento cultura e tem todo um papel de trazer diversidade e acesso. Quando só há um tipo de produto, o que dá lucro, isso limita o crescimento da função do cinema em si. Existem muitas variáveis, mas o cinema de rua é com certeza muito importante para uma memória que cada vez perdemos mais. Ter um cinema por perto é uma conquista para manter um pedaço da cultura do Brasil que está se esfacelando cada vez mais.”

No artigo Cinemas de rua de um certo Oriente, a doutora em cinema Ivonete Pinto afirma: “Se a programação das salas de shopping ativer-se apenas aos lançamentos, que é o que acontece, a cidade fica dependente da existência de cinematecas e salas alternativas, normalmente subsidiadas pelo Estado, municípios, entidades ou bancos. Cidades que não possuem este aparato, fatalmente ficam relegadas aos lançamentos comerciais, nunca tendo acesso a ciclos, mostras e eventos cinematográficos que vão além da exibição, e, mais grave, nunca tendo acesso aos filmes brasileiros.”

O comportamento do público que frequenta as salas de cinema de shoppings geralmente revela uma conduta inadequada. O que deveria ser um lugar demarcado para usufruir da arte, do silêncio e devoção, foi substituído por um local barulhento, de falação e mastigação, ambos de modo compulsivo, adquiridos em frente aos aparelhos de televisão e transferidos para os cinemas.

O crítico de cinema José Geraldo Couto tem um pensamento que vai ao encontro desta inquietação. “(…) Também não sei se o ponto é simplesmente ‘o fim dos cinemas de rua’, como todo mundo tem insistido. O ponto, receio, é o fim de um certo cinema, de uma certa cinefilia, de uma certa atitude diante dos filmes e do ato de ver filmes”.

Cinema Roxy / Imagem: Wikimedia Commons

“O Roxy fará muita falta”

A moradora de Copacabana Drika Costa (50) era uma frequentadora assídua do prestigiado Cine Roxy. Ela afirma que os cinemas de rua são muito importantes e que o Roxy fará muita falta.

“O roxy era muito importante pra mim. Por ser situado em minha rua e por amar cinema, era uma programação que eu fazia todos os finais de semana com a minha família e amigos. Era um ambiente muito acolhedor e confortável. As telas eram grandes, o som era excelente e tinham filmes diferentes e muito bons.

Acredito que o propósito de todas as pessoas apaixonadas por cinema é o mesmo: assistir ao filme. Os cinemas de shoppings e galerias acabam dispersando muito com a mistura de lojas e restaurantes que acabam tirando o foco do objetivo principal. Já o cinema de rua dá a sensação de entrar e estar ali totalmente focado e envolvido na história, no filme, na arte… A experiência é mais direcionada e mais completa. Os cinemas de rua são muito importantes. O Roxy vai fazer muita falta.”

Outros cinemas de rua que fecharam no Rio de Janeiro

Por Carina Mattos e Sofia Peregrino.

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