Crônica de uma viagem à borda do universo
Crônica
Aconteceu quando eu lia um livro, estirado no sofá de casa. Não importa qual livro. De repente tiro os olhos da página e minha vista voa planeta afora, escapando da atmosfera, e percorre o sistema solar, então a via láctea, e atravessa todo o conjunto de galáxias conhecidas. E, quando dou por mim, estou de volta no meu sofá, na cidade de São Paulo. Tudo em menos de um segundo.
O que mais intrigou, porém, é que assim que cheguei na borda do universo conhecido percebi que havia ainda muito mais, que talvez não tivesse chegado nem na metade do caminho e que talvez esse caminho sequer fim tivesse — e eu aqui achando distante a minha faculdade, a borda do meu universo cotidiano.
É possível que tenha sido apenas um lapso no funcionamento do meu cérebro, uma pequena alucinação, como achar que um vulto visto de esguelha é um monstruoso sapo-boi, quando na verdade não passa de uma pedra. É capaz, também, que tenha sido uma experiência extracorpórea, em que me encontrei em tão transcendente estado de serenidade que fui capaz de sacar minha alma para fora do corpo, enviando-a tão longe quanto se é possível chegar nas limitações do espírito humano. Mas foi um estado tão sublime de serenidade que não pude mantê-lo por mais que um ínfimo instante.
Eu desconheço a verdade dessa experiência. Só sei que aconteceu. E, apesar de sua extrema brevidade, ela teve consequências das mais profundas sobre meu senso de autoimportância. Em um só tempo eu soube o quanto minha existência é extraordinária e insignificante e o quanto o universo é belo e precioso e o quanto as coisas são frágeis. Eu soube disso como quem sabe que dois mais dois é quatro, como quem sabe que o céu é azul e que os gatos são criaturas adoráveis. E, no instante seguinte, eu não tive mais certeza de nada. Tudo me escapou pelos dedos, como se fosse areia ou água.
Fechei o livro e liguei a tevê. Foi informação demais para um dia.