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16 min readSep 27, 2015

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Partindo-se de diferenças entre diversos gêneros de jogos, hoje podemos abstrair o que é cada trabalho de dezenas de milhares de horas em cinco ou seis palavras: multiplayer, action-adventure, RPG, JRPG (uau), ou até, se alguém se sentir especialmente não-criativo, metroidvania, “Dark Souls Encontra Algum Outro Jogo” entre outros. Conhecemos o terror quando isso abriu a possibilidade de que se fosse como aquele colega do ensino médio que dizia: “eu ouço rock”, alguém que Consumia O Produto pelo rótulo (i.e Os Mais Ouvidos que se encontravam em alguma tag de algum site de música). Esse colega, você pode perceber (e essa anedota é ideal), comete equívocos de níveis incríveis, mas equívocos honestos — ele se interessou pela banda “Roxette” (ou pela música “Roxanne”, mas essa ele conheceu no Guitar Hero) porque quando ouviu sua prima mais velha dizer o nome da banda foi como um apito canino, você sabe que ele levantou as orelhas ao ouvir a primeira sílaba. Ele financia projeto no kickstarter que é descrito como “Dark Souls Encontra Algum Outro Jogo” motivado pelo mesmo sentimento. É surpreendente que haja, e há, beleza nisso: a forma nós só entendemos lá dentro, em contato com o que ele é, não com o seu resumo; afunilar interesses ajuda, embora tais interesses só sejam realmente expandidos em tangentes — “ei, esse rpg com elementos de plataforma é legal, talvez eu goste de plataforma” — e esse funil se desmonta aos poucos, assim, por existir para que deixe de existir, ele se mostra um dos mais interessantes fenômenos.

No começo dos Videogames Modernos ainda não existiam muito bem esses gêneros. Você era um bonequinho amarelo que comia bolinhas, então presumia-se que o corte de pizza em um dos lados era uma boca. O Mario pulava em “plataformas” tanto quanto ele pulava no chão, em canos, em blocos, mas o gênero não passou a ser conhecido como “canos” (Dark Souls Encontra Canos), então aí entra um pouco de diminuição de excessos em prol do ponto. Esse ponto vive no seguinte: embora existam esses modelos de jogos, eles são o fim, não o começo; e aí se você parte do princípio de “quero fazer um jogo de plataforma sobre x” as chances de você se limitar são maiores do que se pensar “quero fazer um jogo sobre x” e então imaginar qual seria o melhor formato, ou “quero fazer um jogo de plataforma” e depois imaginar qual seria a temática. Breath of Fire, II, III e IV foram claramente pensados para serem “RPGs”, e por isso eles ficavam sempre à sombra de outros jogos que pensaram nisso antes, como Final Fantasy ou Dragon Quest — Breath of Fire era (a não ser que você fosse do futuro e soubesse que nesse futuro iríamos traçar uma linha progressiva juntando obscuridade com qualidade) a terceira opção. Era a terceira opção porque era um competidor: o modelo era o mesmo, com pequenas subversões entre uma franquia e outra, mas todos queriam ser um jogo em que você controla alguém por um mapa e entra em batalhas inesperadas que, depois aprenderíamos com o RPG Maker, podiam variar por distância percorrida, passos, tempo ou tipos de monstro.

Breath of Fire (V) Dragon Quarter foi dirigido por alguém que nunca havia dirigido nada antes, é claro, pois ele não tem jargões. Digo, talvez tenha — a Capcom criou alguns, ajuda no marketing (Breath Of Fire ([RPG] Encontra Grandia [TRPG] E Tromba Com Dark Cloud [ARPG], Financie Já Pelo Kickstarter [se você amar RPGs])) — mas ele não foi feito com jargões, no máximo um norte pelo seu nome ser Breath of Fire. Tudo no jogo é um Jogo pois tudo foi pensado em aplicação: quando você morre você “joga” tanto quanto alguém “joga” um jogo de cartas — o jogo são as decisões, não a movimentação de cartas na mesa e, logo, em Dragon Quarter, pode-se escolher duas opções diferentes quando se perde e ambas influenciam o jogar (Movimentação De Cartas Na Mesa) assim que você prosseguir — do início, do último telefone, que seja - será diferente da última vez por uma decisão feita em um menu que, por incrível que pareça, não contém as opções “ataque” ou “defenda”. Mesmo no menu que tem “ataque” e “defenda”, cada uma das opções é mapeada a um botão, então, se você franzir os olhos o bastante, é quase um sistema de combo: xis, quadrado, xis, bolinha (“círculo”, se você costuma fazer poesia), xis, triângulo. Do começo é assim: novas cenas, se você se importa, caso já tenha jogado alguma vez e voltado após morrer. Por isso tudo é um jogo, e todas as ramificações são nossas, criando um pacote apenas que faz tanto sentido quanto se dispõe a fazer (à parte de preposição e termos como “worldbuilding”) e onde provavelmente, em vez de um quadro com diversas fitas ligando acontecimentos para o roteirista se lembrar o que deve afetar o quê, só uma máquina de escrever — ou um computador, de preferência não no google docs mas sim em algo que se pareça menos com um emprego (um emprego, não uma profissão) — e um cérebro capaz de se lembrar do que criou enquanto cria mais.

E é claro que como ele não tinha jargões pouca gente gostou. “Não é um Breath of Fire verdadeiro!”, “só tem o nome da série!”, “como assim eu tenho que prestar atenção no que eu aperto e trabalhar de modo eficiente?” exclamavam de modo bastante pontual os Verdadeiros Fãs da série enquanto teciam os espantalhos que usamos aqui pra brincar de tiro ao alvo: eles não entenderam. Assim, existe um estigma quanto a sentença “você não gostou pois não entendeu”, alguns até chamam de “Falácia do Evangelion”, se referindo ao fato de que os fãs do anime Neon Genesis Evangelion rebatem qualquer crítica com isso do “você não gostou por não ter entendido”. Isso quer dizer várias coisas, uma delas sendo que a primeira coisa que eles entraram em contato que pode não ter sido entendida foi Evangelion, e outra delas é que quer dizer que é a primeira coisa que quem defende teve que fazer algum esforço pra entender. Ambos os casos são tristes. Nós aqui da NOT_VIDEO unanimamente entendemos Evangelion e por isso, através disso, apesar disso, também entendemos Dragon Quarter — a ponto de conseguirmos gritar significados pra ambas as obras enquanto nos masturbamos, ouvindo a entrevista de Hideaki Anno em que ele admite que só cria personagens doentes. Dragon Quarter, porém, por não ser popular, dá pra falar que as pessoas não gostam porque não entendem mesmo — afinal ele geralmente é só odiado, é um alvo fácil, mas agora nós somos A Resistência.

Um salto de fé é necessário para quem se encontrou frente a esse jogo por causa de alguma tag de gênero, é uma sensação semelhante àquela de quando se vai aprender alguma arte marcial, é uma barreira que requer um tipo específico de esforço, não apenas “esforço” (esforço como empenho puro, água mole em pedra dura). Se discriminarmos Gêneros pela Natureza Do Esforço Que É Exigido Ao Jogá-los veremos padrões interessantes, desde padrões genéricos (os números desse inimigo nesse RPG são altos, tenho que aumentar os números dos meus personagens), até padrões específicos que são identificados quando pensados em contraste aos outros (a Morte em Dark Souls [e provavelmente em Dark Souls Encontra Gran Turismo]), dissona do que é comum em gêneros semelhantes, ela é um evento que disciplina o jogador. É sintoma de uma falha — seja ela de planejamento ou execução — e, a falta dela, portanto, é sintoma de um sucesso — seja ele de planejamento ou execução. Nesse ponto o padrão geral é seguido, no entanto a forma com que isso incide no jogador é diferente, perder todas as almas nesse jogo é formalmente Perder Quase Tudo, mas não o é de verdade, qualquer sessão extensa mostra isso, a facilidade [facilidade como sinônimo de frequência] e leveza [leveza objetiva e material, o que se perde, o quanto custa, é sabido que a maior das penalidades nesse jogo é a frustração pessoal] com que a guilhotina degola o jogador sintetiza Um Novo Padrão. Esse novo padrão, somado a outros padrões já conhecidos e taxonomicamente ordenados, traz à baila o que se pensa como um novo Gênero).

O que chamados de Discriminar Gêneros pela Natureza Do Esforço Que É Exigido Ao Jogá-los é um exercício tão menos metódico quanto forem imiscuídas naturezas diferentes no jogo. Meu Amigo Que Diz Ouvir Rock (que no caso é um subtipo, Amigo Que Diz Ouvir Metal Celta) é um grande fã de fantasia medieval e seus vários nichos. Ele tem (e leu, não que isso seja realmente importante para o que se explicará, mas é importante para mim deixar claro que ele é uma pessoa honesta inclusive no erro) aqueles livros do Tolkien, e aqueles livros do Martin, não por hobby ou para passar o tempo, mas porque ele venera esse tipo de coisa, ele, vejam só (e por favor lembrem-se de que ele é honesto), escreve e lê em runas élficas. Isso é mais que o suficiente para que a imagem desse amigo surja na mente de quem lê, esse é um texto sobre jogos, é gritantemente óbvio, portanto que essa descrição deve ter feito Aquele Jogo Medieval De Fantasia ter prioridade na lista de características do perfil desse amigo.

Esse amigo não só é “fã e apreciador” de Skyrim: esse(s) universo(s) retumba(m) em sua consciência, e sua forma de respeitar o jogo é quase que um ritual pagão, ele impõe regras e limites próprios para sua atuação, tanto formais (imagem) quanto materiais (ação). Esse amigo riu de forma desesperada e desdenhosa quando viu que meu personagem vestia alguma armadura pesada enquanto eu abusava do sistema de stealth do jogo. Veja, não era questão de eficiência, isso eu entenderia: “ei, equipe aquela luva que dá bônus para tal atributo quando precisar dele”. Esse tipo de apreço e cuidado é comendável, o que era absurdo e paradoxal, para ele, era que eu estava avacalhando com o jogo e seu Universo, frases como “esse personagem não pode (DEVE) usar magia…” são comuns e sérias quando vindas da boca dele. Mas, veja, não é esse o esforço que o jogo exige para ser jogado, Dark Souls (Encontra Dance Dance Revolution) te mata quando o que é exigido não é oferecido. O que Instiga esse amigo a jogar por essas regras e limites autoimpostos não são os desafios em si, mas o que eles significam, o respeito por aquele mundo, o respeito por alguém que vive naquele mundo, o personagem. Alguém não acostumado, ou que não enxerga os mesmo valores nessa prática, por exemplo a NOT_VIDEO, estranha, não aceita essa exigência, esse capricho. Nós temos nojo de que subterfúgios nos obriguem a agir de determinada forma, respeitamos, pelo contrário, o pulso firme da exigência nos jogos. A Possibilidade enquanto forma de cumprimento da exigência é o arranjo (no sentido musical) desse foco de análise — Ico deve proteger Yorda, essa é uma exigência do jogo, as Possibilidades apresentadas, porém, nos levam a presenciar e perceber algo que é amor em sua forma mais pura e genérica. Essa experiência é natural e é, sem sombra de dúvidas, desígnio de alguém.

Basicamente: as coisas são antes que elas devam ser.

JAPAN ONLY

O Esforço Exigido nos jogos anteriores da franquia Breath Of Fire não é o mesmo de Dragon Quarter, esse é o salto que ele exigiu de Fãs Da Franquia, a adaptação do esforço. A adaptação não é só mecânica, não se pode simplesmente investir tempo, não da mesma forma pelo menos, e avançar no jogo. Essa é uma torção fundamental na franquia e a mais palpável, porém não é a maior nem a mais irriquietante. O gameplay é palpável mas a atmosfera e o clima são opressoras (no melhor dos sentidos), é natural que sintamos mais segurança com o que podemos tocar do que com o que conseguimos apenas enxergar, mas o que nos ataca de alguma forma vai além. Isso ocorre tanto por uma perspectiva relativa (jogos não costumam ser assim) quanto por uma absoluta, o surto de sensações é incrível se se pensar que não é um jogo que tenta mandar impulsos sinestésicos, se estivéssemos em um tempo avançado o suficiente e alguma tecnologia permitisse, pagaríamos para sentir o ambiente, a umidade, o calor, o frio, o cheiro do que é esse jogo. O jogo exige que se passe por isso. E exige mais de uma vez.

Breath of Fire IV (intravenoso? :-O) terminava com a escolha de você matar o chefão final ou se aliar a ele e ter que eliminar seu próprio grupo de amigos: essa segunda era considerada a opção “ruim”, afinal, o mundo acabava e nem tinha um “Chefe Final De Verdade”, sendo que quem joga videogame ama chefes finais. A escolha “boa” envolvia você (Ryu), após vencer tal chefe numa batalha de atrito de cinquenta minutos, voando (trocando o cabelo azul por loiro) pelo mundo, talvez pra se certificar de que ficou tudo bem. Nós aqui gostamos muito de jogos que tem a coragem de mostrar que toda a jornada foi infrutífera no final, pois isso reforça o argumento de que é o caminho que importa, e o IV, apesar de não forçar isso, dava a opção para um jogador mais preguiçoso ou iluminado. De novo: essa era considerada a escolha ruim. Breath of Fire V, portanto, naturalmente, começa com um mundo que foi destruído e essa situação forçou a humanidade a morar abaixo da superfície da Terra. Para essas pessoas (fãs e apreciadoras de Skyrim, honestas ou não), isso era um desrespeito ao “lore”, o que quer que isso signifique — afinal, automaticamente invalida as setenta horas que cada um passou com seu Breath of Fire IV uma década atrás, mostrando que no final se aliar com o chefe final era o “canônico”. Essas pessoas também não gostam de Alien 3 pelo mesmo motivo. Nós não nos importamos e assumimos que a maioria das pessoas que gostaram de Dragon Quarter possivelmente nunca haviam jogado outro jogo da série na vida e, por conseguinte, não pegariam essa referência — ela serve justamente pra mostrar a quem jogou outros jogos da série que ali a pegada era diferente e que as nossas concepções de como tudo devia funcionar ali deviam ficar na porta do apartamento (junto com o final de Max Payne 2).

Morando em cavernas embaixo da terra é claro que o objetivo principal é ter a oportunidade de ver o céu com os próprios olhos. É estranhamente humano esse querer, especialmente em uma série onde, até então, havia tido como Pico Emocional um robô que estava morrendo de câncer. Ver o céu é algo tão presente na vida da maioria das pessoas que só quem consegue apreciar isso (não confundir com bater palmas para o mesmo) consegue imaginar como seria nunca mais vê-lo, e, se quiser, puxar um pouco a sardinha pra algo mais Crítica Social, com industrialização e poluição (embora, talvez, só pensemos isso pois já estivemos em São Paulo). É palpável também como quanto mais profunda geograficamente a sala onde estamos, parece ser maior o contraste das cores (todas escuras, porém) — e, conforme subimos, as coisas ficam mais opacas, agradáveis, indo de encontro ao que está acontecendo: como qualquer (bom) jogo, a dificuldade é progressiva, embora jamais por si, e sim por nós. A exigência de que devemos ter aprendido é algo que nós deveríamos exigir de qualquer jogo: um quid pro quo, em que damos mais pra recebermos mais (ou mais “Menos”), pela impressão de que o tempo jogado valeu de algo, de ensino, nem que especificamente pra si mesmo. Estando cada vez mais claro e difícil é simples: o objetivo se aproxima, a mente clareia, e a ansiedade se torna menor se conseguirmos sentir o objeto que causa esse anseio: luz, “atmosfera” (escrever sobre videogames: falar sobre atmosfera [como “sentimento”] de cara limpa, mas colocar aspas na “atmosfera” literal [camada de gases, “ar”]) e, eventualmente, um chefe ou um monstro maior pra nos lembrar que ainda não foi alcançado, mas já está quase lá.

É um jogo que quanto mais rápido você quer terminar, menores são as chances de terminar: a transformação em dragão de Ryu sobe um contador que, se atingir, 100%, termina o jogo. Enquanto dragão se luta muito menos mas muito melhor; um, dois turnos, e a luta acaba, é só questão de posicionamento (“aqui eu consigo pegar mais de um inimigo com meu lança-chamas”), mas é possível, sem muito esforço, alcançar esse 100% em uma luta só. Ele sobe também enquanto andamos pelo mapa, numa taxa negligível o bastante pra não realmente atrapalhar se você quiser Jogar O Jogo e não usar a forma de dragão, mas perceptível o bastante pra nos pressionar, causando o mais próximo possível de um sufocamento, de claustrofobia, de descobrir que talvez haja mais naquele mundo (superfície, céu, sol), do que conhecemos ou conseguiremos conhecer (cavernas, monstros, escuridão, contadores). A ansiedade é um caminho pro fim (o fruto dela), logo, a ansiedade é o jogo, logo, sem ansiedade não há jogo, logo, o contador é o jogo, o dragão é uma muleta pra alguém que já se medicou perante essa ansiedade (jogou muitos outros jogos, jogou a série até então, escolheu matar o chefe final do IV, pensou em “mecânica”, pensou como “relógio”), logo, o dragão é sempre uma possibilidade mas nunca uma opção (como em “eu posso jogar uma pedra no carro estacionado no vizinho, mas não irei”).

A verdade inconveniente é que tomar sorvete no calor não refresca o nosso corpo, é uma embreagem pra tomarmos sorvete: é gelado, portanto é bom quando está calor, mas a verdade é que tomamos sorvete pelo seu sabor em si, como tomamos chá, como comemos bolacha, como separamos a bolacha do recheio: é por si, nós, não é tão holístico, não necessita do “calor”. Da mesma maneira, usar o dragão não diminui a ansiedade: a batalha acaba mais rápido, mas chega mais perto do 100%, o resto do jogo fica mais tenso, no fim das contas é só um encalço pra algo que será potencializado depois, justamente por não termos a paciência (capacidade, preparamento) de lidarmos com algo sem precisar do botão turbo: a consequência é, portanto, maior do que peso na consciência, se reflete no próprio sistema, como acontece quando você, voltando do trabalho, resolve passar na sede de uma rádio de cidade grande pra ganhar seu adesivo — talvez evite o trânsito principal, mas você não é a única pessoa a ter essa ideia (nunca é, nunca será), e, portanto, o trânsito estará em outro formato (caminho-rádio, não caminho-bairro).

Vamos então fingir que acreditamos que você gosta de God Hand por vontade própria e não pra ir de encontro àquele 3 que a IGN deu, que aparece tantas vezes ao lado de Imagine Party Babiez (com seu 7.5), pra mostrar o quão não-confiável é o veículo. Nós também achamos que é! Não por causa da nota de God Hand, mas por causa da nota de Dragon Quarter. Dragon Quarter tirou 8.2, o que pode parecer justo, mas que não é ao lermos o review: ele diz que a “estratégia de combate do jogo é enorme” após dizer que podemos bater no inimigo antes de entrar na luta. Não como um adendo, mas como o motivo. A estratégia do jogo é enorme porque você pode ganhar um turno extra. Uau. Se isso é um 8.2, imagine o que seria um 3. Mas sério: a “estratégia de combate é enorme” por todos e quaisquer outros motivos que não esse. Isso não justifica o 8.2. O 3 de God hand serviu pra fazer as pessoas prestarem atenção no jogo, ao menos, e no meio tempo descobrir que pode até ser bom — Dragon Quarter com seu 8.2 não. Não é um 10, nem um 5, é 8.2. Qual o impacto de um 8.2? É uma nota que nem existe. Será que esses .2 são por causa da “estratégia enorme de combate” de bater no inimigo e ganhar um turno extra? O que importa é que, tivesse Dragon Quarter recebido um 3, 4, 2.7, de um veículo grande como a IGN, receberia mais atenção e aí talvez as pessoas começassem a fingir que gostam e admitissem a obra-prima que é essa porra, só pra contrariar o site, que ousou dar 3 pra God Hand e 7.5 pra Imagine Party Babiez.

Nesse mesmo review de Breath of Fire tem a seguinte frase:

“(no level building here, partly the reason that the game ends so quickly)”

Essa sentença merece destaque por, reza a lenda, ter sido escrita numa brincadeira do orkut de bater a cabeça no teclado e postar o que quer que saísse na tela — sem edição ou motivos ulteriores. Se você bater a cabeça no teclado, há a chance de escrever a mesmíssima coisa (a chance de um macaco digitando é menor, esses símios estranhamente têm bom gosto). Pode testar.

DESCOBRIMOS AGORA: a tradução em português pra “asinine” é “asinino”, e isso fez com que a palavra perdesse grande do impacto pra nós. “Asinine” dá uma impressão muito mais forte do que “asinino”, provavelmente pelo “naine” fonético. O jogo aqui é tentar descobrir o que nós iríamos descrever com “asinino” (dica: não era o review do Imagine Party Babiez).

Onde você anda é onde quer andar — talvez não faça sentido geográfico, não sabemos, nunca moramos embaixo da terra — mas todo caminho é novo, algo que acontece em prol do objetivo principal (superfície) e longe do ponto de início. Eventuais cidades e pessoas vão ficando cada vez mais escassas, e você só volta nelas se quiser: pegar itens, comprar itens, guardar itens, equipamentos, mas nunca por ser obrigado. Provavelmente ninguém pensou em qual deveria ser a duração: a pessoa projetou o jogo e ele alcançou sua duração naturalmente, e de modo variado de jogador pra jogador, caso você queira jogar certo, errado, numa mistura dos dois, ou caso só queira jogar, descobrindo seus caminhos por si, e com a perspectiva de que toda repetição será minimamente diferente — pois a cada ciclo, não apenas Ryu cresce, mas crescemos junto, sabendo quais caminhos tomar e quais monstros vencer.

Depois de Dragon Quarter o pessoal foi fazer Dead Rising, que tem bastante coisa parecida a nível superficial mas nenhum detalhe, tornando algo essencialmente diferente. Dead Rising, além de ser feio, é “engraçado”. Provavelmente um pedido de desculpas irônico e disfarçado: o riso amortece a estranheza, portanto, é uma prova de conceito. Viu só? O problema com o nosso Dragon Quarter não era nada mecânico, era má-vontade de vocês mesmo. Agora toma uns zumbis e roupas malucas, e se vocês gostarem, nós vencemos.

No fim das contas, é brio que Dragon Quarter exige de você. Se outros RPGs — em extensão e construção — são histórias épicas contadas em cinco livros, onze filmes e duas Séries Originais Netflix, Dragon Quarter é acompanhar, experimentar e entender uma encenação. O porquê de cada adereço é iluminado com cada sessão. O que escrevemos aqui não é nenhuma entrega de respostas, mas uma oferenda de questões. A transformação de Ryu em dragão é um evento que encerra o jogo, seja ela usada na primeira oportunidade, seja para derrotar o último inimigo com dois ataques. A cada encerramento você é perguntado: “como você quer continuar?”. O que é perguntado, de verdade, é: “é assim que você quer que isso encerre?”.

Quem é a pessoa dotada de brio que ignoraria um provocação dessas? Esse, singularmente, é um jogo que se encerra da forma que o jogador quiser. Toda frustração é espelhada, os fins, momentâneos ou absolutos, são seus.

Você.

Você vai deixar acabar assim?

Guilherme Alves
Samuel Xavier

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