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8 min readNov 28, 2016

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Esse não vai ser o último, né? Eu sei que não vai. Eu quero acreditar que vai.

Infinite Warfare é O Maior Call of Duty. Ele não é melhor que o de 2007, mas eu e o universo já decidimos que isso nunca vai acontecer. Modern Warfare foi o primeiro videogame moderno. Infinite Warfare é o postimeiro.

É impossível existir um jogo mais moderno que Infinite Warfare. Vão haver jogos maiores, mais tecnológicos, mais exagerados — provavelmente os próximos Call of Duty mesmo serão assim. Mas nenhum vai ser tão pontual quanto, retratar tão bem um momento na história da mídia e, eu diria que… até… ser tão… importante.

Não importa quantos planetas colonizemos ou o quanto nossas armas se pareçam realmente com naves espaciais (enquanto as naves espaciais em si se pareçam mais com grandes arcas), o inimigo principal sempre será o homem. Nesse caso em específico O Homem é o Jon Snow, e ele é o vilão mais Vilão que Call of Duty já teve. Não que a série seja conhecida por vilões que mereçam empatia (embora alguns sejam, quando não estamos mais falando de nazistas), mas dessa vez é muito claro que é para gente ter raiva dele e não conseguir ver pelos seus olhos em momento nenhum. Ele é uma caricatura e só percebemos isso quando morremos e vemos as suas citações escritas na tela, substituindo as citações reais (ou dicas) que tinham nos jogos anteriores. “A única função de um cidadão é ser soldado”, ele diz, e decreta que serviço militar é obrigatório para todos os jovens a partir de doze anos de idade (e que tal serviço deve durar ao menos quinze anos). A primeira vez que a gente o vê, ele atira nos próprios soldados. É tão claro que chega a ser engraçado (especialmente por ele, bem, ser o Jon Snow). Passa bem o que quer passar.

Assim, grande parte das pessoas que costumam falar de “qualidade de escrita” geralmente não manjam muito bem o que é escrita boa ou escrita ruim para ficção. Nunca souberam realmente o que determina qualidade literária (se é que isso é qualitativo por meios materiais), só aprenderam lendo outras resenhas de pessoas que provavelmente são mais inteligentes que elas e, por absorção, acharam que essa habilidade NASCEU nas suas cabeças, só por colher informações de outros que chegaram à suas conclusões por meios diferentes. Então, é: quando algo é “muito óbvio”, é “má escrita”. Acho que Infinite Warfare é mal escrito, portanto. Uma pena! O curioso dessa parte é que, como eu disse, essas partes das citações só aparecem quando você morre — portanto, o jogo só é mal escrito se você joga mal também. É um tipo de recompensa, eu acho?

A conclusão que chegamos é que quem ainda joga Call of Duty sem habilidade está trazendo todo o valor artístico da indústria para baixo. Se você quer que videogames sejam considerados algo grandioso através da própria ótica, a única coisa que pode fazer é botar no Difícil e mandar bala. É muito bom o Difícil do Infinite Warfare. Eu morri bastante também. Desculpa, mercado!

Sério — o ocidente poderia fazer só jogos de tiro. É onde a nossa habilidade se mostra do melhor jeito. Em RPG a gente não é lá essas coisas — e em jogos de ação em terceira pessoa que não envolvem tantas armas, então? Mas tiro, ah, tiro é um negócio que dominamos bastante. Talvez seja a beleza de tornar algo em primeira pessoa tão impessoal, ou talvez seja uma capacidade sobre-humana de projetar fases que variam menos por terreno e navegação e mais por interação com inimigos. Se CoD fosse só um campo vasto sem árvores mas com inimigos já seria muito bom, já que esses inimigos são colocados sempre de maneira muito inteligente, em ondas, posições e variações que nos fazem ficar atentos a todos os lados, ainda que, talvez, o que oferece perigo real esteja apenas na nossa frente.

Vocês já assistiram “Edge of Tomorrow”? Veio para o Brasil como “No Limite do Amanhã”. Tem o Tom Cruise. É um filmão. Um amigo meu, jogando Advanced Warfare (o CoD que saiu em 2014) no Difícil, me disse que quando você está repetindo a fase pela décima segunda vez após morrer tanto realmente consegue se sentir como nesse filme. Os melhores Call of Duty (leia: os que não são feitos pela Treyarch) seguem essa mesma característica. Depois de uma dezena de tentativas você vai memorizando onde estão todos os inimigos, matando cada um deles com um tiro certeiro na cabeça, correndo e pulando entre granadas e coberturas, conseguindo ver tudo com a clareza proporcionada pelo fato de não estar com a tela tingida de vermelho, sinalizando que, ei, está tudo dando certo pois você não tomou nenhum tiro. E acertou todos. É uma boa sensação. A sensação é boa quando você morre várias vezes até atingir a perfeição ou quando você consegue passar uma sessão de primeira, só na base do reflexo e nunca da memorização.

Ninguém faz isso tão bem quanto a Infinity Ward. Não é fácil criar um ciclo de demonstração tão bom quanto esse, que recompensa seu esforço em ser bom tanto se você começar ruim quanto se você começar sendo O Melhor Jogador De Todos Os Tempos. Eu não gosto nem de tentar olhar “analiticamente” para nenhuma missão de CoD, pois sinto que assim a magia vai parecer menos incrível, então prefiro só jogar, várias e várias vezes, e sentir que consigo ver os números, mas sabendo, no fundo, que não são os números reais. Os números reais só quem sabe é o pessoal lá que fez o jogo e que me agradeceu por comprar no final, após todas as empresas que fizeram Call of Duty nessa última década e meia darem as caras também, e após todos os personagens que morreram no decorrer da história mandarem mensagens para suas famílias que nunca vemos, mas que sabemos que são importantes por serem iguais a nós.

E apesar deles serem os mestres (na verdade, os únicos que fazem direito) em coisas scriptadas e automatizadas, com as missões opcionais também puderam variar um pouco mostrando que suas habilidades são um pouco mais extensas. Tem furtividade, navinha, opções de como lidar com as duas. Muitas linhas gravadas e contextualização real, também. Eu diria até que o fato delas serem opcionais é só porque Ter Coisas Opcionais É Benquisto, mas se encaixariam normalmente na campanha principal. Não deixam o jogo muito mais longo, mas o faz ter muito mais valor, já que muitos dos melhores momentos acabam vindo de nós mesmos nessas missões que são muito mais abertas no modo como podemos completá-las.

As principais, lineares como sempre, demonstram um nível de criatividade nas cenas de ação que a Naughty Dog só consegue sonhar em atingir e que a Treasure só faz tão naturalmente por não saber que o termo “setpiece” existe. São espetaculares daquele jeito “Torre Eiffel caindo em Modern Warfare 3“, mas nunca pensam em tentar fazer melhor que seus pais, e sim fazer como, numa maneira meio “obrigado por pavimentarem o caminho até aqui” e apagando todas as faixas de pedestre que haviam colocado anteriormente, já que agora não precisam mais: os pedestres aprenderam que o ideal é atravessar a rua pulando por cima, e não andando através.

É magnífico como na sua nave, no seu quarto, no seu computador, tem as fichas de vinte e poucos soldados que até então eram só o que te ajudava caso você ficasse dois segundos sem munição. E não é nem que eles sejam importantes, mas são seus subordinados, e talvez a responsabilidade que venha com isso já faça com que, ei, talvez você deva se lembrar deles enquanto estão vivos e enquanto lutam pelo seu planeta. Enquanto a interação com personagens em jogos anteriores era um pouco mais visceral, sempre no campo de batalha, nesse aqui ela é mais abrangente. Eles ficam lá pela sua nave, andando e conversando, e comentando e te ajudando, e tem um robô, e aí quando no meio do tiroteio algum deles grita “ENEMY AT ELEVEN!” talvez você até consiga identificar a voz, atrelar um nome e um rosto à ela, e só então perceber que, eita, realmente tinha um inimigo ali às 11, mas agora já está morto — outro soldado à sua esquerda deu cabo antes e, bem, é exatamente para isso que um time serve.

Quando o jogo pega tudo isso e joga de volta em você o peso de ser o capitão de um esquadrão e que, apesar de armas serem legais e divertido jogar jogos bons, a guerra ainda causa muito sofrimento quando conseguimos relacionar nomes às estatísticas, até dá para pensar um pouquinho no senso de responsabilidade que vem junto com o conflito entre proteger pessoas e proteger conceitos, já que raramente há como fazer ambos.

O modernismo daí começa na noção de guerra como algo não necessariamente honroso ou nem mesmo necessário, mas recorrente, e principalmente provindo da razão. Conforme o tempo passa e as pessoas se afastam cada vez mais de grandes ordens hierárquicas cosmológicas para acatar grandes ordens hierárquicas unicamente humanas, darwinistas, provindas do iluminismo, os conflitos ficam cada vez maiores: estados-nação se transformando só em nação, continentes inteiros virando nações, até o ponto em que todo o planeta é uma nação só, um único país, e nem assim os conflitos acabam. O quão fugaz é o globalismo nesse aspecto? O conflito é, uhm, infinito, e como se vai além do infinito?

Se não há mais espaço para conflito na Terra, dominamos Marte.

Dessa vez não é preciso mostrar lados e nem fazer concessões: todos nós somos terráqueos e todos somos humanos. Não é questão de ser americano ou russo ou japonês e tentar segurar os próprios valores frente às linhas inimigas no horizonte. Não precisamos sequer ver os inimigos e seus planos — a vontade de proteger o que é nosso (como em tudo o que conhecemos) é maior do que qualquer ideologia. O único inimigo que a Terra inteira tem em comum é qualquer um que esteja contra a mesma. É infinito não por durar para sempre, mas por existir em todas as pessoas, e a nossa noção de realidade ser exclusivamente vista através dos olhos delas.

Se daqui a um ou dez anos sair um Call of Duty Interdimensional Warfare, ainda não será tão moderno quanto esse. Infinite Warfare é um ponto final. Ele só poderia sair em 2016, por questões de tecnologia, de pensamento mundial. Ele só poderia ter essa resolução, esses polígonos, essas missões secundárias, esses personagens, em 2016. Só poderia ser assim pelas pessoas estarem de saco cheio de Call of Duty, por gostarem mais de Black Ops que de Advanced Warfare, por darem risada do “Press F to Pay Respects”. É fruto de todas as situações específicas que levaram a ele, e por isso nenhum outro vai, nunca, ser um reflexo do seu próprio tempo quanto esse é. E o que é mais moderno que a contemporaneidade? O que é mais fascinante do que ver o tempo materializado em algo tão simples quanto um joguinho em que você mira, atira, pula e corre?

Por isso que, mesmo não sendo o melhor jogo do ano, é, talvez, o jogo mais importante do ano. Se um dia no futuro me perguntarem como foi 2016 nos videogames, indicarei Infinite Warfare. Outros jogos podem e vão receber o status de atemporais, sendo requisitados e lembrados em qualquer situação — mas quantos têm o privilégio de serem uma estaca de seu próprio ciclo de existência, segurando um período com suas próprias mãos?

Quando alcançamos o infinito, só nos resta voltar atrás e redescobrir o prazer do que é limitado. Acho que é por isso que o Modern Warfare vem junto. O alfa e o ômega do apontar e atirar em quem discorda da gente.

-Guilherme Alves

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