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3 min readApr 2, 2016

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O relógio começa a bater.

O tempo começa a passar, porque é isso que o tempo faz. Ele não é cruel e também não é a cura para as dores que você sente agora. O tempo é fluxo. O tempo só é o tempo. Um instante dando espaço para outro instante existir em seu lugar. Algo que para ser tem que deixar de ser.

O tempo faz parte da vida desde antes de nós começarmos a tentar entender o tempo. Antes mesmo de tentarmos entender a vida. Nossa vida é baseada em finitude, logo é temporal. Uma trajetória que tem começo e fim, mesmo que não se tenha a certeza de qual instante será o final. Uma sucessão de instantes que se tornam passado ao dar espaço para outros instantes. A vida e o tempo existem um dentro do outro, se coabitando. Nós encaixamos os acontecimentos da vida dentro do tempo pois coisas acontecem e acontecem em instantes diferentes que vieram em uma ordem. Se não houvessem na vida — acontecimentos, afetos, ações, reações, comportamentos e experiências — se nada existisse, também não existiria o tempo, já que não haveria o que colocar em ordem. O tempo é amarrado pelas nossas vidas e elas se amarram nele para fazer sentido.

O relógio continua a bater.

Para o mundo não existe duração. O tempo do mundo é um eterno deixar de ser em que nunca há brechas para o prazer ou para a dor. É um tempo que é um fluxo constante de uma mão e sendo assim, ele não se permite parar para apreciar ou ser apreciado. É um tempo líquido.

O relógio ainda bate.

O tempo para nós tem passados, presentes e futuros. Memórias que ao serem trazidas para o presente, tornam o passado presente novamente. Futuros que, ao serem antecipados, previstos ou projetados, se tornam presente e o instante presente que, como nós, vive entre a nostalgia e a esperança até um dia se tornar passado como os outros. É uma temporalidade diferente da do mundo que nos permite ter um tipo de controle do tempo. É o tempo da alma. É a chave dos tempos.

O relógio não para.

Toda definição pressupõe uma certa permanência do objeto, mas no caso do tempo, ele só pode ser definido pela falta de permanência. É o barulho do ponteiro avisando que mais um instante deixou de ser presente e deu espaço para o próximo deixar de ser. Se um instante, por acaso, não desse espaço para outro, o tempo não existiria. Um instante que não se torna passado não é tempo, é eternidade. E assim ambos seguem, a eternidade que não pode ser definida sem o tempo e o tempo que não pode ter sentido sem a noção de eternidade.

Ele ainda bate?

Só que com aquela chave eu tenho controle. Um controle escapista para tempos que já não são mais os meus em momentos que não quero me manter no instante presente. Um controle que me dá o direito de tentar antecipar o futuro que, por não ter sido vivido ainda, talvez me pareça mais interessante; ou me permite voltar ao passado onde eu já sei o que acontece, portanto pode ser mais confortável. Chrono Trigger. Um instante que deixou de ser presente. Chrono Trigger nasceu em um instante que não poderia ter existido em outras circunstâncias. Não poderia existir sem que aquelas vidas específicas estivessem amarradas e entrelaçadas juntas naquele momento para o criarem como criaram. Mesmo sem a bagagem cultural que bons jogos têm, ainda se mantém elegante e corajoso nesse instante do passado. Um instante que ecoou em 1995, 2001, 2008, 2012 e ecoa ainda em 2016. Vibrando em uma duração intermitente graças ao tempo da alma. Ele não é eterno, mas é um instante que volta, passa e que voltará depois, durando o quanto puder durar, até passar novamente.

Pode passar, tempo, eu deixo. Eu deixo porque sei que o jogo acabou. Crono morreu, deixou de ser. Aquele tempo passou. Aquele instante já se tornou passado.

O relógio parou.

Mas eu tenho a chave, e o relógio volta a bater.

-Fellipe Mendes

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