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5 min readJan 25, 2016

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Era fim da manhã do dia primeiro de janeiro de 2016 quando eu e meu pai fomos na nova casa de minha tia para comer um churrasco de Ano Novo. Meu pai teve de voltar para buscar o resto da família e me deixou por lá. Enquanto esperava a vinda deles, resolvi ir até o quarto do meu primo, que estava jogando no emulador de SNES um RPG bem colorido.

Antes de continuar, um parêntese: esse meu primo é dois anos mais velho do que eu e foi a pessoa que introduziu os videogames em minha vida quando tinha 5 anos de idade, com um Atari 2600 e me fez querer imensamente um jogo eletrônico. Foi ele também o responsável a me fazer curtir RPGs no PlayStation 2, a me fazer escolher o PS3 e agora mesmo coordenando uma faculdade inteira de matemática ele tem tempo para comprar um PS4. Retomemos.

Resolvi perguntar mais sobre o jogo em questão, ele me disse que se tratava de um tal de Lufia, de 1993 e disse que ele era o típico RPG de 1993. De fato, conforme o via perambulando por uma torre (que depois pesquisei e descobri o nome da dita cuja: Tower of Light) via muita coisa de RPGs da época: era por turno, batalhas aleatórias, menus e poderes nem um pouco intuitivos (as magias de cura recebiam nomes como BOOST, CHAMPION E STRONGER!). Ele me deu um resumo do enredo e era bem direto ao ponto: 4 caras maus estavam querendo dominar o mundo e surgiram 4 heróis para salvá-lo. O jogo se passava 95 anos depois, com novos heróis tentando impedir a volta dos 4 caras maus do passado.

Conforme ele prosseguia, fui percebendo umas sacadas interessantes:

  • Os 4 personagens da party tinham cabelos de cores diferentes e bem vibrantes, para ajudar o jogador a diferenciar cada um. Porque se ficasse só nas vestes e leves mudanças no cabelo, facilmente seriam confundidos;
  • A tela de batalha era muito interessante: os personagens ficavam com seus sprites animados dentro de quadros que constava seus status e o menu de comandos ficava no centro desses 4 quadrados, formando uma cruz de comando! Ele disse que em outro jogo você podia selecionar o comando simplesmente apertando duas vezes o direcional desejado, mas nesse era preciso pressionar para direito e apetar o A para selecionar o comando de defesa, por exemplo;
  • E essa cruz se dividia assim: centro era ataque, direito era defesa, cima era magias, esquerdo era itens e baixo era fugir da luta;
  • Para indicar que personagem iria receber os comandos, ele se virava para tela (todos os outros estão de costas, voltados para o inimigo afrente). Eu achei isso muito interessante! Do meu ponto de vista parecia que o personagem se virava para o jogador à espera do comando que ele daria.

Depois de muito perambular e cair naqueles malditos pisos falsos que o faziam descer um andar, ele finalmente chegou ao topo da torre e enfrentou o chefão que deu prosseguimento na história. Para sair da torre, o que o meu primo fez? Resolveu pular da mesma e acabou indo direto pro World Map. Eu soltei uma risada pelo inusitado.

Disso meu pai chegou com o pessoal, fomos recepcionar o resto da família e acabou a jogatina.

Isso foi uma observação de 20 minutos de gameplay de um RPG que mal conhecia (e que provavelmente nunca jogarei, não achei o enredo lá essas coisas e não tenho paciência para ficar subindo uma torre, se perdendo nela e caindo de andar por causa de chãos-falsos), mas não deixei de perceber essas pequenas decisões que os caras que desenvolveram o jogo tiveram. São detalhes, mas que eu achava muito curioso que eles procuraram colocar para dar uma diferenciada ou facilitar para quem estivesse jogando.

Mas mais do que isso, esse tipo de interação (eu fui conversando detalhes com o meu primo enquanto ele jogava) não é algo muito comum, mas que sempre acabamos fazendo:

  • Quando eu ainda o visitava para passar as tardes, ainda bem moleque, eu o via jogar Grand Theft Auto 2 no PC. Foi meu primeiro contato com a série, em uma época pre-Windows XP. Perguntava para ele quais eram os objetivos do jogo e ele me mostrou o sistema de gangues da cidade, o botão que fazia o personagem dele arrotar e peidar (achava aquilo tudo muito gozado).
  • Por mais de 15 anos a gente ficava na casa de nosso avós em Salinópolis (cidade praiana do meu estado) durante as nossas férias escolares e, por alguns anos, ele sempre trazia seu PS2 para jogar uns bons RPGs (hábito que acabei trazendo para mim, levando meu próprio PS2 e ficava jogando Final Fantasy X), entre eles o Final Fantasy XII e o VIII. Ele me mostrava summons, os sistemas de batalhas e até os finais, quando eu sinceramente não dava a mínima para spoilers. Isso tudo rendia altos papos a noite enquanto nossos pais e avós ficavam sentados na porta de casa.
  • Durante meu ensino médio, quando ele e a mãe dele (que é doutora em física) me davam aulas particulares de física e matemática, ao final eu ficava esperando meu pai vir me buscar, quando uma vez eu o vi jogar pela primeira vez o Final Fantasy XIII no PS3 dele. Foi só um pequeno trecho em uma fase dentro de um ferro-velho, mas o sistema de batalha e a música me fizeram optar em ter o PS3 o quanto antes, bem como jogar aquele jogo, obviamente.

Acho curioso que mesmo quase 20 anos depois de conhecer o sujeito e nossas vidas tomando rumos bem diferentes, sempre acabamos sentados vendo alguém jogar e papeando sobre o jogo da vez. Como o Marcellus Vinícius falou em seu ótimo texto Single-Player: uma experiência coletiva, muita das vezes a diversão não está apenas no jogador que está com o controle, mas também com quem interage com a pessoa e que fica observando o jogo por outros olhos.

Obs.: Também, pra variar, ficamos papeando sobre assuntos afins. Foi assim que descobri que o lazarento já tinha um PS4, que estava querendo vender o The Last of Us de PS3 lacrado que eu havia comprado quando viajei. Ele também estava cogitando em comprar o The Witcher 3, mas está em dúvida se pega a versão do PS4 ou do PC, pois ele terminou o 1 (!!!) e o 2 e gostaria de puxar os saves.

Obs.²: Antes do meu pai chegar e um pouco depois dele ter completado a torre, perguntei para ele sobre algo que eu tinha lido recentemente na PlayStation Revista Oficial sobre o fato do enredo do Final Fantasy XII parece tomar um rumo completamente diferente pela metade do jogo e isso tinha me deixado ao mesmo tempo surpreso, como entristecido. Ele acabou confirmando isso, para meu desapontamento pessoal.

Obs.³: Em todos esses anos nessa indústria vital ele desconhecia a existência do save state do emulador. E assim cada um de nós aprendeu uma coisa diferente naquele dia.

- Samir Montalvão Fraiha

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