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15 min readFeb 5, 2016

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Com a internet, me acostumei a contar a mesma história um milhão de vezes. As pessoas vem e vão, desaparecem e aparecem, e então você se acostuma a explicar a mesma coisa várias e várias e várias vezes. Cada vez que explica é de uma forma diferente: em alguns dias ocorre de maneira mais completa, em outros com uma necessidade de se prestar atenção nos detalhes, em outros você simplesmente cospe palavras aleatórias e espera que as pessoas as recolham e façam o desenho por você.

Uma das histórias mais comuns sobre mim na internet é a do Ritual de Mega Man. Sim, se você me conhece já sabe: todos os anos, sem falta, eu termino todas as séries Clássica, X, Zero e ZX de Mega Man — pulando o Mega Man X7 porque é muito ruim, e o Mega Man X8 porque, olha só, eu fui jogar no Hard após anos sem encostar no jogo e terminei a última fase sem perder uma vidinha sequer? Isso me deixou muito orgulhoso, cheio de mim, e prometi que nunca mais encostaria no jogo porque não era necessário. Oh, quantas vezes já contei essa história! Meu Deus, eu já nem sei.

O que é importante sobre esse Ritual de Mega Man é que ele se tornou um refúgio. Não no sentido de escapismo, talvez seja até mesmo seu oposto: faço uma autoavaliação da minha vida durante meus curtíssimos one-sits de cada Mega Man. Não jogo Mega Man para esquecer da vida, jogo para lembrar dela. Quando pego em um, gosto de traçar na minha mente os momentos onde joguei ele nos anos anteriores e fazia questão de anotar as datas para isso, para lembrar “é, realmente foi nesse mês, esse Mega Man eu joguei com muita ansiedade porque estava na semana de provas de faculdade e, para variar, não estava nem um pouco afim de implementar uma estrutura de dados em casa, então já sabia que faria essa prova na sorte”. Fazia questão. Esse último ano eu não fiz. Não anotei datas, não estava realmente interessado.

Foi um ano cansativo. Mas, mais que isso, um ano cansado.

Nesse ano de 2015, eu não terminei meu Ritual de Mega Man.

É uma confissão? Será que eu espero, contando para vocês, aliviar a dor de não ter terminado Todos Os Mega Man Que Eu Gosto De Jogar Todos Os Anos através de uma confissão em um texto qualquer que será publicado em algum lugar? Na verdade não, não sinto dor nenhuma, é só uma brincadeira e eu não me importo realmente. Esse ano vou fazer tudo de novo como se nada tivesse acontecido.

Eu me importo, no entanto, com o motivo pelo qual não terminei.

Meu Mega Man ZX está com o save parado logo após terminar todos os Oito Chefões Que Todo Mega Man Tem. Mega Man ZX não é um jogo antigo da série. Antes desses oito chefões tem algumas (sim, algumas) fases; após oito chefões, tem mais algumas fases. Mega Man ZX foi só o pontapé inicial da Inti Creates para esquecer essa história de oito chefões, algo que ela consumou na continuação da série, que tem tantos chefões (o nome dos bonecos é Pseudoroid, e personagens importantes são Mega Man; mas quem é que NÃO escreve “chefão” em um texto sobre videogames? Hein?) que não é possível realmente lembrar o nome de todos eles.

O que eu quis dizer é que Mega Man ZX está muito além do modelo “Fase de abertura, daí oito chefões (com talvez alguma fase intermediária), daí os castelos do Dr. Wily”. Inclusive se você trocar o número “oito” por algum outro, como fez a série Zero. O modelo da série Zero só foi diferente no primeiro jogo, onde a Inti Creates tinha acabado de assumir Mega Man e não sabia exatamente o que queria; com a série ZX, por incrível que pareça, eles sabiam o que queriam.

Mega Man ZX é um jogo desenhado por quem sabe o que quer.

Não, não é desenhado por quem planeja minuciosamente cada detalhe do que quer. Não espere identificar, no jogo, ferramentas para evocar emoções, sensações, uma certa previsibilidade inteligente de como você agirá durante as fases. Você entende como é controlar o seu Mega Man porque já controlou seu Mega Man anteriormente, infinitas vezes, em jogos de Mega Man ou não.

Sim, é desenhado por quem tem um Universo em mente, uma História no papel e uma Identidade em mãos. Não se preocupe, eles TÊM um plano. Eu disse “Não se preocupe”. Se dissesse isso na época do lançamento, me passaria por louco. Sei porque estive lá, naquela época.

A recepção desse jogo foi horrível entre os fãs da série que tinham algum espaço na internet. Mas um segredinho: os fãs de Mega Man que possuem espaço na internet são terríveis de coração, reclamam de absolutamente todos os jogos da série desde o lançamento de Mega Man X6 e dão ênfase a aspectos imbecis como… ah, eu não lembro mais, já faz muito tempo que não vejo esses tópicos e se procurar recentemente só encontrarei aquelas piadinhas de “Inafune Con Man”. Eles realmente só precisavam implicar com alguma coisa.

Mesmo na minha época mais traquina, acolhi bem Mega Man ZX. Talvez não fosse bom jogador, mas bom jogador de Mega Man, ah, isso sempre fui.

Para quem não sabe, para não dizer que não falei do jogo — eu falei, estou falando desde que comecei o texto -, Mega Man é uma série de plataforma 2D onde você anda e atira (e, depois de um tempo, dá espadada; aí depois dá escudada, garfada, chicotada, o tipo de tortura que seu coração melhor se adaptar). Tem várias fases, grande maioria possui um chefão, e alguns chefões em específico podem te dar armas que eles usaram contra você. Você conhece esse modelo, todas as pessoas que jogam videogame e encostaram num jogo 2D conhecem. O jogo é linear: escolha uma fase; entre nessa fase, destrua tudo o que aparecer pela frente; ande para frente, suba escadas, ande, desça escadas, NÃO CAIA NO ABISMO!, NÃO ENCOSTE NOS ESPINHOS!; entre na porta, você está em uma sala fechada, cruze a sala, entre na outra porta, o chefão te aguarda; derrote o chefão; pule os diálogos (não pule os diálogos); escolha outra fase. Expliquei mais de quarenta jogos para vocês. Ufa! Foi cansativo. Agora me deixem continuar contando a história.

Em fato, Mega Man ZX foi mal recebido primeiramente porque as pessoas acreditavam que seres humanos usando morfadores para se transformar em Mega “Men” era trocar o conceito de Mega Man por Mighty Morphin’ Power Rangers. Elas queriam Mega Man, elas queriam X, elas queriam Zero. Danem-se essas pessoas. Quando veio X, elas só não reclamaram que não era o Mega Man porque o nome “Mega Man X” só deixou de ser utilizado no decorrer da série. Quando veio Zero, elas queriam X, e não queriam que Zero voltasse porque ele morreu no Mega Man X5 — dane-se Mega Man X5, mesmo sendo o “Melhor jogo de todos os tempos para quem acredita bastante em Deus”. Se você é bom com a minha linha de raciocínio “e” sabe que vou falar da transição para a série ZX, já entendeu a razão dessa reclamação ser imbecil. Se não domina meu português, eu explico: eles queriam Zero, que morreu novamente, de volta, porque aí reclamariam que Zero ressuscitou novamente ao invés de reclamar de estar jogando com um Power Ranger. Danem-se essas pessoas.

O conceito de Mega “Men” é maravilhoso. Nós amávamos os personagens desgraçados da série Zero que eram robôs criados com o DNA do X, nosso grande herói da série anterior. Amávamos. Tinha um metrossexual que usava um falcão como cavalo e possuía a maior lealdade já vista no planeta Terra, e a Inti é tão legal que colocou essa lealdade a prova transformando seu objeto de devoção em uma Marionete De Lúcifer; tinha uma mulher que se excitava quase sexualmente, ou talvez de fato sexualmente, em lutar contra você e sempre quando era derrotada contava com empolgação que você fazia a vida dela valer a pena batendo nela (não persigam meu jogo, eu imploro, também não tentem especular nada sobre como funciona meu interesse em mulheres… vocês estão errados); tinha um maromba que queria te botar em chamas e depois te usar de supino; e tinha um ninja tão desgraçado, mas tão desgraçado, que gastou a oportunidade de sobreviver para tentar te levar numa explosão, e aí após dois jogos depois você tem a oportunidade de visitar o inferno e ele é o único robô que está lá, te esperando, delirando com o dia em que vocês dois estarão juntinhos. Vê? Quem não ama os Mega “Men” da série Zero é maluco, odeia personagens, seres humanos, acha que eles só servem para vender pizza numa sexta-feira, dia em que essa pessoa fica solitária no quarto reclamando da vida (na internet). Por que isso seria diferente na série ZX? Não é. É melhor ainda. Esses mesmos Mega “Men” agora são um tipo de espírito e pertencem, de alguma forma, a personagens que tendem a repetir os mesmos erros deles em contextos diferentes. Se Mega Man não é sobre tudo sempre se repetir, se Ragnarok (Mega Man Zero 4) não é Eurasia (Mega Man X5), é sobre o que? Não vale “dar tiro”, porque é verdade.

Mas Mega Man ZX tem um motivo bastante compreensível para a má recepção: ele não é tão linear. Não sou estúpido. Sei que um jogo bom é bom independente das condições, e sei que ele é bom mesmo sendo não-tão-linear, mas as pessoas possuem sentimentos. Expectativas. É uma ferida sincera esperar por um Mega Man que você… bem, faz tudo aquilo que está no parágrafo de explicação da série, e não ganhar isso. É uma questão de maturidade aprender a não esperar ganhar o que quer, mas é uma questão de humanidade esperar ganhar o que quer. Então, deixemos as pessoas serem humanas. Mas elas estão erradas. Danem-se elas.

Para falar a verdade, eu também odeio Mega Man ZX por não ser (tão) linear. Talvez mais que as pessoas que o odeiam pela frustração em suas expectativas, por “não ser Mega Man o suficiente”. Se fosse linear, eu teria completado meu Ritual de Mega Man em 2015.

Como eu disse, 2015 foi um ano cansativo e, mais do que cansativo, cansado.

Mega Man ZX, por ser não (tão) linear, é um jogo relaxante. É um jogo convidativo. É um jogo, pasmem, real, identificável.

O universo do jogo é, basicamente, a construção de um mundo “de paz” após todas as guerras da série anterior. No final da série anterior todos os guerreiros morreram, só sobraram pessoas normais e pessoas com conhecimento, mas aparentemente inaptas para o combate. Só a Resistência, e principalmente Ciel, a cientista. Talvez tudo desse certo se ficasse assim, mas os destroços do último combate — Jesus vs. Satanás Fundido Com Uma Nave Espacial — continham “vida”, especificamente vida de Satanás (que, bem, foi até mesmo uma Nave Espacial), e então quem entrasse em contato com esses destroços acabaria desenvolvendo uma vontade de continuar os planos de Satanás. Os planos de Satanás são, por algum motivo, destruir a humanidade. Os planos de Satanás especificamente após a guerra são, para destruir a humanidade, criar um jogo onde Os Mega “Men” brigam entre si e o vencedor realiza seu sonho (na continuação da série, cada Mega Man é um ativista de uma causa diferente e todos eles são vilões. O senso de humor do Inafune é, doentiamente, parecido com o meu (pior ainda: criou o meu (me perdoem todos que acreditavam que eu tinha idéias originais, mas eu avisei))).

O interessante de Mega Man ZX é que você percebe tudo acontecendo “por dentro”.

Em Mega Man Zero, você tinha a perspectiva de fora: era Zero, um membro da Resistência, estava fora do Império “Totalmente não nazista! Tudo já estava no paganismo europeu muito antes! Eu juro!”, negociava diretamente com os líderes dali e só aparecia na Neo Arcadia para chutar bundas. Era tudo briga por energia (dinheiro), uma perspectiva simples, nítida. Ela foi abalada pela primeira vez ao entrar em contato com cidadãos da Neo Arcadia, já no quarto jogo: eles tinham um comportamento novo para a série, eles não são seus amigos, têm medo de você, odeiam a sua existência e acreditam firmemente que você é tão responsável pelo caos quanto o Totalmente-Não-Reich; eles são vítimas da Propaganda. Não que você esteja conhecendo a Propaganda pela primeira vez: no jogo anterior você e o Totalmente-Não-Reich duelaram, e não era para ser até a morte, mas acontece que Satanás tinha implantado uma bomba no Totalmente-Não-Reich e, no calor da batalha, ele a acionou e morreu; num truque mágico a informação foi repassada por Satanás ao Império Totalmente-Não-Nazista como “Os terroristas mataram cruelmente o Totalmente-Não-Reich e foram embora (P.S.: eu, Satanás, assumirei o controle agora, como Totalmente-Não-Reich desejou antes de morrer)”.

E é uma jogada muito inteligente, de mestre, mas as consequências não são nada bonitas de se ver. É difícil lidar com as vítimas da propaganda no jogo. Eles constantemente recusam sua ajuda, ofendem e dizem para você que é melhor nem abrir a boca para se defender. Para quem passou três jogos tendo um “lar”, um lugar onde todas as pessoas te incentivam, amam, chamam de herói, dizem que sem você tudo estaria perdido, é duro ouvir um “te odeio e estou acampando nesse lugar porque você destruiu a minha vida”. É verdade? Talvez.

Mas isso foi A Guerra. Mega Man ZX é sobre o pós-guerra. No mundo de Mega Man ZX tudo está errado, mas ninguém entende realmente o porquê. As pessoas vêem as notícias que falam: “ataque de Mavericks (robôs criminosos) no parque de diversões provocam inúmeras mortes”, “mais dez pessoas desapareceram misteriosamente perto da usina”, “novo incêndio em prédios provoca terror na cidade”. É tudo notícia. Tudo fato horrível. Todos os dias os mesmos fenômenos estranhos, que não deveriam estar acontecendo, mas acontecem há anos. Ninguém desconfia, e nem mesmo poderia desconfiar, que o Presidente da Grande Empresa está corrompido por Satanás (aquele da nave espacial) e está se utilizando de seu poder para incentivar o terror — já que terror é poder, e o Jogo dos Mega “Men” é um jogo de poder. Ninguém desconfia que as pessoas desaparecem misteriosamente perto das usinas (ou longe, ”perto das usinas” eu confesso que é a minha imaginação) porque são sequestradas para virar energia, e que os incêndios todos possuem o mesmo propósito. Como poderiam desconfiar?

Não é tão fácil vendo os eventos de dentro para fora, e não de fora para dentro como ocorre na série Zero. É factual. Você percebe pelos diálogos do jogo. Tanto o Vent quanto a Aile (você escolhe um deles paa jogar) ficam indignados com a realidade conforme o jogo prossegue (alívio: eles se conformam e continuam lutando), ambos são vítimas de um ataque de Mavericks no parque de diversões e nesse ataque perderam os pais — há uma missão nesse lugar, os personagens precisam de uma conversa com A Adulta para conseguir prosseguir, já que são paralisados pela raiva no meio da fase. Você, jogador, pode conhecer o mundo desde que Dr. Wily sequestrou os primeiros robôs de Dr. Light, viu Dr. Light criar X e Dr. Wily criar Zero, Zero transformar Sigma em um vilão, Sigma provocar uma instabilidade irreversível entre humanos e robôs utilizando técnicas Totalmente-Não-Marxistas, viu Dr. Weil se tornar Satanás, e tudo aquilo que já descrevi da série Zero. Mas você, jogador, não é o personagem que controla. Seu personagem é um órfão dos eventos de todos esses séculos e, embora você possa se colocar na posição de sabichão e chamá-lo de burro por ser chocado por todas as revelações, é mais confortável sentar ao lado dele (essa criança) e só assistir.

Por essa razão eu não consegui terminar esse jogo no meu Ritual de Mega Man estando cansado. Isso não é um review, eu sei que posso estar falando algo que só eu senti, e que se quiserem agredi-lo com todos os argumentos possíveis, podem.

Mega Man ZX é o jogo mais confortável de Mega Man que existiu, porque ele é o prelúdio do caos. Nenhum evento desse jogo é impactante em comparação a todos os outros jogos, tudo o que ocorre em Mega Man ZX Advent sobrescreve a importância desse jogo mostrando que ele é Só O Começo. Não me importo. Termino Mega Man ZX Advent com facilidade e em one-sit, mesmo o jogo sendo maior. Não é algo que sou capaz de fazer com Mega Man ZX.

Esse jogo possui um lugar vivo, marcado, real. Existe uma série de sidequests nesse jogo onde você precisa entregar várias cartas de amor de um aliado seu para uma menina que gosta de flores, e ele escreve várias asneiras daquelas que só funcionam quando a menina já sente algo por você, então toda vez que ela lê uma carta a resposta é algo como “Nossa, tomara que esse cara morra”. Seu personagem faz isso inúmeras vezes até o soldado pedir para contar a ela que ele mudará de cidade, que assume a derrota, concorda que é um bobalhão estúpido e pede desculpas por isso. Entregando a carta, ela se sensibiliza e não te pede nada, mas comenta que ficou, do fundo do coração, triste por ele.

Não tive coragem de continuar o jogo após isso e não lembro se, após passar alguma Fase Depois Das Oito Fases, destravarei uma missão onde ela entrega uma carta a ele pedindo para sair antes da mudança — queria que acontecesse, mas acho que não, acho que essa história acaba por aí. Não tive coragem de continuar porque resolvi fazer mais sidequests de um jogo que eu já completei 100% anteriormente. Porque eu queria limpar a água contaminada perto das montanhas, porque eu queria avisar o filho da moça irresponsável que é melhor não brincar de esconde-esconde nos prédios da Area G já que tá tarde e ocasionalmente eles pegam fogo (não sei se o Vent notou isso, mas eu, O Jogador, notei), porque eu queria subir a montanha para achar a pérola pro rapaz que queria surpreender a noiva dele com uma aliança diferenciada, porque eu queria ajudar a menininha que sente que será uma grande estilista. Talvez eu quisesse isso mais do que queria esfregar a cara do Serpent no asfalto por ter entrado no Jogo dos Mega “Men” e acabado com a cidade já que, mesmo que ele tente, a cidade não acaba. As pessoas continuam vivendo, mesmo que só saiam na rua onde é zona segura contra Mavericks (P.S.: tem polícia), e não passem perto da usina por medo de desaparecer sem deixar vestígios. Até em Neo Arcadia, o lugar onde todos tinham certeza (seja certeza na verdade ou na mentira) da razão de estar tudo errado, eles continuavam vivendo — a Neige, jornalista refugiada do Mega Man Zero 4, tinha um romance com o Kraft, soldado do Império Totalmente-Não-Nazista -, então por que não viveriam em Mega Man ZX onde o único inimigo comum é a incerteza?

O meu cansaço me fez querer ficar nesse mundo ao invés de continuar enfrentando o mal como um bom Mega Man. Tive que estacionar. Se, fora da tela de um computador, já entreguei tantas cartinhas ridículas e recebi tantos “não” e, pior ainda, recebi alguns “sim” que não soube reconhecer, por que não aproveitar meu descanso para ver isso acontecendo enquanto uso meus direcionais? Por que não ver o moleque que tanto parece meu irmão de dez anos fazer bobagem, como faz meu irmão de dez anos? Por que não ficar um pouco mais? Eu amo esse mundo, talvez não como eu ame o mundo “real”, e com certeza não como eu amo o Reino dos Céus (perto desse, eu não amo nenhum desses dois outros mundos, e isso não é uma declaração religiosa gratuita: quem não ama o Cyberspace mais do que o mundo “real” de Mega Man? A Iris está lá!). Mas todos os anos passo por ele no meu Ritual de Mega Man.

Esse é o verdadeiro efeito de Mega Man ZX ser não (tão) linear. Se era a intenção da Inti Creates oferecer isso? Não sei, realmente. O jogo funciona perfeitamente como qualquer outro Mega Man, as fases são maravilhosas, os chefões são sensacionais (em especial a luta contra o Prometheus e a Pandora juntos), o sistema de Níveis de Vitória é lindo — você não pega a “arma” do chefão, pega a armadura dele, então se acerta o parte frágil dele causa mais dano mas danifica a armadura e precisa gastar dinheiro para ela funcionar perfeitamente; os Níveis vão de 1 a 4, sendo 1 tão medíocre que significa que você mamou a barra de vida do chefão inteirinha só acertando a parte frágil, e 4 significa que, sim, você não acertou a parte frágil nenhuma vez. Quem venceu a não(tão)-linearidade saboreou um Mega Man tão divertido como todo bom Mega Man. Isso era o que eles queriam, e conseguiram, porque sabem o que querem e sabem fazer o que querem.

Mas há, também, a oportunidade de compreender um mundo de Mega Man por dentro. Nem em Mega Man X Command Mission, que é um ótimo RPG, isso foi possível, já que X sempre esteve em posição de autoridade. Só um jogo feito como Mega Man ZX é capaz de oferecer esse mundo. Só um jogo como Mega Man ZX te faz sentir que você não sabe o que é o mal, ao mesmo tempo em que te faz ter certeza de que está lutando contra ele.

Só Mega Man ZX, ao longo desses quase dez anos, foi capaz de me fazer perder um Ritual de Mega Man. É essa a verdadeira, e única, diferença dele para qualquer outro Mega Man. Só nele a sua vitória, no fundo, não tem nada a ver com escolher oito chefões e vencê-los.

-Henrique Ribeiro

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